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Carta do leitor

O identitarismo e a inquisição do século XXI

Igreja do imperialismo conta com fiéis

* Felipe Gonçalves – Para exercer controle sobre os seus fiéis e os considerados hereges, as Igrejas tradicionais cristãs estabeleceram, como uma máxima, que todos os indivíduos seriam pecadores. Desta forma, estando em uma dívida permanente com Deus, deveríamos pautar as nossas vidas na busca permanente pelo perdão divino e no pagamento de penitências por nossos erros, já que seríamos, sobretudo, seres falhos e que vieram ao mundo fruto de um único pecado original. Neste caso, pecar seria, por definição, a essência humana e o que nos distanciaria de Jesus Cristo.

O imperialismo, porém, diferente do que fazia a Igreja, arranjou uma forma mais convincente para os padrões atuais de implementar uma permanente dívida aos indivíduos de forma generalizada: o identitarismo. Sem precisar apelar à metafísica, somos, assim como os seres humanos para a Igreja Medieval, pecadores por definição, cujos pecados da vez são o machismo, a homofobia, a transfobia, o racismo, a xenofobia, a gordofobia e por aí vai. Pela lógica identitária, partimos do ponto de que desde pequenos somos racistas e homofóbicos, pois seria algo intrínseco à sociedade que vivemos e deveríamos, sempre reconhecendo nossos pecados, viver uma vida de “desconstrução”. É a lógica de adicionar a palavra “estrutural” nos diferentes “-ismos” que nos definiriam.

Deve ser destacado, no entanto, que não está sendo defendido que o racismo não exista. Se tem algo que o imperialismo cria e impulsiona, sempre que necessário para controlar os países atrasados, são as políticas fascistas, pensamentos racistas e daí em diante. O século passado é, por completo, um exemplo do que foi supracitado. O identitarismo surge, por sua vez, direto dos escritórios de Washington como um dogma para ser seguido; os fiéis da vez devem garantir que a sua palavra chegue a todos pelos mecanismos que se fizerem necessários, enquanto os infiéis (sejam trabalhadores, operários ou donos de terras – menos os amigos!) devem se curvar e, caso se oponham, serem julgados pela mão firme da justiça – que, sobretudo na democracia liberal, não é cega, mas é racista, classista e fascista.

Uma questão que pode ser observada nas ruas nesse último ano, ao longo da campanha de denúncia das arbitrariedades do judiciário e por Lula Presidente, é que uma das opiniões mais populares da classe trabalhadora, seja em porta de metrô ou estação de ônibus, se dá na correta crença de que a justiça persegue os operários e mais pobres. No ditado popular, diz-se há tempos que só se prende no Brasil os “3 pês”: preto, pobre e prostitututa, todos sendo grupos subjugados e explorados pelo capitalismo.

Quando falamos das universidades, também, a realidade encontrada não é diferente, apesar de possuir peculiaridades. Mesmo com seus discursos inclusivos, o meio acadêmico não se apresenta como menos inquisidor; pelo contrário. Nos solos universitários há uma espécie clerical, condizente com o Alto Clero da Idade Média, mas que não segue necessariamente os dogmas cristãos, sendo este um clero autodeclarado e não indicado por uma divindade. A maior diferença deste grupo para os demais agentes identitários ocorre na percepção do mundo à sua volta, pois a crença compartilhada nas Universidades é que ali, onde segundo sua lógica seria um local sem discriminação, se dão as ideias boas, por pessoas boas, onde os estudantes e docentes não toleram preconceitos ou injustiças. Algo ótimo, por sinal, tirando o fato de ser uma falácia desde a primeira palavra dessa linha de raciocínio. 

É fácil acreditar que há igualdade em um ambiente frequentado por filhos de pessoas que tiveram condições de estudar em escolas particulares, fazer cursinhos para passar no curso desejado, virem de uma estrutura familiar que, sendo opressiva ou não, os garantia uma alimentação balanceada e tempo para lazer, pois de fato há. A igualdade presente entre os que estão ali é clara, assim como é claro o caráter de classe que circunda tal espaço. E é comum identificar uma massiva campanha sobre o fator “inclusivo” presente nas Universidades quando se discute a cota, por exemplo, com o bordão de que agora filho de empregada doméstica poderia estudar – o que de fato seria ótimo. O problema é acreditar que todos os filhos de empregada estão entrando nas Universidades Federais, sendo que há um limite escandaloso de vagas onde o mesmo filho dessa empregada irá competir com o filho de um dono de fábrica.

