Embora Javier Milei frequentemente seja chamado de “Bolsonaro argentino”, por se colocar como outsider e ser de extrema-direita, a realidade é muito distante disso. Embora a política de austeridade fiscal, de reformas neoliberais e privatizações de Bolsonaro seja próxima do ex-presidente argentino Mauricio Macri, a política de Milei não encontra muitos ecos na história recente, exceto talvez no chileno Augusto Pinochet, o primeiro governo acabadamente neoliberal do planeta. Milei é o mesmo para o chamado anarcocapitalista, o inaugurador deste tipo de política no mundo.
A doutrina anarcocapitalista defende, de forma meramente retórica, o fim do Estado, sendo uma concepção extrema do neoliberalismo de que todo o serviço público é pior do que o da iniciativa privada. Na prática, para um país atrasado, isso implica na destruição de qualquer autonomia que a Argentina tenha em relação ao imperialismo no tocante à sua própria economia. Também implica no fim de todos os direitos da população, até mesmo os mais elementares, como o direito à educação, o direito à multa rescisória por demissão sem justa causa e o direito à saúde.
Estão nos planos do futuro governo argentino a dolarização da economia e a consequente abolição da autonomia monetária do país latino-americano, o que é uma proposta polêmica mesmo entre a direita. O mesmo pode ser dito da política de fim de toda a educação pública da Argentina, que seria substituída por vouchers para a contratação de educação privada, bem como o fim do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde.
Assim, nota-se que, diferente do que grande parte da esquerda acredita, Milei não é um “Bolsonaro argentino”, mas uma figura muito mais direitista e sem qualquer nível de contradição em relação ao imperialismo. Dessa forma, tampouco é verdade que o bolsonarismo estaria se repetindo na Argentina, sendo o contrário o mais próximo da verdade: os interesses imperialistas mais brutais para os argentinos pode ser repetida para os brasileiros em um futuro não tão distante.
Essa política, no entanto, não conseguiu ganhar as eleições sem o consentimento da esquerda argentina. O presidente Alberto Fernandez conduziu uma política direitista em seu governo num momento em que o país precisava de uma política popular para sair de uma crise agravada pela Covid-19 e pela guerra na Ucrânia. Nessa situação, a população buscava por alternativas, porém não as encontrava na esquerda, devido à capitulação do campo. Isso abriu o caminho para um aventureiro ultradireitista como Javier Milei.
A esquerda argentina aceitou abandonar uma possível candidatura de Cristina Kirchner diante das perseguições judiciais que ela sofria. É uma esquerda que desiste sem lutar. O resultado não poderia ser diferente: a população tinha uma imensa rejeição muito bem justificada a Massa, mas não conhecia Milei e, portanto, não o rejeitava na mesma proporção.
Se o governo brasileiro continuar capitulando na política interna, continuar no jogo institucional sem sair às ruas e sem sequer tentar emplacar nenhum plano popular um pouco mais ambicioso, o Brasil deverá aguardar seu próprio Milei.