Na última terça-feira, dia 19 de setembro, publicamos uma polêmica intitulada O que é o identitarismo – parte 1. O texto debateu os argumentos apresentados pela coluna publicada no sítio Brasil 247 e escrita por Jeferson Miola: Identitário não é quem defende pessoa negra no STF, mas quem naturaliza o status quo excludente. Pela extensão, dividimos o artigo e, agora, retornamos às colocações da matéria indicada.
A peça anterior apresentou a defesa de Jeferson Miola de mestres negros e mulheres para os explorados como uma forma de libertação, especialmente para estes setores. Terminamos o texto com a acusação sobre os homens brancos. Voltemos à coluna com o último trecho que citamos na primeira parte:
“Portanto, é desonesto e ignorante taxar de identitário quem defende a representação universal e igualitária das maiorias –mulheres e pessoas negras– em relação às oligarquias dominantes brancas e masculinas que, apesar de minoritárias, exercem ferreamente o poder.
“Identitário, no caso brasileiro, é quem pertence à minoria branca [44%] e masculina [47%] mas, mesmo assim, ao longo de mais de 500 anos continua impondo a supremacia da sua identidade enquanto poder dominante sobre as reais maiorias sociais.”
A dominação “racial e masculina”
O autor acusa os brancos e os homens de imporem a supremacia não de classe, mas de identidade. Por óbvio, não se pode afirmar isso sobre a dominação de classe, visto que quem apita o cenário político não são os homens brancos, mas os burgueses, os banqueiros.
Apesar do argumento comum, a maioria esmagadora dos ditos “homens, brancos, héteros” do mal não tem qualquer influência sobre o regime político, sobre o funcionamento de qualquer das instituições, sobre a formulação das leis, nada. São simplesmente jogados de um lado para o outro pelo regime burguês tal qual os demais, com alguns privilégios definidos pela própria burguesia para melhor dividir a classe trabalhadora, e assim fortalecer sua dominação sobre os explorados.
Mulheres e negros, maioria do povo brasileiro?
“O Brasil é um país feminino e negro. É o território do planeta que abriga a maior população afrodescendente existente fora do continente africano.
“Essa é a verdadeira identidade do Brasil, e o traço constitutivo do povo brasileiro. A condição negra e feminina é o critério que confere universalidade à nação brasileira, não o supremacismo excludente e segregacionista” (grifo nosso).
A nação brasileira, constituída pela mistura cultural e racial, e hoje caracterizada por um fator que une mais de 90% da população, a dificuldade na vida cotidiana, fruto do atraso imposto ao País pelo imperialismo, tem por fator universal esta questão. Questão que desemboca na luta pelo aumento do salário mínimo, pelo salário mínimo vital. Que se desenvolve na luta pelo petróleo 100% estatal, na luta pela defesa da Petrobrás. Uma luta pelo desenvolvimento econômico, industrial, tecnológico do Brasil e, portanto, das condições de vida de todo o povo brasileiro. Segue o autor em seu argumento, demonstrando o projeto imperialista que representa:
“É impossível pensar um Brasil antirracista, feminista, decolonial e moderno sem se avançar urgentemente na expansão acelerada de mulheres e pessoas negras ocupando postos de comando dos destinos do país” (grifos nossos).
Nos atenhamos aos trechos grifados. O Brasil deveria não ser simplesmente um país igualitário, socialista, mas antirracista, feminista. Por que essa diferença? A resposta está no trecho grifado seguinte: o identitarismo busca cargos. É uma ideologia burguesa que se replica na pequena-burguesia, que busca a ascensão, e não a transformação social. Pois quem pode aspirar a esses postos de comando é a camada mais alta da população negra e das mulheres, não a maioria esmagada, a quem tais medidas não beneficiam. E é impossível pensar num Brasil em que os trabalhadores exerçam o poder sem se questionar diretamente as instituições burguesas, que mantêm uma verdadeira ditadura de classe.
Atraso e representatividade
“A defesa, portanto, de que a ministra Rosa Weber seja sucedida por uma mulher, a primeira negra no STF, significa pedir para que o presidente Lula não ceda ao atraso e ao retrocesso. A essas alturas, manter as duas ministras dentre 11 ministros do STF é o mínimo aceitável” (grifos nossos).
Os absurdos e o total desprezo pela população pobre se acumulam. A primeira mulher negra no STF seria o combate ao atraso para o autor. O mínimo aceitável seria manter duas mulheres na corte. Uma piada. O STF foi uma das instituições responsáveis pelo golpe de 2016, que levou o País, agora sim, a um atraso e retrocesso muito maior. Que jogou toda a população pobre, mas especialmente as mulheres e negros, numa crise econômica depositada sobre suas costas pelo capital financeiro. A manutenção dessa instituição responsável hoje por retalhar a Constituição, o direito à presunção de inocência, à ampla defesa, à liberdade de expressão — porém com uma cara nova — seria o progresso.
“E convenhamos: é difícil crer que dentre as mais de 56 milhões de mulheres negras do Brasil não exista uma única com mais de 35 anos de idade, com notório saber jurídico, com conduta ilibada e uma cosmovisão progressista. Francamente!”
Convenhamos, companheiros. É difícil crer que uma mulher ou quem quer que seja a mais ou a menos no STF irá de fato resistir à pressão da burguesia e se manter minimamente alinhado aos trabalhadores. A corte que tem o poder de atuar anticonstitucionalmente deve ser dissolvida. Os poderes golpistas da corte, no momento, e no que tange a indicação do novo ministro, devem ser combatidos com um único critério: a confiança de Lula. O notório saber jurídico, a conduta ilibada e a cosmovisão progressista não impediram os ministros do STF de se colocarem como golpistas e cassarem os direitos democráticos, contra a Constituição Federal. Tais critérios, assim como gênero e cor de pele, não passam de perfumaria.