PSTU, PCB, correntes do PSOL e suas organizações satélites (como MRT e CST) fizeram um “ato” no último dia 13 de junho e chamaram uma “plenária nacional” para o próximo dia 27 com a seguinte palavra de ordem central: “Contra o arcabouço fiscal de Lula e o Marco Temporal”.
Há um dado interessante na escolha das palavras de ordem. Colocaram no mesmo balaio duas medidas ― o arcabouço fiscal e o marco temporal ― que não são originárias das mesmas forças políticas. A malandragem se consuma com o “de Lula”, inserido na frase. Ao fim e ao cabo, não é preciso muita perspicácia para identificar que a intenção é colocar Lula como promotor não só do atual arcabouço fiscal, mas também do Marco Temporal.
A proposta do arcabouço fiscal é, de fato, oriunda do governo Lula. Fruto de uma série de negociações iniciais, a proposta tramita nas duas casas do Congresso Nacional e já sofreu uma série de modificações por parte dos parlamentares, todas no sentido de garantir um dos cavalos de batalha dos banqueiros: o teto de gastos. Se a proposta inicial estava longe de atender minimamente aos interesses dos setores operários e populares (o que só aconteceria com o fim do teto de gastos, para começar), com as modificações do Congresso a coisa ficou ainda pior. Para essas organizações da esquerda pequeno-burguesa, porém, o importante é deixar claro que a proposta é “de Lula”.
Já o Marco Temporal, projeto de lei que ataca duramente os direitos dos povos indígenas em prol do latifúndio, não conta com a menor participação ativa de Lula e seu governo. O projeto foi proposto em 2007 pelo ex-deputado Homero Pereira, do PR (Partido Republicano) do Mato Grosso. É um projeto da direita, dos latifundiários.
Estamos diante aqui dos famosos “amálgamas”, manobra amplamente utilizada pelo stalinismo para combater e aniquilar seus opositores. Os trotskistas foram, sem dúvida, os alvos preferenciais, embora não exclusivos, desse recurso. “Amálgama”, em sentido figurado, é a fusão ou mistura de coisas ou pessoas diversas, heterogêneas, que não guardam equivalência entre si.
Trótski explicou bem a natureza dos amálgamas em política. Num texto intitulado “A burocracia stalinista e o assassinato de Kirov”, ele descreve como o stalinismo procedia:
“Em 17 de dezembro foi publicada uma notícia onde, pela primeira vez, se afirma que Nikolaev [o assassino de Kirov] fez parte do grupo de oposição de Leningrado dirigido por Zinoviev em 1926 (….) Em 1926 toda a organização partidária de Leningrado, com muito poucas exceções, pertencia a oposição de Zinoviev… Posteriormente todos eles capitularam, com seu dirigente na cabeça; mais adiante repetiram a capitulação de maneira mais decisiva e humilhante. ”
Em seguida afirma:
“Contudo, é evidente que essas informações referentes ao ‘grupo Zinoviev’ não foram lançadas acidentalmente; só podem significar que são a preparação de um ‘amalgama’ jurídico, isto é, uma tentativa conscientemente falsa de implicar no assassinato de Kirov a outros indivíduos e grupos que não têm nem podem ter nada em comum com o ato terrorista.”
O objetivo da burocracia stalinista, no caso do assassinato de Kirov em 1934, era implicar a nascente Oposição Unificada de 1926 no ato terrorista. Valendo-se desse recurso, o stalinismo mandou 15 membros do velho grupo de Zinoviev-Kamenev.
À semelhança do stalinismo, a esquerda pequeno-burguesa atualmente busca implicar Lula na promoção de uma medida que lhe é absolutamente estranha, o Marco Temporal.
A esquerda pequeno-burguesa, assim como aconteceu com o golpe de 2016, começa a se movimentar para atuar como ala esquerda das movimentações golpistas de hoje. O stalinismo no passado e essa esquerda no presente cumprem a mesma função: são correias de transmissão dos interesses imperialistas dentro do movimento operário e popular. Não é à toa que recorrem aos mesmo métodos.