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Golpe no Gabão

Quem é Ali Bongo, o presidente “eleito” que ninguém defendeu

A história de Ali Bongo mostra por que nem o povo, e nem as Forças Armadas levantaram um dedo sequer para defender o presidente deposto

– Por Pedro Burlamaqui

No dia 30 do mês passado, há 10 dias, um grupo de militares de alta patente tomou o poder no Gabão logo após a declaração de que Ali Bongo havia sido reeleito com mais de 60% dos votos. O agora ex-presidente governava o país há 14 anos e, enquanto estava em prisão domiciliar, pediu ajuda de seus “amigos do Ocidente”, e não para o povo. Este, por sua vez, foi às ruas comemorar o fim da chamada “era Bongo”.

Finalmente, o golpe no Gabão ocorreu sem o derramamento de uma única gota de sangue, o que mostra que nem um único soldado sentiu a necessidade de defender Ali Bongo. Fatos que comprovam que ele não possuía popularidade alguma. Vamos entender, então, quem é Ali Bongo e por que ele é tão odiado pela maioria do povo.

Nascido em 9 de fevereiro de 1959 em Brazzaville, capital da República do Congo, Ali Bongo, cujo nome de nascença é Alain Bernard Bongo, foi o terceiro presidente do Gabão entre 2009 e 2023. Existem rumores, todavia, de que ele seria adotado e teria, na realidade, nascido no sudeste da Nigéria na época da guerra de Biafra. Ele sempre negou tais acusações.

Bongo foi educado, a partir dos nove anos, em uma escola particular em Neuilly, na França. Depois disso, estudou Direito em Sorbonne, uma das universidades de destaque do país. Interessante notar que, por conta dessa educação internacional, muitos gaboneses consideram Bongo como um estrangeiro.

“O facto de ter frequentado as melhores escolas de Libreville e de não ter aprendido as línguas locais é um assunto que lhe será censurado mais tarde”, afirmou François Gaulme, historiador francês e autor de livros sobre a política gabonesa.

Em 1967, seu pai, Omar Bongo, tomou controle do Gabão, permanecendo no cargo de presidente do país até a sua morte, em 2009. É por conta desses 42 anos – 56, contando o governo de Ali Bongo – que é dito que existia uma “dinastia Bongo” no país africano.

Uma curiosidade: quando jovem, Ali Bongo era cantor de funk! Não de funk carioca, obviamente, mas do funk norte-americano. Em 1977, quando tinha 18 anos, chegou a lançar um álbum, produzido por Charles Bobbit, empresário de James Brown. “A brand new man”, contudo, acabou sendo o único álbum da curta carreira musical do gabonês.

Após forma-se na Sorbonne e já em meio ao governo de seu pai, Bongo começou sua vida política em 1981, entrando no Partido Democrático Gabonês (PDG, em francês). Em março de 1983, ele foi eleito para o Comitê Central do PDG, posteriormente tornando-se Representante Pessoal de seu pai no partido e, por isso, ingressando no Bureau Político do PDG em 1984. Em 1986, ele foi efetivamente eleito para o Bureau Político em um congresso ordinário do partido.

Entre 1987 e 1989, Bongo ocupou o cargo de Alto Representante Pessoal do Presidente da República. Em 1989, seu pai o nomeou ministro das Relações e Cooperações Exteriores, substituindo Marint Bongo, sobrinho de Omar. Então, nas eleições de 1990, ele foi eleito para a Assembleia Nacional enquanto candidato do PDG pela província de Haut-Ogooué.

Desde então, Ali Bongo alternou entre cargos no Legislativo e no Executivo, chegando, finalmente, à presidência em 2009 após a morte de seu pai.

Assim como as eleições do último final de semana, as eleições que declararam a sua vitória também foram conturbadas. Após o anúncio de que ele havia ganhado com 42% dos votos, por exemplo, a oposição negou o resultado e protestos agitados surgiram na segunda maior cidade do país, Port-Gentil.

Durante seus mandatos, Bongo governou ao lado do imperialismo, entregando boa parte das riquezas do Gabão para o estrangeiro. O setor petrolífero do Gabão foi, por exemplo, responsável por 80% das exportações durante seu governo.

Segundo Daniel Mengara, professor da Universidade Estadual de Montclair e líder da oposição exilada do movimento Bongo Must Leave (Bongo Deve Sair), 18% de todo o dinheiro arrecadado com petróleo do país centro-africano ia diretamente para as mãos da família Bongo. A título de comparação, o Gabão ficava com 25% desse total e, a França, os 57% restantes. Ou seja, o país serviu, na prática, como um posto de gasolina das potências imperialistas.

Seu servilismo com o imperialismo não para por aí. Seu pai foi um dos aliados mais próximos da França na era pós-colonial, e Ali Bongo é um frequentador assíduo de Paris. Lá, sua família possui um número grande de propriedades.

Uma reportagem do jornal francês Libération listou 28 imóveis entre hotéis, apartamentos luxuosos e uma mansão de mais de 5,4 mil metros quadrados pertencentes à família de Bongo (“Gabon : la carte des luxueuses adresses «mal acquises» du clan Bongo à Paris”, Laurent Léger, 30/8/2023). As propriedades encontram-se majoritariamente na capital francesa (21) e vem sendo construídas desde a época de Omar.

Ainda segundo o jornal, a justiça francesa investiga agora os imóveis avaliados em pelo menos 85 milhões de euros, mas acrescenta: “estamos longe do valor correto”.

