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Uma mente brilhante

Leonora Carrington, a rebelde selvagem do surrealismo

Leonora Carrington foi uma pessoa autêntica e brilhante. Sua personalidade marcante não aceitava imposições.

Leonora Carrington

Essa condição social lhe permitiu ter cavalos, excelente educação e viver uma vida de princesa. Sua mãe tinha muitas criadas e gostava de utilizar seu tempo lendo para Leonora contos celtas sobre elfos, gigantes, ogros e outros seres mitológicos. Isso semearia sua imaginação da jovem “fantasmas” que ela dizia ver na casa.

Apesar dessa vida de conforto e posses, não se sentia feliz. Vivia em um ambiente de opressão pela condição de mulher burguesa, pois a família queria que ela se casasse e fosse uma espécie de “mulher – troféu”, plenamente linda e educada, meramente decorativa como era o padrão burguês tradicional.

Seus pais a enviavam para escolas de etiqueta para aprender boas maneiras, mas sempre terminava expulsa destas instituições.

Era realmente muito rebelde, sentia-se uma ‘outsider’, não teve jeito de se encaixar na sociedade inglesa.

“Eles pediram para eu ir embora. Disseram ao meu pai: “Ela não colabora com nenhum trabalho ou jogo.””

Assim, a menina Leonora: com contos da Irlanda, vivendo em um castelo “assombrado”, selvagemente rebelde, sentindo-se deslocada. Em sua juventude simplesmente não se deixava moldar por ninguém e seu pai odiava isso.

A comida de Lord Candlestick (1938)

Em sua pintura A comida de Lord Candlestick, (1938) que fez aos 21 anos, vemos a representação de um almoço com a realeza na tentativa de casar Leonora. Na tela, ela está representada como que hesitante com o rosto virado. Os personagens estão comendo bebês. Uma forte analogia de como seus pais não lhe davam a oportunidade da escolha e a condenavam. A figura que está com um objeto na cabeça é o pai de Leonora, que o apelidou de candelabro para ilustrar o quanto rígido ele era.

Mas o mais famoso quadro, e talvez o mais representativo, seja seu autorretrato chamado Estalagem do cavalo da alvorada (1938). Nele, Leonora está em uma sala vazia onde encontramos três elementos muito interessantes: uma janela com um cavalo branco cavalgando livremente no pasto, uma hiena com mamilos pronunciados e outro cavalo de madeira na parede.

Autorretrato A estalagem do cavalo da alvorada (1938)

Esses três elementos junto à Leonora se completam formando um círculo, cada um levando ao outro.

A hiena representa o selvagem, o rebelde no mundo de Leonora, é como o seu alter-ego. Nota-se que ambas estão na mesma posição, levantando a mão. Diz a própria Leonora a respeito:

Na sua história, a hiena toma o seu lugar nessa hora, porque era muito absurdo, sabe? Assim eu estava tomando uma atitude.”

Leonora amava os animais e dizia ter se tornado amiga de uma hiena no zoológico.

O cavalo distante na janela representa a liberdade, e na tela Leonora está vestida com roupas de equitação. A calça é branca, a mesma cor do cavalo. Porém, ela precisa se conformar com um cavalo de brinquedo, pendurado na parede. Por fim, um interior vazio. Não era possível ser feliz nesse lugar.

No final, sua rebeldia rendeu frutos. Depois da entrada em um novo colégio, desta vez em Florença, seus pais finalmente se rendem e a deixam estudar pintura.

Leonora passou por várias escolas europeias até chegar a Londres. Nessa época, em que estudava para aprimorar sua técnica, houve um acontecimento na cidade que mudaria sua vida para sempre.

Em 1936, Leonora vê uma exposição surrealista, conheceu ali obras que achou maravilhosas e sentiu que fazia parte daquele mundo. Por intermédio de um professor, conheceu Marx Ernst, um pintor surrealista já consagrado.

Ernst a introduz na pintura surrealista e não demorou muito para se apaixonarem. Fugiram para Paris, o que se tornou um escândalo, pois Ernst era casado.

Em Paris passaram a conviver com os surrealistas e Leonora começou a pintar como deveria. Produzia suas próprias telas surrealistas, sendo influenciada por Ernst e este por Leonora.

Os surrealistas, de maneira geral, idealizavam as mulheres e as viam como musas – o que pode ser considerado machismo. E o tratamento a Leonora Carrington, que era jovem e bonita, não poderia ser diferente.

Jamais me considerei uma mulher-criança, como André Breton queria ver as mulheres. Nunca quis que me entendessem assim, nem tão pouco ser como os outros. Eu caí no surrealismo porque sim. Nunca perguntei se podia entrar”.

Mas isso não intimidou Leonora, eles realmente não a amedrontavam. Nesses primeiros encontros, Leonora marca sua postura feminista. Ela conta que Miró uma vez lhe disse:

…olha menina vai trazer cigarros para mim”, ao que ela responde: “manda tua mãe”.

Max Ernst se separou da esposa e ele e Leonora se mudaram para San Martin, um povoado ao sul da França. A mãe de Leonora a ajudou a comprar uma velha casa, onde o casal vivia como queria. Andavam nus, pintavam as paredes, faziam esculturas. Viveram ali por um ano, até que a Segunda Guerra bateu à porta. Max Ernst, que era judeu, foi capturado pela Gestapo e preso em um campo de concentração.

Leonora entrou em choque. Vivia chorando e quase não se alimentava. Resolveu deixar sua propriedade e ir com amigos para a Espanha, na tentativa de conseguir um salvo-conduto para Ernst. Na busca, é presa e torturada, seus nervos se dilaceraram.