Não se discute que a cota é boa, mas não é a solução, já que o vestibular é a verdadeira portaria que impede a juventude operária de ter acesso à educação. Essa questão deveria ser a questão central de qualquer movimento que ouse falar em nome do trabalhador, da juventude ou da inclusão: o fim dos vestibulares e o livre acesso às Universidades. E quando a fala é sobre não haver dinheiro – uma resposta bem comum e difundida pela imprensa -, os números não comprovam essa falácia econômica. O identitarismo agiria, nesse caso estudantil, de forma a fragmentar a luta de classes pelos estudantes, docentes e funcionários em pequenas reivindicações que não tenham necessariamente esse teor.

No começo da pandemia, o governo entregou um trilhão de reais aos banqueiros. Por que a educação não pode ser alvo dessa verba? A falta não é de dinheiro, mas de vontade. Há uma vaga em medicina, na USP, para 129 concorrentes, mas procede o argumento de que faltam médicos no interior do país porque não há capacidade de formar pessoas o suficiente. Enquanto a luta não for unificada pela expansão dos campus, pelo aumento de vagas e por um investimento desenfreado na pasta da educação, a luta por pequenas reivindicações individuais, que não prezam pelo coletivo ou por um movimento que mobilize, confundirá diversas pessoas que não entraram em uma faculdade porque foram barradas pelos portões higienistas dos vestibulares.

A seleção em Universidades públicas segue sendo baseada em renda, não seguindo nem sequer a farsa neoliberal chamada “meritocracia”. Segundo o IBGE, 47 milhões de pessoas possuem de 15 a 29 anos e, segundo O Globo, o custo de um estudante para o Estado seria em torno dos 3 mil reais. Partindo do ponto que três milhões e meio de pessoas se inscreveram no ENEM, o gasto seria de 10 bilhões, mas mesmo que todos na idade determinada, sem sequer uma única exceção, entrassem agora em uma Universidade pública e o gasto de acordo com a imprensa fosse verdadeiro, o custo aos cofres públicos seria de 141 bilhões de reais. Sete vezes menos do que a tacada única que o Ministério da Economia deu para os banqueiros no começo da pandemia. Mesmo nesse último caso, radical e irreal, a impossibilidade é uma questão de prioridade. Assim como é prioridade, em todos os meios de imprensa e de poder dentro de um âmbito acadêmico, o impedimento da defesa dessas reivindicações de toda a classe trabalhadora. É questão de prioridade preservar o atual sistema educacional, já bastando a inclusão de poucas figuras minoritárias nesses ambientes para divulgar a crença de que o local ficou democrático.

Não se discute nada referente à classe trabalhadora, pois o identitarismo tomou posse dos debates presentes na academia, onde as discussões por um banheiro neutro ganham mais espaço do que a discussão pela democratização completa do ensino.

A confusão intencional provocada pelo imperialismo age desta forma: camuflando as questões primordiais, ocultando a luta de classes, para fazer com que questões mais específicas e desimportantes tomem seu espaço de luta. Vende-se, junto à crença de que “somos todos iguais” e outras palavras de ordem bonitas, uma política de opressão ao que se opõe à política implantada pelo Partido Democrático norte-americano – o berço do identitarismo.

“Paz entre nós e guerra aos senhores”, diz A Internacional. Pratiquemos a paz entre nós, irmãos trabalhadores, pois o inimigo não é o operário que, pelo motivo que for, teve dificuldade de aceitar a sexualidade de seu filho. Essa não é a questão fundamental do mundo capitalista em que vivemos. Milhões estão passando fome, enquanto outros milhões estão sem teto em um mundo que mais alguns bilhões são explorados até a última gota de suor e sangue ser derramada por seu corpo.

O inimigo não é a trabalhadora, que saiu de casa às seis da manhã e retornou às onze da noite, precisando deixar comida ainda para seus filhos, porque decidiu votar em Bolsonaro. O inimigo é comum, pois o dono dos tentáculos que te espremem e o fazem sangrar é o mesmo que explora a dor do operário com um filho homossexual e da trabalhadora que passa o dia fora de casa e vota em Bolsonaro. O capitalismo buscou, ao longo do último século, explorar cada pequena diferença cultural ou ponto de sofrimento de minorias para promover a divisão de países atrasados – pois a dominação econômica dos capitalistas que lucram através de seu monopólio necessita da dominação política.

Os dois exemplos não são parte do problema, mas sintoma de que enxergá-los como tal significa dar mais força à Igreja chamada imperialismo, que impede que povos atrasados se desenvolvam e garante – pelo meio que for – a escravização dos trabalhadores, aqueles que verdadeiramente produzem, sem se importar com a sua cor, credo, religião, forma física ou opinião política. Enquanto se discute a causa de diferentes grupos com apoio dos escritórios das empresas que controlam a imprensa, esconde-se, embaixo do tapete, que devem todos se unir aos trabalhadores. São todos explorados que só terão sua libertação através da mobilização revolucionária e de massas.

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