O governo de 30 anos de Josef Stalin foi uma traição à Revolução de Outubro e serviu como propaganda anti-comunista. O que antes era visto como a libertação da humanidade passou a ser ligado com uma ditadura brutal. A burguesia se aproveita do stalinismo para atacar o marxismo, coloca Stalin como o fim inevitável de qualquer movimento que se inspira em Lenin, quando na verdade o stalinismo é o oposto do leninismo. É o caso do livro “Do partido único ao stalinismo” de Angela Mendes de Almeida resenhado no Brasil 247 por Lincoln Secco. É uma reprodução da campanha anticomunista criada pelo imperialismo.
O artigo começa denunciando os criminosos expurgos stalinistas: “Quando os processos de Moscou exibiram ao mundo grandes nomes da Revolução de Outubro de 1917 como criminosos, agentes da Gestapo e traidores da União Soviética, a intelectualidade progressista (os companheiros de viagem) e os próprios comunistas ficaram estarrecidos. Bolcheviques como Kamenev e Zinoviev, Bukharin e Tukatchevsky confessaram crimes e foram fuzilados.” Mas logo depois os relaciona com a política tomada durante a guerra civil russa: “No entanto, quando aqueles líderes estavam no poder, no auge de sua popularidade, eles também exerceram uma ditadura com elementos que anteciparam o stalinismo. Afinal, antes que eles mesmos fossem vitimados, anarquistas como Emma Goldman e socialistas internacionalistas como Angelica Balabanova, já haviam se desiludido há muito com a Revolução e abandonado a Rússia Soviética.”
Aqui existe o clássico problema da esquerda pequeno burguesa. Não existe uma análise de classe, mas a diferença entre ditadura e democracia. De acordo com Secco e Almeida toda a repressão é igual, não importa se é de um governo revolucionário contra agentes da contrarrevolução, ou de um governo contrarrevolucionário reprimindo os revolucionários. É uma análise que não leva em conta as classes sociais nem a situação concreta da luta política. Assim, ingressamos em coisas genéricas: “Stalin reprimiu, Lenin reprimiu, Trotski reprimiu, portanto Stalin é igual a Lenin e igual Trótski”, uma equivalência absurda. Durante uma revolução e principalmente durante um período de guerra sempre existirá repressão, afinal a guerra civil é um regime de exceção. Os primeiros anos de governo da URSS não podem ser comparados com a década de 1930 quando o país já vivia num regime relativamente estável há 10 anos. Ignorar essa diferença ou é ingenuidade, ou é má-fé.
O próprio autor tem dificuldade de manter a correlação: “Claro que nenhum daqueles líderes supracitados imaginava eliminar fisicamente o outro. O terror deveria ser dirigido para fora do partido. Também nenhum deles propôs seriamente um massacre na escala de Nikolai Iejov ou Lavrenty Beria, chefes posteriores da polícia política soviética. Pode-se até argumentar que a declaração de Zinoviev foi uma das suas conhecidas bravatas e que as demais ameaças eram um recurso retórico de intelectuais. Ainda assim, todos eles apoiaram um sistema repressivo que já existia antes do stalinismo e que levou ao fechamento da Assembleia Constituinte, à repressão de conselhistas, anarquistas, socialistas revolucionários e mencheviques.”
O governo soviético antes de Stalin não aderiu a nenhum sistema repressivo. A repressão aos demais setores da esquerda foi uma imposição da própria situação política, à medida que esses setores passaram a aderir à contrarrevolução. Não levar isso em conta é distorcer a realidade e ignorar inclusive um debate extenso sobre o problema. Seria preciso colocar-se diante desse debate, não fazer uma formulação genérica como se se descobrisse algo novo. Nos primeiros anos pós-revolução, o país estava sendo invadido por todas as nações imperialistas.
O artigo então tenta afirmar que há mais continuidades do que rupturas entre Lenin e Stalin: “A continuidade é estudada num processo contraditório de tradições revolucionárias conflitivas, como as de Rosa Luxemburgo e Lênin. Não há linearidade e sim um conjunto de condições objetivas como a Primeira Guerra Mundial e o que a autora chamou de ‘as grandes escolhas do comunismo’. Aqui existe um grande erro, Rosa Luxemburgo era uma revolucionária que tinha divergências pontuais com Lênin. Stalin foi a cabeça de um processo contrarrevolucionário, o líder da burocracia que conseguiu derrotar a ala revolucionária do partido, liderada por Leon Trótski. Como ele mesmo afirmou, o líder da reação termidoriana, que como na Revolução Francesa, derrotou a ala esquerda, mas não derrotou a própria revolução.
Na Alemanha, Rosa Luxemburgo era a ala esquerda do Partido Social Democrata e depois do Partido Comunista Alemão, essa ala foi muito enfraquecida com o seu assassinato e o de Karl Liebknecht. Com a ascensão do stalinismo o PCA ficou controlado por Stalin, bem como todos os PCs. Em todo o mundo a ala esquerda desse movimento surgiu liderada pela ala esquerda da URSS, os trotskistas. O stalinismo em toda a sua existência reprimiu essa ala revolucionária, bem como movimentos revolucionários confusos, como os que surgiram no fim da Segunda Guerra Mundial. Essa é a diferença crucial que é ignorada pelos autores. O caráter totalmente contrarrevolucionário de Stalin é ocultado para poder ser ligado abstratamente com Lênin. Um dado refuta isso, Stalin assassinou quase todo o comitê central da Revolução de Outubro, a prova final de sua política contrarrevolucionária.
A discussão toda é importante, pois é um exemplo de como a burguesia tenta controlar o impacto revolucionário da juventude. O marxismo e a Revolução Russa são tão grandiosos que não podem simplesmente ser atacados, é necessário todo um revisionismo para impedir que essas ideias, ao alcançar os movimentos populares, tenham uma influência revolucionária. Por isso tanta difamação contra Leon Trótski e tanto revisionismo com Lenin e com Marx. As universidades são onde se concentram essas teses e onde a um setor de tendências revolucionárias da juventude é desviado da verdadeira teoria revolucionária. O marxismo é uma ideologia tão poderosa que necessita de todo um aparato burocrático para impedir que se torne uma força material, ao se apoderar das massas.