Em nossa coluna anterior sobre língua portuguesa, o “substantivo” foi definido sendo a classe de palavras por meio da qual são construídas visões de mundo; os substantivos traduzem, dessa maneira, os modos de determinada sociedade conceber suas coisas. Por consequência, longe de simplesmente nomear o mundo, o “substantivo” nos permite compreendê-lo de maneira específica.
Nessa definição, além da utilização de conceitos gramaticais e linguísticos, utilizam-se conceitos de outras ciências sociais tais quais a antropologia e a sociologia, ampliando-se, consideravelmente, as concepções de língua; desse ponto de vista, podemos, portanto, recordar as diferenças entre “substantivo próprio” e “substantivo comum”.
Celso Cunha nos diz que os “substantivos próprios” se aplicam aos indivíduos de uma espécie. Os “substantivos próprios” são, portanto, os nomes próprios das pessoas e das coisas; Homero, por exemplo, é “substantivo próprio”, já a palavra “poeta” é “substantivo comum”, pois com ela nomeia-se um grupo e não, determinada pessoa. Os nomes próprios, porém, não são simplesmente nomes utilizados para fazer referências objetivas a pessoas e coisas; os nomes são formados por valores culturais, expressando, dessa forma, visões de mundo.
Em muitas culturas, o nome das pessoas está relacionado com as qualidades de quem é nomeado; em seu romance “Ubirajara”, José de Alencar procura reproduzir culturas indígenas em que os nomes das pessoas são dados assim. O índio Ubirajara chamava-se primeiro Jaguarê, cujo significado em tupi é onça; nome adquirido após, com suas habilidades de caçador, vencer o animal mais feroz da mata. Contudo, quando Jaguarê vence o inimigo Pojucã, outro guerreiro, seu nome muda para Ubirajara, cujo significado é “senhor da lança”.
Na cultura ocidental, embora os nomes próprios preservem sentidos específicos, isso não assume o mesmo valor cultural dado por Ubirajara. Eugênio, por exemplo, significa “de bom nascimento”, algo de pouca expressão para os Eugênios; entretanto, quando em nossa cultura alguém é nomeado, sempre há outros sentidos além da simples referência aos indivíduos. Em seu romance “Angústia”, Graciliano Ramos mostra a decadência das famílias por meio dos nomes; o avô chamava-se Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva, o pai, Camilo Pereira da Silva, e o filho, simplesmente Luís da Silva, com diminuição do tamanho indicando, no texto de Graciliano, a diminuição da importância social de Luís da Silva e seus familiares.
Não é necessário se restringir ao universo da literatura; basta lembrar de quantos de nós fomos nomeados em homenagem a santos da religião católica. Meu primeiro nome é Antônio porque meu pai se chama Antônio e sou seu primogênito, mas ainda em homenagem a Santo Antônio, semelhantemente a minha irmã Rita, homenageando Santa Rita.
Enfim, os exemplos poderiam ser multiplicados à vontade, sendo sempre possível encontrar nos nomes próprios valores culturais além das simples referências; igualmente a todo “substantivo”, os “substantivos próprios” traduzem visões de mundo próprias de determinada sociedade.
Na próxima coluna de língua portuguesa, vamos estudar os “substantivos comuns”.
* A coluna não expressa necessariamente a opinião desse jornal