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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Economia

O retorno dos ganhos reais nas negociações, em 2023

A maioria das negociações coletivas no Brasil é realizada para discutir a reprodução alimentar mínima do trabalhador e sua família

As negociações coletivas, ocorridas entre 2018 e 2022, não obtiveram ganhos reais de salários, ou esses ficaram muito próximos de zero (conforme registro no Sistema Mediador, do Ministério do Trabalho e Emprego). O ganho real é importante, porque representa para os sindicatos, uma síntese da qualidade da negociação coletiva. Como um princípio geral, é muito importante, para o sucesso da negociação, que ela implique em ganho real de salários. O ano de 2023, nesse sentido, representa uma mudança de tendência, em relação ao período 2018 a 2022. Pesquisa específica do setor industrial, por exemplo, que o Escritório Regional do Dieese vem desenvolvendo, mostra que até o mês de outubro/23, o ganho real apresentou sensível melhora, passando de 1%.

É pouco? Certamente. Mas os resultados rompem com o que vinha ocorrendo nos últimos anos nas negociações em geral, mantendo, claro, as especificidades dos setores e subsetores da economia. Em princípio, percentuais mais baixos de inflação (neste momento em torno de 5%) facilitam ganhos reais, apesar da resistência patronal em aceitá-los. Nas mesas de negociação, por experiência, sabe-se que, com índices inflacionários mais elevados, é mais difícil o caminho para o ganho real. Dentre outras razões, em decorrência da chamada ilusão inflacionária que acomete os trabalhadores: quando a inflação é mais alta, mesmo perdendo em termos reais, o trabalhador fica mais satisfeito porque o índice de reposição é superior.

A justeza do pedido de ganho real não requer capacidade de raciocínio muito rebuscada: não é o fato de que os preços variaram relativamente pouco, que o trabalhador não precise melhorar o seu salário real, que no Brasil é muito baixo.  Apesar da inflação no varejo estar um pouco acima de 5%, os salários, em geral, se encontram no limite da sobrevivência. A última pesquisa, de outubro de 2023, dá conta que uma cesta básica, suficiente para suprir as necessidades alimentares de uma pessoa adulta, composta de treze produtos alimentares, custou em média R$ 738,77, em Florianópolis, a segunda mais cara do país, no mês referido, entre as capitais pesquisadas pelo Departamento. O Dieese calcula também o salário mínimo necessário para uma família composta por quatro pessoas, suprir suas necessidades básicas, que em outubro ficou em R$ 6.210,11 ou 4,60 vezes o mínimo de R$1.320,00.

O peso da alimentação nos salários, é uma indicação importante de que, efetivamente, os salários são muito baixos no Brasil. O rendimento médio real mensal habitual no primeiro semestre deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostrar de Domicílio -PNAD, do IBGE, foi estimado em R$ 2.921, um valor inferior à metade do salário mínimo necessário, referido acima. O valor estimado pela PNAD é médio, ou seja, muitos trabalhadores recebem menos do que esse valor, como acontece, por exemplo, com boa parte dos 39,2% dos trabalhadores que laboram na informalidade.  Esse fato, em si, é razão mais do que suficiente para que os sindicatos de trabalhadores busquem permanentemente o aumento real nos salários.

A luta por ganhos reais, deve, ao mesmo tempo, não ter ilusões. Ocorre com frequência que, após uma custosa negociação que proporciona 1% de ganho real aos salários (como vimos, em alguns anos, muitas categorias sofrem perdas salariais), as empresas, ao longo dos meses subsequentes à negociação, ajustam seus custos com mão de obra. Isto é feito através da redução do quadro de pessoal e via rebaixamento salarial por meio da enorme rotatividade que caracteriza o mercado de trabalho no país. As empresas demitem os trabalhadores que ganham um pouco mais e contratam trabalhadores com o piso, ou até, se o acordo permitir, com salários abaixo do piso nos 90 dias de experiência. Ou seja, todo o esforço de ganho real feito na campanha salarial, vai para o ralo.

Como já constatou o Dieese em inúmeras pesquisas, em períodos de crises econômicas (cada vez mais frequentes), aumenta a diferença entre a média dos salários de demissão e de contratação. O hiato entre nível de salários de admissão e salários de demissão torna-se mais elevado, ou seja, as empresas contratam trabalhadores, para fazer as mesmas tarefas, com salários mais baixos do que auferiam os trabalhadores demitidos. É um método cruel, sobre o qual, diferentemente do processo negocial, os sindicatos não exercem nenhuma influência. As empresas, mesmo as mais “modernas”, não aceitam interferência dos trabalhadores sobre a gestão. Como a rotatividade no Brasil é enorme, aquele 1% cedido na negociação a título de ganho real, é compensado largamente por essa estratégia de achatamento de salários reais.

É bastante comum no Brasil, empresas gigantescas, de âmbito multinacional, com receita anual em torno de R$ 50 ou R$ 60 bilhões, praticarem salários médios de admissão de R$ 1.500 ou R$ 1.700, muito próximos dos pisos salariais estaduais, que são mínimos também, apesar de terem sido obtidos com muita luta sindical. Nessas grandes empresas, comumente o peso de pessoal no custo total é extremamente baixo: 10% ou 15% do valor líquido obtido com a receita líquida de vendas.

Isto significa que o impacto de uma negociação de ganho real, nas despesas com pessoal, para cima ou para baixo, geralmente é muito reduzido, porque só incide sobre 10% do custo (correspondente ao custo de pessoal mais encargos sociais). Em países subdesenvolvidos, como o Brasil, aspectos como taxas de juros e câmbio, regra geral, têm impacto muito mais significativo sobre o custo das empresas, do que os salários e encargos sociais. Especialmente para as grandes empresas.

Em síntese, a maioria das negociações coletivas no Brasil é realizada para discutir a reprodução alimentar mínima do trabalhador e sua família. Se realiza uma campanha salarial com muitas dificuldades para, no final, se obter o direito de renovar a condição de o trabalhador comprar comida todo mês para ele e sua família, ao longo dos próximos meses. Os padrões salariais no Brasil, para a maioria, não permitem nada além disso. Daí a importância, para os trabalhadores, de avançar na sindicalização e tornar as entidades sindicais cada vez mais representativas. A história do mundo revela que, sem sindicatos e organização dos trabalhadores, o caminho para a barbárie nas relações entre capital e trabalho seria muito curto.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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