O Partido Comunista Brasileiro (PCB) publicou, em seu sítio oficial, uma nota chamando “o fortalecimento do Poder Popular para derrotar o projeto burguês e a conciliação de classes” (“Derrotar o projeto burguês e a conciliação de classes!”, 5/11/2023). Conforme o partido, o “discurso de crítica ao neoliberalismo e de apoio a uma ordem mundial multipolar mal esconde o projeto do bloco burguês atualmente no poder em nosso país: continuar e aprofundar a retirada de direitos das classes trabalhadoras”, evidenciando uma incompreensão do problema do imperialismo e do nacionalismo de um país atrasado.
Sem dúvidas, há muitas coisas criticáveis no governo do PT, mas o seu caráter nacionalista, embora não o torne comunista, coloca sua política em frontal oposição ao imperialismo, mesmo que não seja essa sua intenção. Apesar de ser um governo de conciliação (algo que o PT assume abertamente), este aspecto deve ser visto de maneira concreta, e não de maneira esquerdista como faz o PCB. Caso contrário, perdemos as oportunidades que o conflito entre as distintas camadas da burguesia oferece à luta dos trabalhadores.
Em 1959, os revolucionários cubanos tampouco tinham aspirações maiores do que derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista e inaugurar um governo de aspirações burguesas, com liberdades democráticas. O choque do novo governo com o imperialismo é que empurra os cubanos cada vez mais à esquerda, até que, por fim, Fidel Castro declare Cuba um país socialista, o que foi feito sobretudo contra os representantes do imperialismo, uma vez que a frágil burguesia cubana não conseguia controlar a Ilha sem a burguesia imperialista.
Um dos países mais pobres do mundo, o Afeganistão dispõe de condições ainda menores de almejar o socialismo. O objetivo dos talibãs que expulsaram os norte-americanos do país, finalmente, era tipicamente burguês, ainda que o país seja demasiadamente atrasado para ter algo minimamente parecido com uma burguesia. Buscavam expulsar os invasores e ter o controle da nação, nada mais.
Ao fazê-lo, no entanto, abriram uma crise monumental no centro da opressão mundial dos trabalhadores, da qual derivou a expressiva sequência de eventos revolucionários observados e que aprofundaram ainda mais a crise imperialista. Guerra na Ucrânia, golpes de Estado derrotados, levantes no Sahel e mais recentemente, a ofensiva palestina pela libertação do país.
A independência política da classe trabalhadora e seu rompimento com a burguesia, sem sombra de dúvida, é o caminho para que erguer o governo dos trabalhadores. O problema é o que fazer até lá? Abdicar da luta política que se expressa, por exemplo, quando as massas trabalhadoras se deslocam para uma liderança de tipo nacionalista (portanto burguesa)? Colocar-se à margem dos acontecimentos e deixar de intervir para um desenvolvimento favorável à revolução? Claro que um comunista sério não pode considerar tais hipóteses.
O PCB prossegue em sua nota declarando:
“O comportamento político e econômico do atual governo não é nenhuma surpresa, sendo típico dos governos que trilham o caminho da conciliação de classes”, ao que acrescenta: “Lula tem recebido cada vez mais o voto de confiança da burguesia”. A segunda colocação é totalmente descabida, uma leitura minimamente atenta dos órgãos de imprensa da burguesia demonstra o quão distante da realidade essa afirmação se encontra. Ela é, contudo, usada para justificar o que se coloca na primeira frase.
Para o PCB, “o caminho da conciliação de classes” faz Lula ser um governo da burguesia. Em alguma medida, todos os governos “não-revolucionários” o são, mas colocado de maneira abstrata, o governo Lula termina sendo um governo inimigo da classe trabalhadora, o que só coloca uma tarefa aos trabalhadores: enfrentá-lo.
Há um outro setor social mais ciente de seus interesses que também entende a necessidade de enfrentar o governo do PT, que já derrubou a presidenta Dilma Rousseff, já prendeu Lula e impediu o homem de disputar as eleições de 2018: o imperialismo.
Consciente disso ou não, a política do PCB também o leva a adotar uma conciliação, em vez, porém, de colocá-los lado-a-lado com forças mais progressistas da burguesia (ainda que de uma maneira muito limitada), que lutam para não serem completamente esmagados, a conciliação do PCB os leva a cerrar fileiras com o imperialismo.
O partido teria de mostrar quando na história uma força revolucionária se aproximou dos grandes monopólios internacionais e manteve sua independência e sua atuação, a ponto de conseguir influir favoravelmente na luta política. Lênin, por exemplo, chamava a não tomar partido de nenhum lado do imperialismo, mas opor a classe trabalhadora a este inimigo fundamental. Estaria o PCB certo e Lênin errado?