Apesar de nunca ter deixado de ser um país oprimido pelos interesses estrangeiros, o Brasil é sem qualquer sombra de dúvidas um país importante em nível internacional. Com todas as dificuldades encontradas, se constituiu num país gigantesco, conseguiu importantes impulsos econômicos, uma industrialização avançada em comparação aos demais países atrasados e isso impactou positivamente nosso desenvolvimento cultural, incluindo o futebol.
O antropólogo Gilberto Freyre, cuja principal obra é Casa Grande & Senzala, também escreveu sobre o futebol. Num artigo intitulado “Foot-ball mulato”, publicado durante a Copa do Mundo de 1938, Freyre registrou um dos momentos importantes do desenvolvimento do “futebol arte”. Nessa Copa, vale lembrar, Leônidas da Silva foi eleito o melhor jogador, mesmo com o terceiro lugar da Seleção. Leônidas, que futuramente ganharia o apelido de “Diamante Negro”, foi responsável por popularizar chute de bicicleta, evolução tanto nos recursos do jogo quanto na sua beleza.
Em 1977, escreveu “A propósito de Pelé”, onde compara o Rei a outros artistas de enorme envergadura como os escritores Machado de Assis e Euclides da Cunha, o compositor Heitor Villa-Lobos e o arquiteto Oscar Niemeyer. Assim como eles, Pelé absorveu todo um desenvolvimento anterior e o levou mais além. O Brasil já despontava como favorito na Copas desde a década de 1930, porém o surgimento de Pelé elevou o futebol brasileiro a um patamar de superioridade do qual não havia retorno, como antecipado por Nelson Rodrigues meses antes da Copa de 1958.
Villa-Lobos absorveu a música erudita europeia e ao mesmo tempo a música popular brasileira, se apaixonando pelo “choro” ou “chorinho”, muito popular no Rio de Janeiro. Passou a viajar para o interior do Brasil e conseguiu unir essas diferentes referências no seu próprio universo musical. Niemeyer, por sua vez, absorveu a arquitetura europeia moderna, com destaque para o arquiteto Le Corbusier, e desenvolveu sua própria arte arquitetônica. Além de ter participado da equipe que projetou a sede da ONU em Nova Iorque, temos diversas obras primas da arquitetura pelo Brasil que foram projetadas pelo gênio.
De maneira similar, o futebol original foi absorvido pelos brasileiros, que incorporaram diferentes elementos ao esporte que primava pela força e pela organização. A ginga, o drible e a malandragem imprimiram novo ritmo ao jogo, novas possibilidades, uma transformação fundamental para que o futebol se tornasse tão popular ao longo do século XX. Ainda hoje, quando acumulamos décadas de propaganda contra o nosso futebol, são os jogadores brasileiros os que mais encantam e a nossa Seleção sempre chega nas Copas como favorita. O que nos torna especiais nesse esporte é justamente o jeito brasileiro de jogá-lo, onde o improviso desmonta a mais sólida fortaleza tática.
Pelé deu um impulso gigantesco nesse desenvolvimento. Jogou numa época de grandes craques do futebol, como Garrincha, Didi, Gérson, Di Stéfano, Puskás e Beckenbauer, entre muitos outros. Se impôs como uma unanimidade. Caçado em campo com a conivência dos árbitros, enfrentou a violência e ainda assim conseguiu dançar nos gramados, voar acima dos zagueiros adversários, enxergar o que nenhum outro jogador conseguia perceber e raciocinar em frações de segundos, surpreendendo os melhores do seu tempo e inclusive as próximas gerações. A marca de um gênio brasileiro, que figura entre os grandes artistas da nossa cultura ao lado de outras figuras geniais.