Os “presentes” dos franceses para Ali Bongo, contudo, não se resumiam a carros e mansões. Até mesmo a esposa que Ali Bongo arranjou é uma parisiense! Nada viria mais a calhar: por viver acima da miséria do povo de seu país, Ali Bongo se acha francês.

Em 2016, a revista Foreign Policy (FP), porta-voz extraoficial do chamado deep-state norte-americano, publicou uma reportagem intitulada Conheça Ali Bongo Ondimba, o homem de Obama na África que escancara quão profunda é a relação de Bongo com o imperialismo. O texto revela que, durante seu governo, o Gabão se consolidou como um “aliado diplomático fácil dos Estados Unidos em uma região abalada por instabilidade”.

Em 2010, quando o Gabão ocupou um assento temporário no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSONU), o governo Obama tentou angariar o máximo de países possível para possibilitar a sua intervenção na Líbia que, naquele momento, era governado pelo líder nacionalista Muammar al-Gaddafi.

Naquele momento, o governo gabonês deu o sinal mais importante de que está do lado dos EUA: em fevereiro de 2011, o Gabão votou a favor de duas resoluções do CSONU, impondo sanções a Gaddafi e estabelecendo uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia. Mais tarde, em junho daquele ano, Bongo tornou-se o primeiro líder africano a publicamente pedir a derrubada de Gaddafi.

“Enquanto os outros países do CSONU foram mais reservados, o Gabão abriu o caminho e ajudou a administração a obter o voto africano para as resoluções de intervenção na Líbia”, disse J. Peter Pham, diretor do Centro Africano no Conselho Atlântico, outra organização importante do imperialismo.

Eric Benjaminson, embaixador norte-americano no Gabão entre 2010 e 2013, compartilha a mesma visão de Pham, ressaltando a importância do país centro-africano na região. O embaixador revelou, no artigo em questão, que funcionários do governo Bongo “podiam ligar para qualquer líder africano em seus números de telefone particulares”. “Eles conheciam Gaddafi e conheciam muito bem o seu chefe de gabinete, e estávamos tentando trabalhar através dos gaboneses para conseguir que Gaddafi renunciasse sem ação militar”, disse.

Apesar de isso não ter funcionado, Benjaminson reforça a importância do Gabão durante a intervenção imperialista na Líbia. De acordo com o diplomata, Bongo ofereceu a Obama quantidades impressionantes de informação sobre conversas reservadas que ele teve com outros líderes africanos. Ou seja, era, na prática, um espião norte-americano governando um dos países mais importantes da África.

Como se não fosse suficiente, o órgão de imprensa imperialista deixa claro que Bongo governava conforme ditava os Estados Unidos. Funcionários do governo gabonês conferiam, por meio da embaixada dos EUA, se suas decisões “se encaixavam na estrutura do que os outros membros ocidentais do Conselho de Segurança estavam fazendo. “Nós diríamos a eles e eles modificariam as coisas com frequência”, afirmou Benjaminson.

A colaboração de Ali Bongo com os EUA ocorreu até mesmo durante o governo de seu pai, quando era ministro da Defesa do país. Na pasta, ele reformou as Forças Armadas gabonesas para o que tanto Pham, quanto Benhaminson, ambos representantes do imperialismo, consideram como “profissional”.

Posteriormente, segundo o secretário da Marinha dos Estados Unidos da época da publicação do artigo, Ray Mabus, os norte-americanos chegaram a treinar soldados no Gabão com a justificativa de combater a caça.

Em relação a isso, Bongo também seguia a política dos Estados Unidos para o meio ambiente. Em 2014, 23% dos mares e mais de 10% do território do Gabão foram classificados como parques marinhos e nacionais.

Até o chefe de Bongo, Obama, declarou seu apoio à medida, afirmando estar “muito impressionado com o compromisso de Ali com a conservação e proteção de espécies ameaçadas”. E não é à toa, já que quase 40% do território gabonês ficaria reservado para que o imperialismo pudesse explorá-lo mais tarde.

Ademais, para se ter uma noção do caráter anti-popular de seu governo, seguindo o exemplo de seu pai, vejamos alguns de seus feitos:

A taxa de desemprego era de 30% de toda a população ativa em 2016; ele mandou prender inúmeros estudantes e membros de sindicatos durante manifestações contra seu governo; ele deteriorou o acesso à saúde, sendo necessário um depósito de 300.000 francos CFA para a entrada em um hospital; existe uma deficiência geral nos serviços públicos; cortes de eletricidade são constantes; e mais da metade da população gabonense está abaixo da linha de pobreza.

Segundo declarações dos próprios militares que tomaram o poder nesta quarta-feira, a gota d’água foi a condução das eleições desse final de semana. As denúncias mostram que o processo foi feito sob medida para a vitória de Bongo, que planejava continuar o reinado quase secular de sua família.

Fica claro que Ali Bongo funcionava como um instrumento político dos Estados Unidos contra os governos que tivessem alguma contradição com o imperialismo. Isso enquanto atuava como uma marionete do regime francês, favorecendo a pilhagem do país africano pelos países imperialistas.

Aos gabonenses, que viveram tanto tempo sob os cruéis governos dos Bongo, só resta agora rir do fato de que Bongo, depois de sofrer um golpe, descobriu que não era francês. Como o imperialismo está muito debilitado, até agora seu amigo Emmanuel Macron não veio lhe socorrer.

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