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Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

Um gigante da nossa literatura

Padre Vieira: o homem que protestou e convenceu Deus

Uma singela homenagem a um dos maiores escritores da língua portuguesa

No dia 6 de fevereiro de 1608 nascia Antônio Vieira, em Lisboa, chegando ao Brasil, na cidade de Salvador, em 1614, ainda muito criança, vindo com a família. Se é correto dizer que havia uma real distinção entre ser português e ser brasileiro no século XVII, podemos dizer que Padre Antônio Vieira é, sim, mais brasileiro que português, até mesmo por viver a maior parte do tempo no Brasil.

Recentemente, a memória de Padre Vieira foi uma vítima da ignorância e do reacionarismo identitário. Em 2020, teve sua estátua danificada em Portugal. Impossível saber o motivo de tal ataque.

Lendo alguns de seus sermões, o que vemos ali é o manejo de um verdadeiro gênio da língua portuguesa. Seus sermões eram apenas um meio pelo qual Padre Vieira colocava em prática toda a sua virtude como escritor, talvez o maior da nossa língua depois de Camões.

Apenas pela qualidade de sua escrita, Vieira já deveria estar entre os grandes personagens da história de Brasil e de Portugal. Sua literatura é um monumento deixado para a humanidade e um deleite para quem tem verdadeiro amor pela boa escrita.

Não é apenas o trato com a língua, o poder sensacional de argumentação, o desencadeamento de argumentos envolvente, as metáforas incríveis. O conteúdo de seus sermões merecem também um destaque.

Usou seus sermões para defender o fim da escravidão dos indígenas. “Melhor é sustentar do suor próprio que do sangue alheio”, dizia ele em seu Sermão da primeira dominga da Quaresma, na cidade de São Luís do Maranhão em 1653.

Usou seus sermões para criticar os elementos burocráticos da igreja, diferenciando os pregadores que vivem com “mais paço” contra aqueles que se acham com “mais passos”. Naquele que é o mais famoso dos seus sermões, o Sermão da Sexagésima (1655), Vieira diz que

“Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa é o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. (…) O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão ser ao pregador. (…) as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo. (…) Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem.”

Guardadas as limitações de seu tempo, considerando ser ele um homem da Igreja Católica, embora com o espírito militante dos jesuítas, Vieira foi homem progressista em sua época. Foi conselheiro do rei e defendendo uma política mais aberta, como, por exemplo, a liberdade política para os cristãos-novos, pois considerava isso importante para o desenvolvimento econômico do reino. Por essa defesa foi perseguido pela Inquisição e, não fosse seu papel de destaque, poderia ter sido queimado na fogueira como tantos outros.

Por sinal, vale dizer que, o que a Inquisição não conseguiu fazer, os identitários fizeram com sua estátua em 2020.

Os jovens brasileiros – não sei como é em Portugal – normalmente ouvem falar de Padre Antônio Vieira na escola de passagem, como se ele fosse um personagem secundário de nossa literatura.

Sim, tal coisa é uma injustiça com Vieira, mas é sobretudo uma injustiça com o nosso povo.

O povo brasileiro tem o direito de saber que essas terras abrigaram um gigante da literatura mundial.

E a busca por justiça era uma das preocupações de Antônio Vieira, como em seu impactante Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. Aqui, como em outros de seus sermões, é possível distinguir o gênio de Vieira do bom escritor. Contra a invasão holandesa no Brasil, Vieira não quer convencer os homens, quer convencer ao próprio Deus.

Suas argumentações transitam com tal maestria no limiar do sagrado e do profano, entre o respeito pelo Deus todo-poderoso e misericordioso, do qual não se pode sequer falar o nome em vão, e um protesto voltado contra este mesmo Deus, chamando-o à razão.

“Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando; pois esta é a licença e liberdade que tem quem não pede favor, senão justiça. Se a causa fora só nossa e eu viera a rogar só por nosso remédio, pedira favor e misericórdia. Mas como a causa, Senhor, é mais vossa que nossa, e como venho a requerer por parte de vossa honra e glória, e pelo crédito de vosso nome – Propter nomen tuum – razão é que peça só razão, justo é que peça só justiça. Sobre esse pressuposto vos hei de arguir, vos hei de argumentar; e confio tanto da vossa razão e da vossa benignidade, que também vos hei de convencer”

Nesse trecho, como em outros, Vieira busca, embora ainda preso na fé católica, uma concepção geral de razão e justiça. Aqui, a contradição do barroco entre a fé e a razão transborda com toda a força, impele o escritor a desafiar o próprio Deus, a tentar convencer, com argumentos, o próprio Deus a fazer a escolha pela razão e pela justiça. E como homem, mas não em desacordo com as leis de Deus, o escritor se sente no direito de protestar, pedindo justiça.

Hoje, quatro séculos depois, sabendo o resultando das duas tentativas de invasão holandesa no Brasil, temos a nítida impressão de que Vieira conseguiu convencer Deus a expulsar os invasores. Mas essa é outra história…

No início de março, o PCO começa o curso da Universidade Marxista cujo tema será a história do Brasil. A cultura, a arte e a literatura serão partes desse curso. Convido todos os companheiros a participarem dessa inciativa. Como militantes comunistas, com esse curso, o PCO busca fazer justiça com a história de nosso povo, que assim como o próprio povo brasileiro, é tão maltratada.

Artigo publicado, originalmente, em 06 de fevereiro de 2022.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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