Na última semana, a imprensa noticiou denúncias de médicos aplicando pequenos golpes em seu expediente, cumprindo por vezes uma carga horária correspondente a ⅓ do que deveria ser cumprida. É possível que a burguesia tenha dado repercussão às denúncias para justificar o aumento da repressão nos locais de trabalho e reduzir ainda mais os repasses à saúde. No entanto, os casos não deixam de revelar o comportamento típico de uma burocracia privilegiada dos médicos.
Conforme a notícia e os relatos tanto de pessoas comuns, quanto de ex-funcionários dos hospitais contatados, os médicos chegaram a admitir as fraudes sistematizadas para trabalharem menos do que o tempo devido, chegando a deixar uma garrafa cheia em cima do teclado, impedindo, assim, o sistema de monitoramento desligar, ou apresentando atestados falsos. Os enfermeiros e ex-funcionários entrevistados fizeram com que os médicos fossem obrigados a assumir seus erros, jogando para a direção do hospital a culpa por não tomar providências, deixando claro que a direção e toda a supervisão estava ciente dos esquemas.
O fato é que esse tipo de comportamento é bastante comum porque estamos diante de uma burocracia profundamente corporativista, que se aproveita do pequeno número de pessoas para fazer o que bem quer – como, por exemplo, trabalhar menos, deixando a população à mercê da boa vontade dos profissionais de saúde. Os mesmos médicos, quando o governo Lula anunciou o programa Mais Médicos, questionava a vinda de médicos cubanos, afirmando que não seria necessário para o país que médicos de outros países viessem para cá. Em contrapartida, o que se via na prática era, uma vez mais, a negligência de suas obrigações por um alto número de profissionais que, na teoria, deveriam ser humanizados, mas muitas vezes não passam de carniceiros atrás apenas e unicamente de uma alta remuneração.
Merece destaque ainda que a burocracia formada em torno dos médicos faz um lobby poderoso contrário à criação de novos cursos de medicina, justamente para que a categoria permaneça pequena e, assim, bastante privilegiada. É esse corporativismo que cria uma sensação de que os médicos podem agir livremente.
É válido destacar que a posição não deve ser de cobrar punições e fiscalizações sem critério para os trabalhadores, seja da área da medicina ou de qualquer outra, mas sim denunciar a burocracia que protege a casta de médicos e exigir que o serviço público, como já é em partes do Brasil, atue com a excelência que deve atuar. O Ministério da Saúde, no entanto, ameaçou cortar a verba para o SAMU caso essas suspeitas sejam confirmadas, sendo muito provavelmente este o motivo que fez a secretária do estado se pronunciar, conforme noticiado no início desta reportagem.
Os médicos entrevistados, apesar de assumirem ter conhecimento ou praticar tais atos, sentiam-se isentos de culpa, sendo sempre a culpa do setor superior – que, obviamente, também estava errado, mas a certeza da soberania de sua casta de médicos estava presente nos que responderam à reportagem. Enquanto a população morre nos corredores por falta de hospitais e médicos, os médicos conseguem dar todo o tipo de golpe no trabalho por serem protegidos por uma verdadeira máfia.