O dirigente da corrente Resistência, do PSOL, Valério Arcary, publicou artigo no último dia 5/9 com o título “Qual é o eixo? Prisão para Bolsonaro”.
Como o próprio título já diz, Arcary acredita que o eixo de luta para a esquerda nesse momento é pedir a prisão de Bolsonaro. Tal política pela ideia de que “um dos temas centrais da conjuntura brasileira, senão o mais vital, é o destino de Bolsonaro.”
O destino do ex-presidente até pode ser um tema importante, já que a burguesia colocou tal assunto em evidência. No entanto, a importância do tema não se dá pelos motivos apontados por Arcary.
O dirigente do PSOL é adepto, como já expressou em outros momentos, da defesa de punição para Bolsonaro. “A prisão de Bolsonaro seria uma derrota terrível para a corrente neofascista.”
Ele pondera, no entanto, que essa ideia é “controversa” e mesmo em círculos de esquerda há “a ideia de que a prisão de Bolsonaro não o enfraqueceria, ao contrário, o fortaleceria”. Mas segundo Valério Arcary, esse seria “um cálculo ingênuo” porque “Bolsonaro preso seria uma derrota irreparável para toda a extrema-direita”. Vejamos essa ideia.
O argumento de que Bolsonaro se fortaleceria não tem nada de ingênuo. A própria realidade está mostrando que os bolsonaristas estão se fortalecendo com as perseguições operadas pelo Judiciário. Bolsonaro, à maneira dele, conseguiu arrecadar R$17 milhões em pix numa campanha contra a multa que recebeu de João Doria por ter “desrespeitado o lockdown”. Como explicar esse sucesso? Outros nomes da extrema-direita não perderam popularidade com as perseguições. Isso se explica não pela simples análise institucional. Pode até ser verdade que os bolsonaristas, devido ao avanço institucional contra eles, estão na defensiva. Mas isso não significa que sua base de apoio está desfeita, menos ainda que estamos diante de “derrotas irreparáveis”.
Manobras institucionais não necessariamente funcionam. Elas poderiam funcionar se o bolsonarismo, do ponto de vista de sua base de apoio, estivesse numa curva descendente. Mas não é isso o que está acontecendo. As perseguições estão fortalecendo politicamente os bolsonaristas, a ponto de conseguir mobilizar sua base no caso do pix para Bolsonaro e outros vários casos.
Outro argumento que Valério Arcary diz ser “insustentável” é o de que “o maior problema, no Brasil de 2023, seria o excesso de poder dos Tribunais Superiores, e não a impunidade da corrente neofascista”. Ele usa o caso da Argentina para sustentar sua opinião: “a subestimação do perigo representado pelo neofascismo é inexplicável, ou melhor, imperdoável, como ficou claro na Argentina com a explosão do vulcão Milei, depois de quatro anos de governo fracassado do peronismo de Alberto Fernandez.”
De trás para frente, é preciso dizer que grande parte do fracasso de Alberto Fernandez é sua aposta numa política direitista, institucional. É absurdo dizer que Milei subiu porque as instituições burguesas argentinas não puniram a extrema-direita. É um raciocínio confuso. Milei é um produto social, como é o bolsonarismo.
Ao contrário do que Arcary afirma, para nós é insustentável alguém que se considera de esquerda, revolucionário e trotskista afirmar que a “corrente neofascista” seria mais perigosa do que o excesso de poder dos Tribunais.
Arcary esqueceu as lições de Trótski sobre o fascismo. Esqueceu algo fundamental: o fascismo só se torna um perigo quando as instituições burguesas e, portanto, a grande burguesia, o adota. Ou seja, os tribunais superiores com o poder de passar por cima de qualquer direito democrático, como o que está acontecendo no Brasil, estão muito mais próximos do fascismo do que os bolsonaristas que o próprio Arcary considera estarem próximos e uma “derrota irreparável” porque essas instituições os perseguem.
E se tudo isso não basta, seria preciso lembrar Arcary e toda a esquerda que aplaude os abusos do STF que nunca nenhum revolucionário acreditou e defendeu a ideia de que o fascismo se vence por meios institucionais e não nas ruas.
Mas aí, alguém argumentar que Arcary quer sim o povo na rua, diz ele:
“Uma das mais graves é deixar, exclusivamente, na alçada dos Tribunais Superiores, o destino de Bolsonaro. Que esta seja a aposta do governo Lula não deveria levar os movimentos sociais e o conjunto da esquerda a renunciar a uma campanha por prisão para Bolsonaro. Uma campanha exploratória das possibilidades de colocar em movimento os setores mais avançados pode ser construída.”
Ou seja, Arcary quer fazer o esforço de mobilizar o povo para sair à rua e pedir a prisão de Bolsonaro. Quem vai prender? Os tribunais. Estamos diante de um exemplo grotesco de como canalizar uma mobilização para uma política institucional.
Isso tudo se ainda formos ingênuos o suficiente para acreditar que os tribunais realmente estão combatendo a extrema-direita. Para responder a essa pergunta não devemos olhar para Bolsonaro, mas para os generais golpistas. E vamos descobrir que está tudo bem com eles.
Vamos mobilizar não para conquistar as reivindicações do povo, mas para prender o ex-presidente da República. O interessante dessa política é que Bolsonaro teve quase metade do eleitorado, uma boa parte, portanto, não são perigosos fascistas, mas eleitores confusos. Como Arcary pretende uma mobilização de massas tendo como eixo central a prisão desse candidato? Uma coisa totalmente sem pé, nem cabeça.
E Arcary insiste: “O lugar de toda a esquerda, dos mais moderados aos mais radicais, deveria ser na primeira linha da luta pela repressão impiedosa contra Bolsonaro e a corrente neofascista.” Aqui, o dirigente do PSOL parece o Datena falando: “repressão impiedosa”. Ele diz que essa repressão não vai se voltar contra a esquerda no futuro. Talvez ele esteja certo, não é futuro, é presente. Na realidade, é passado também. Foi essa mesma máquina de repressão impiedosa que prendeu Lula, ela também age contra o povo pobre. Vamos dar mais poder a ela? É o que quer Arcary.
Essa mesma máquina, há uma semana, multou o deputado do PSOL de forma impiedosa por R$1 milhão porque criticou um juiz. Arcary diz que os outros são “míopes”, mas parece que descobrimos míope aqui, ou ele já estaria cego?
A repetição da política da burguesia leva Arcary a um raciocínio absurdo. Ele abandona as principais e tradicionais reivindicações do povo: salário, moradia, defesa nacional, etc, capazes inclusive de unificar o povo, para colocar uma espécie de “não reivindicação” como eixo central de luta.
O que está acontecendo é que a esquerda está servindo como cobertura democrática para o fechamento do regime político. E podem ter certeza que isso, sim pode ser irreversível e levar ao fascismo.