A Procuradoria-Geral da República (PGR) entende ser inconstitucional a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que prevê a anistia aos partidos políticos que sofreram multas e sanções de devolução de recursos do fundo eleitoral e partidário ao estado.
A PGR acionou, obviamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) para conseguir impedir que a PEC da anistia, como é conhecida a proposta, seja aprovada no Congresso Nacional e sancionada em seguida, afirmando ser inconstitucional a medida por ofender o princípio da igualdade previsto na mesma Constituição Federal.
A procuradora-geral Elizeta Ramos afirma que “os arranjos legislativos que, por qualquer modo, impliquem sub-representação de mulheres e de negros na política para aquém dos patamares já alcançados […] significam inadmissível retrocesso em políticas afirmativas voltadas a assegurar isonomia política de gênero e racial”.
Ela está tratando, no ponto acima, das obrigações impostas pela legislação eleitoral aos partidos, que devem destinar uma quantidade de recursos do fundo eleitoral e partidário para o incentivo de participação de mulheres e negros dentro do partido e nas próprias eleições.
Além dessas obrigações que já estão previstas nas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, existem outras tantas que, pela floresta burocrática, é praticamente impossível um partido não receber uma multa do TSE. Por isso surgiu a PEC da anistia, que é uma demanda de quase todos os partidos diante da franca interferência do Poder Judiciário dentro dos partidos.
É preciso entender que um partido político funciona, ou deveria funcionar, como qualquer outra associação civil. É ele e seus integrantes que definem como deve ser composto, seu programa, sua ideologia, etc. Deveria ser completamente livre a criação e o funcionamento de um partido.
A autonomia partidária assegura ao partido político a prerrogativa para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento. É o que está previsto na própria Constituição Federal:
“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
- 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.
Assim, toda e qualquer forma de organização partidária deveria obedecer somente aos seus próprios fundamentos e estatutos. A obrigação de um partido político em adotar tal o qual política para a composição de seus quadros, por mais benéfica que possa parecer, é somente uma brecha para a intervenção do estado dentro dos partidos, algo visto com clareza durante a ditadura militar.
A maior presença de negros e de mulheres no parlamento, ou em qualquer outro local de poder que seja, não será resultado de medidas cosméticas que não irão resolver o problema real. Não são as obrigações destinadas aos partidos que irão ajudar ou não as mulheres e negros a participar da política. Isso será fruto da luta consequente dos negros e das mulheres por seus direitos mais fundamentais, como o direito à autodefesa, ao pleno emprego e à liberdade de associação e manifestação.
Estes direitos não entram em discussão no judiciário, pois se trata justamente de direitos. O que se debate lá, especialmente no STF, são as obrigações e o maior cerceamento de direitos possível. Impor a qualquer partido que adote uma política x ou y em sua composição é uma interferência total do Estado, acabando com a liberdade partidária.