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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Filmes

O surrealismo no cinema em Cronenberg e Buñuel

Em comum a esses cineastas, a encenação da perversão como característica indissociável do sistema econômico capitalista

Minha reflexão desta semana tem como ponto de partida dois filmes muito interessantes: O Discreto Charme da Burguesia (Le Charm Discret de la Bourgeoisie, 1972), dirigido por Luis Buñuel, e Crimes do Futuro (Crimes of the Futures, 1970), de David Cronenberg.

Os dois filmes têm em comum o surrealismo na abordagem de seus temas, que estão ligados à crítica da sociedade de classes e do capitalismo.

Ambos os filmes são exemplos de como artistas refletiram sobre a matéria histórica, naqueles anos que marcaram o início da década de 1970. Para lembrar, Pier Paolo Pasolini dirigiu Pocilga (Porcile) em 1969.

O que chama a atenção é a forma da representação. Os cineastas usam alternativas à narrativa hollywoodiana clássica, mais associada ao ponto de vista da burguesia sobre o que significa a representação do real no cinema.

Nesse contexto, a forma épica, trabalhada no teatro de vanguarda europeu no final do século XIX e, depois, teorizada por Bertold Brecht na República de Weimer, compõe um conjunto de técnicas de representação que visa romper com o ponto de vista burguês sobre o que é considerado realismo na arte.

Como também o surrealismo, inserido no contexto dos movimentos de vanguarda do início do século XX, que Luiz Buñuel abraçou desde Um Cão Andaluz (Um Chien Andalou, 1929), lançado no ano de uma das mais terríveis crises produzidas pelo capitalismo, que iria culminar na II Guerra Mundial.

O surrealismo é uma arte que vira o mundo do avesso para devolvê-lo como um espelho que visa quebrar com as nossas certezas sobre o mundo. Esta é a tarefa de O Discreto Charme da Burguesia e de Crimes do Futuro. 

Em seu filme, Buñuel usa Sade para compor o retrato de três casais que vivem na França. Um dos personagens é o embaixador de um país latino-americano chamado Miranda, que um amigo meu associou ao Brasil da ditadura militar pelo sobrenome de Carmen, a cantora.

Os outros personagens são cidadãos franceses. Eles têm apenas uma missão: jantar juntos, algo que sempre é interrompido por um fato inesperado. Sonhos se misturam às suas peripécias e desencontros.

Ladrões, torturadores, amigos de ditadores, traficantes de drogas, fúteis, alienados: esse é o discreto charme dos personagens de Buñuel. As cenas apresentam o didatismo da forma épica: em um dado momento, um bispo se oferece para ser o jardineiro de um dos casais. 

Trata-se de uma denúncia sobre a participação vassala da Igreja Católica como determinante para fazer florir os valores desses indivíduos e mantê-los no poder.

Em Cronenberg, temos um cineasta jovem que faz seu filme de média metragem no Canadá, em um prédio que tinha sido recém-inaugurado naquele momento. 

De acordo com uma referência que achei no IMDB, as filmagens aconteceram, em sua maior parte dentro do Ontário Science Centre em Toronto, aberto ao público em 26 de setembro de 1969, cujo design fez parte de uma mudança mais ampla na arquitetura canadense e norte-americana, como símbolos de um pensamento científico muitas vezes totalitário.

Há muitos textos sobre o pastiche na arquitetura e talvez a escolha do cenário tenha a ver com a percepção de que a pós-modernidade já estava ali. O filme brinca com elementos de um capitalismo distópico. Em uma sociedade futurista, um produto de maquiagem matou todas as mulheres em idade fértil, deixando somente as crianças e as meninas. 

Homens tentam encontrar uma cura nos laboratórios do centro científico. Na crítica de Cronemberg, o pensamento científico abstrato é objeto de escrutínio do diretor e faz sua aproximação com o surrealismo. Em sua carreira, veremos o médico como seu principal personagem.

Sangue e fluidos corporais se tornam desejo  dos personagens, principalmente o principal, Adrian Tripod (Ronald Mlodzik). Vestido com um casaco negro, ele lembra o Nosferatu (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens,1922), de F.W. Murnau.

Esses filmes mostram o quanto o surrealismo e a forma épica ainda eram e são válidos como formas de representação.  Hoje, eles são documentos sobre o momento histórico de sua produção, refletindo as crises pelas quais o capitalismo passava naqueles dias.

Em 2022, por exemplo, Cronemberg voltou ao tema de Crimes do Futuro, agora com uma abordagem que reflete em muito nosso atual momento histórico (leia aqui a minha crítica). O surrealismo ainda está presente em sua obra, como também o tema do vampiro.

Em comum a esses cineastas, a encenação da perversão como característica indissociável do sistema econômico capitalista.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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