Nesta sexta-feira (16), Merval Pereira, colunista do jornal O Globo, publicou uma artigo intitulado “Alto Comando não aderiu a qualquer tentativa de golpe”, em que argumenta que, para além de alguns pequenos “constrangimentos”, o Alto Comando brasileiro de golpista não tem nada. Ou seja, o colunista do Globo, tal qual se esperaria de uma figura importante deste jornaleco que só adquiriu o alcance que tem hoje devido à sua intensa colaboração com a ditadura militar, defende os militares golpistas. Merval parte do fato de que não houve tentativa de golpe em 8 de janeiro, e isto é verdade, apesar da, como coloca o colunista, “baderna” para argumentar que as Forças Armadas, e particularmente seu Alto Comando, sejam “democráticas”.
Apesar da posição desorientada da esquerda pequeno-burguesa acerca do acontecimento, não houve, de fato, tentativa de golpe no fatídico dia. No entanto, isto não quer dizer que os militares são sejam golpistas, pois organizaram e protegeram os tais acampamentos que levaram à primeira grande crise do governo Lula. Tratava-se de uma demonstração de força do setor militar, que conspira contra Lula desde antes de sua vitória eleitoral. Merval por outro lado coloca a questão como mero “erro de compreensão da realidade”:
Houve só baderna, que eles esperavam que se transformasse numa justificativa para estado de sítio. O Alto Comando em nenhum momento aderiu. Cometeram erros, como deixar os acampamentos em frente ao quartel do Exército em Brasília – e em outros estados. Alegam que estavam em via pública, e não podiam tirar os acampados de lá. Tecnicamente pode ser isso, mas na prática, o entendimento da população era que estavam sendo apoiados pelo Exército. Foi um erro de compreensão da realidade.
É importante lembrar que nem se podia manifestar na frente dos quartéis antes destes tais acampamentos. O PCO que faz anualmente manifestações contra o golpe de 1964 há quase dez anos, por exemplo, só realizou o ato na frente dos quartéis neste ano. Seria possível acreditar que o apoio do Exército aos acampamentos é mero “erro de compreensão da realidade”? É evidente que não. Além do mais, familiares de altos oficiais do Exército estavam lá, o teriam feito sem o apoio? Novamente, é evidente que não.
Quando a ideia de não terem usado da invasão dos prédios dos três poderes para terem declarado estado de sítio por não terem aderido em momento, é absurdo. Lembramos que poucos meses antes Lula havia retornado à Presidência nas mais combativas eleições do período depois da “redemocratização”, com a maior votação da história no País. E foi eleito apesar de tudo, apesar da gigantesca mobilização patronal, da sabotagem por parte do aparelho repressivo do Estado, etc.
Lula chegou à Presidência devido à mobilização popular no segundo turno. Simplesmente, não havia clima político para derrubá-lo em sua segunda semana no governo; é impossível dizer com certeza o que teria acontecido, no entanto, é fácil dizer que a situação poderia sair de controle.
A imprensa pró-imperialista criou uma história da carochinha muito esquisita: de que Bolsonaro seria golpista, mas que o mesmo não seria o caso dos generais. E mais, havia todo uma campanha de terror de que o ex-Presidente poderia dar um golpe a qualquer instante. Sobre isso, Merval diz o seguinte:
Houve um posicionamento constrangedor de alguns militares, e outras autoridades preferiram não se declarar contra Bolsonaro abertamente , porque abriria uma crise institucional , e aí sim, haveria necessidade de tirar o presidente se algum general de quatro estrelas assumisse que estava havendo uma tentativa de golpe.
Ou seja, para o colunista do Globo, e isso é importante pontuar, se houvesse o perigo de golpe, o presidente teria de ser deposto pelo Alto Comando do exército. Assume ele que, não somente é possível dar um golpe de Estado sem o Alto Comando do Exército, mas que este seria o guardião da “democracia”.
No entanto, se a história brasileira recente, e a nem tão recente assim, merece ser rememorada, simplesmente não existe golpe de Estado sem o envolvimento do Alto Comando do Exército. A questão da ditadura militar é importante, porque uma de suas heranças foi um aprofundamento do aspecto mais reacionário do exército, a sua “despolitização”, o que quer dizer que se trata de uma corporação que segue cegamente as ordens de seu comando. E, este sempre terá um política.
Não podemos nos confundir com a propaganda da imprensa pró-imperialista, não existe um general democrático sequer. Pinochet era o homem “democrático” do Exército no tempo de Allende e sabemos como esta história acaba, é preciso se lembrar dos erros passados para formular a política correta para o futuro.
É preciso que se entenda o papel nefasto que o Exército tem cumprido na América Latina, particularmente no pós-guerra. Se existe algum exército cujo comando não seja formado por serviçais do Imperialismo, isso só foi possível devido à uma revolução, pensemos na Venezuela e em Cuba. Na maioria dos outros países, e o Brasil não é exceção, o Alto Exército está completamente comprado, e divide suas atenções entre conspirar contra o povo e manter os seus gigantescos privilégios burocráticos.
Abrindo-se uma crise mais intensa que propicie boas condições para um golpe de Estado no País, não existe a menor dúvida que dos quartéis sairão os homens fardados para “botar a ordem na casa”. Nunca percamos este fato elementar de vista.