O portal Esquerda Diário, do grupo político Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), que até ontem labutava arduamente para ser aceito como uma corrente interna do PSOL, também aderiu, como a quase totalidade da esquerda, à palavra de ordem “sem anistia”, levantada após a invasão bolsonarista em Brasília, no último dia oito de janeiro.
A particularidade da posição do MRT consiste na tentativa de se diferenciar do restante das organizações da esquerda e, ao mesmo tempo, manter a mesma palavra de ordem que essas organizações levantam. O MRT considera que é necessário se adaptar à reivindicação punitiva ― “sem anistia” ―, mas tenta,simultaneamente, fugir das suas implicações práticas.
Em matéria intitulada “Sem anistia para a cúpula golpista civil e militar, nenhuma confiança nas instituições deste regime”, publicada neste domingo (15), o agrupamento pequeno-burguês afirma:
“Lutar pela não anistia dos responsáveis pelo golpismo bolsonarista e contra todo o legado da extrema direita exige responsabilizar não somente Bolsonaro e bolsonaristas envolvidos nas últimas ações. Exige romper o atual pacto do regime pela impunidade das cúpulas militares e policiais que abriram caminho a Bolsonaro desde o golpe institucional de 2016, bem como responsabilizar os atores civis e empresariais, que têm financiado e apoiado o golpismo bolsonarista em nome de seus interesses.”
Assim como o restante da esquerda, o MRT também coloca como objetivo político imediato a punição dos bolsonaristas, dos militares direitistas e dos empresários que apoiaram e sustentaram a ação em Brasília. Ele abre um “porém”, no entanto. Assevera que não se pode depositar “Nenhuma confiança na justiça e nas instituições desse regime” e que “somente a mobilização independente da classe trabalhadora, junto às mulheres, negros, indígenas e LGBTs, pode garantir nenhuma anistia aos responsáveis pela catástrofe da extrema direita no país.” Nesse sentido, defende:
“que se coloque de pé uma investigação independente dos responsáveis pelas ações da extrema direita no país, que conte com sindicatos, movimentos sociais e organismos de direitos humanos comandando as investigações, com o Estado dando condições e recursos para que essa comissão trabalhe e acesse aos (sic) arquivos de investigação.”
O MRT tenta fugir das conclusões práticas da esquerda punitivista e identitária, mas não consegue. Tenta cobrir com uma fraseologia revolucionária a sua posição direitista, mas não consegue. Quando se alcança as conclusões práticas da sua posição, vemos claramente que estamos diante de mais um agrupamento pequeno burguês centrista, que tenta mascarar por todas as formas a sua posição reacionária com um verniz revolucionário.
O MRT quer a punição, a responsabilização penal, a cadeia para os bolsonaristas, empresários e militares de extrema direita. Quer que o sistema repressivo entre em ação. Todavia, sabendo das dificuldades de defender esse repressivo do ponto de vista dos trabalhadores, reconhecendo que as medidas repressivas podem se voltar contra os trabalhadores, o MRT faz uma manobra e tira da manga, num passe de mágica, uma instituição nova e fantástica: “uma investigação independente”, comandado pelos sindicatos, movimentos sociais e organismos de direitos humanos. Detalhe importante: tudo isso “com o Estado dando condições e recursos para que essa comissão trabalhe”.
Sejamos sinceros. O que significa dizer que o Estado deve dar condições e recursos para que uma comissão trabalhe? Significa pura e simplesmente que essa comissão terá o beneplácito do Estado, estará sob o guarda-chuva do Estado, será uma comissão garantida pelo Estado, dependente financeira e organizativamente do Estado. Ela será tudo, menos independente.
Em segundo lugar, mesmo se assim não fosse, o que significa uma “comissão independente”? Ela investigará, julgará e, eventualmente, condenará a extrema direita. Mas e aí? Essa comissão, por acaso, possui presídios próprios, particulares, ou terá que usar os do Estado? Possui, por acaso, mecanismo de coerção para obrigar os envolvidos a comparecer e prestar as informações necessárias para a investigação, ou terá que recorrer aos do Estado? Não é preciso muito esforço para perceber que essa tal comissão independente ou será uma entidade fantasmagórica ou será uma órgão auxiliar do Estado. E entre um fantasma e o Estado burguês, este sim uma entidade real, quem leva a melhor?
Ao fim e ao cabo, tirando toda a maquiagem pseudo-revolucionária do MRT, o que resta é o mesmo e envelhecido rosto da esquerda que acha que tem a chave da cadeia na mão.