Em seu perfil no X (antigo Twitter), Alberto Cantalice, dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) e integrante da Fundação Perseu Abramo, afirmou que “uma parte considerável dos que nos atacam nas redes” estariam “gritando contra a Dilma” na época do golpe de 2016. Embora não cite isso na publicação, tudo leva a crer, levando em conta que este é o principal assunto comentado por Cantalice nos últimos dias, que o dirigente estaria se referindo a “ataques” à posição capituladora do governo brasileiro diante do Estado de Israel.
A publicação, que é bastante curta, pode ser dividida em duas partes. Na primeira, Cantalice cita o que essa “parte” que o “ataca” nas redes teria feito contra o PT:
“Uma parte considerável dos que nos atacam nas redes estavam fazendo o que em 2013? Estavam gritando contra a Dilma. Outros, acharam que era o início da Revolução. Estavam onde quando começou a Lava Jato? Alguns batendo palmas. Outros se escondendo. Estavam onde quando prenderam Lula? Uns até compactuaram. Estavam onde quando o PT foi demonizado em 2016?”
É fato que houve muita gente na esquerda que se recusou a lutar contra o golpe. É o caso, por exemplo, do ex-deputado federal Marcelo Freixo (ex-PSOL), que hoje ocupa um cargo no Instituto Brasileiro de Turismo e que disse, quando o presidente Lula estava preso, que a palavra de ordem “Lula livre” não unificava. É o caso, também, de Guilherme Boulos, hoje deputado federal pelo PSOL, que, enquanto a direita preparava a derrubada do governo do PT, criou uma tal de Frente Povo sem Medo para fazer uma campanha golpista “pela esquerda”.
Na verdade, quem lutou contra o golpe foi uma exceção, se levado em conta os parlamentares e dirigentes da esquerda nacional. Até mesmo dirigentes do Partido dos Trabalhadores, como o senador pernambucano Humberto Costa, foram à imprensa logo após a derrubada de Dilma Rousseff para defender que a esquerda “virasse a página do golpe”. Quem lutou contra o golpe foram os trabalhadores, os comitês de luta, os militantes de base do PT e das organizações populares e o Partido da Causa Operária (PCO).
O que chama a atenção na colocação de Alberto Cantalice, no entanto, é que nenhum daqueles que sabotou a luta contra o golpe hoje está criticando a posição do governo brasileiro em relação ao genocídio promovido por Israel. Pelo contrário: figuras como Guilherme Boulos apresentam a mesma posição de cumplicidade com o Estado de Israel. E mais: quem, de longe, mais está denunciando os crimes de Israel e está criticando a posição do governo é o PCO, o partido que mais lutou contra o golpe!
O argumento de Cantalice, portanto, não faz nenhum sentido: trata-se, na verdade, de uma tentativa maliciosa de vincular o PCO, por fazer uma crítica séria ao governo, a um movimento golpista.
Não há relação alguma entre uma coisa e outra. Quando setores da esquerda nacional saíram às ruas “contra o ajuste fiscal” do governo Dilma Rousseff ou quando faziam a campanha “Não vai ter Copa”, estavam fazendo coro à direita em uma tentativa de desestabilizar o governo. O objetivo da esquerda naquele momento era minar o apoio do governo, de modo que – fossem eles conscientes ou não – facilitasse o caminho para a sua derrubada. Neste caso, não há uma campanha golpista da direita em torno da questão de Israel, e o que estpa fazendo com que o governo perca apoio é justamente a sua posição muito negativa.
Encobrir os crimes do Estado de Israel não fará com que Lula consiga maior apoio da população, nem mesmo da burguesia: apenas irá acelerar qualquer tentativa de desestabilização de seu governo. Por um lado, a capitulação perante Israel é vista pela direita como um gesto de fraqueza; por outro, é vista pelos setores mais ativos da esquerda nacional com maus olhos. Ao mesmo tempo que o governo vai perdendo apoio, vai também dando sinal verde para que a direita cresça contra ele.
O que Cantalice faz ao defender a atual posição do governo não é defender o governo, mas sim torná-lo mais vulnerável. E, de sobra, ainda referendar uma série de posiç~eos lamentáveis, que são as exatas mesmas posições do imperialismo norte-americano: a de que o genocídio sionista é uma “guerra contra terroristas”, ainda que 70% das vítimas sejam mulheres, crianças e idosos, e a de que o Estado de Israel deve ter a sua integridade respeitada, ainda que seja uma ocupação ilegal e criminosa.