Tudo escapou do controle. Diante do estado psíquico de Leonora, seu pai, usando de sua influência, conseguiu que a levassem à força para um hospital psiquiátrico na cidade de Santander.

Leonora viveu um inferno nesse lugar. Vítima de um médico fascista que experimenta nela “curas” torturantes. Ali a sedavam; deixavam dias nua amarrada à cama e chegou a ser presa em uma solitária.

É fácil ter nas mãos as chaves da porta da loucura e abri-la. Difícil é voltar. Eu voltei”, disse quando saiu do manicômio com uma mucama encarregada pelo pai de vigiar os seus passos.

Ela era considerada pelo governo britânico um “perigo pela nação” e o pai se preparava para enviá-la para um manicômio na África do Sul. No trajeto, Leonora consegue fugir para Lisboa e encontra-se com um amigo de Picasso, Renato Leduc, adido na embaixada do México. Para ajudar Leonora a sair da Europa, ele se casa com ela e viajam para Nova York, em 1941, com destino ao México. Em Nova York, Leonora e Ernst se reencontram. O amor deu lugar a uma intensa amizade.

Com a ida para o México, finalmente se estabelece a mudança na vida da pintora que pode viver em paz.

Artes. 110 (1944)

Essa mudança importante podemos ver em Arte 110, (número de sua casa), primeira obra em solo mexicano. Aqui, vemos como Leonora abandona um mundo destruído para chegar a outra realidade completamente distinta.

Leonora conhece Frida Kahlo e os muralistas, mas não se une a eles, prefere a companhia dos exilados. Separa-se de Renato Leduc. Conhece Remedios Varo, pintora espanhola com quem trava uma amizade que perdurará até sua morte. Juntas liam livros de magia e alquimia e Leonora os usava para representar sua “realidade”. Os animais, a fantasia, os labirintos, minotauros, gigantes. Sua obra está carregada de misteriosas imagens das narrativas celtas, do imaginário do México e da Índia.

A giganta ou a Guardiâ dos ovos (1947)

Passa a ser muito reconhecida, mas prefere se manter afastada. “Eu sou um mistério tanto para mim mesma, quanto para os outros”. Uma obra significativa, sobre sua visão do feminino é “A gigante ou a Guardiã dos ovos”.

E esta protege um tipo de ovo em suas mãos. Um elemento que encontramos muitas vezes na obra de Leonora. O ovo representa o microcosmo e o macrocosmo. A linha divisória entre o grande e o pequeno.

Uma obra elaborada em têmpera a ovo (espécie de tinta), onde uma mulher (uma bebê gigante), se eleva sobre o céu, mar, terra e todas as criaturas da criação. A capa branca só deixa aparecer duas mãos minúsculas segurando delicadamente um ovo – essa linha divisória entre o grande e o pequeno –, e serve de refúgio aos pássaros, enquanto o vestido, de um vermelho místico, está decorado com signos enigmáticos, “O rosto é simples como a lua”, diz a pintora.

Casa-se em 1946, no México, com Emericz Chiki Weisz – o Chiki – jornalista e escritor judeu, com quem teve dois filhos.

Apesar de ser muito inglesa, ela não passa despercebida pela cultura mexicana. Foi convidada, em 1963, para pintar um mural por ocasião da inauguração do Museu de Antropologia do México. Para isso, passou meses em tribos maias estudando e absorvendo seus costumes, que resumiu nesse mural de 4 metros.

O mundo mágico dos Maias (1964)

Esta pintura está dividida em três grandes faixas:

O inframundo, o reino de Xibalbá. Esse mundo se comunica com o nosso através de seivas, árvore sagradas que podem ser encontradas nas praças mais importantes do México.

No céu, encontramos as deidades maias e três grandes figuras que chamam bastante a atenção: a lua à esquerda, símbolo da feminilidade que ilumina uma mulher, Ischtar, senhora do arco-íris. No centro, o sol da tarde que representa o masculino, o calor e, à direita do sol, o astro Vênus muito brilhante, planeta que se associa tanto à serpente emplumada, à sua esquerda, e a contrapartida, uma máscara funerária maia.

Ao centro, encontramos os maias, os mortais e suas tradições, com outros elementos autóctones como cultivo de milho e elementos europeus: cavalos brancos, igrejas coloniais e cruzes.

Em seus últimos anos, Leonora elaborou trabalhos maiores, dedicando-se à escultura e trazendo à tridimensionalidade os protagonistas de seus quadros. Passava dos oitenta anos, quando recebeu um convite oficial para participar de uma exposição de esculturas. Começou a esculpir obras monumentais. Aos oitenta e cinco anos subia em andaimes de seis metros para retocar sua obra.

Talvez a mais famosa escultura seja O crocodilo (2000), que é gigantesca, tem mais de nove metros, e inspirada em um de seus quadros. Essa escultura se tornou um dos maiores símbolos da Cidade do México.

A maioria de suas obras se encontram no centro de artes Museu San Luis Potosi.

A rainha Elizabeth II a condecorou com a Ordem do Império Britânico, em 2005. Pouco antes de sua morte, soube que seus quadros, dentre eles “A gigante”, atingiram mais de um milhão de Euros no mercado, dois momentos que Carrington recebeu com sorriso irônico.

Morreu em 25 de maio de 2011 aos 94 anos. “Que belos pássaros pretos desenhados sobre esse muro branco”, disse, olhando para o muro do hospital. Foram suas últimas palavras.

Leonora Carrington deixou um legado que ainda está para ser descoberto.

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