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Bahia

Latifundiário ameaça: “Vamos com a PM retirar os invasores”

Fazendeiros do sul da Bahia têm espalhado medo entre mais de 200 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Fazendeiros do sul da Bahia têm espalhado medo entre mais de 200 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Elas montaram acampamento em uma fazenda já designada para reforma agrária. A ocupação ocorreu no sul da Bahia e é parte da Jornada Nacional de Luta em Defesa da Reforma Agrária, mobilização anual do MST em favor da redistribuição de terras. 

Na última segunda-feira (24), centenas de proprietários de terras da região levaram seus funcionários e a Polícia Militar (PM) até a entrada da ocupação. O objetivo era expulsar os acampados. Após horas de conversa com a PM e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o grupo deixou o local sem provocar confronto. 

“O clima no acampamento é de muita apreensão, porque [as pessoas que foram até a entrada do acampamento] são milicianos armados a mando dos fazendeiros”, disse uma pessoa acampada no local ao Brasil de Fato. O nome não será revelado por haver possibilidade de retaliação. 

O responsável por convocar o grupo foi Luiz Uaquim, fazendeiro de Ilhéus (BA) e notório antagonista da demarcação de terras indígenas. Ele lidera o movimento “Invasão Zero”, criado neste ano em resposta ao “Abril Vermelho” do MST. O grupo de Uaquim conta com apoio de prefeitos e da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB).

“Vamos com a PM retirar os invasores”

No dia da ocupação, domingo (23), uma mensagem atribuída a Uaquim circulou em grupos virtuais de proprietários rurais do sul da Bahia. Após chegarem também aos integrantes do MST, as palavras do líder ruralista provocaram tensão no acampamento. 

“O batalhão de Jequié [município no sul da Bahia] de polícia está sendo mobilizado junto com produtores para amanhã de manhã fazer a retirada dos invasores [do MST]. Esse é o planejamento que está sendo montado”, afirmou o fazendeiro no áudio obtido pelo Brasil de Fato e distribuído pelo WhatsApp.

A pessoa que participa da ocupação diz que mais de 100 caminhonetes foram até a entrada do acampamento. “Eles [fazendeiros] pagam as milícias para nos amedrontar. Se não fosse a organização interna do acampamento, eles teriam conseguido nos expulsar de forma violenta. Assim como eles vieram uma vez, é possível que voltem outros dias”, relata. 

Brasil de Fato perguntou a Luiz Uaquim se o movimento liderado por ele pretendia expulsar as famílias sem-terra da área destinada à reforma agrária e se houve formação de “milícia”. Como o áudio do fazendeiro sugere a participação da PM na tentativa de expulsão, a reportagem pediu também posicionamento à Polícia Militar da Bahia. Se houver resposta, o texto será atualizado. 

Associação condena atuação de fazendeiros 

A associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) condena esse e outros episódios de violência no campo protagonizados por grandes proprietários de terra. Para Yamila Goldfarb, integrante da Abra, as ocupações de terras jamais devem justificar o uso de violência contra camponeses.

Ela afirma que ocupações como essa no sul da Bahia são feitas com o objetivo de pressionar o Estado a solucionar uma situação ilegal – terras improdutivas destinadas à especulação imobiliária – e a aplicar o que diz a Constituição. 

“Quando fazendeiros se organizam para gerar um tensionamento desses, eles estão fazendo algo ilegal. Porque eles não estão alertando o Estado, mas sim fazendo justiça com as próprias mãos, a partir de preceitos que a gente pode considerar que são, além de ilegais, imorais”, avaliou Goldfarb.

A direção nacional do MST já afirmou ao Brasil de Fato que o país vive um momento de ascensão de milícias rurais. E a Bahia, onde atua o movimento ruralista “Invasão Zero” liderado por Luiz Uaquim, é considerado o estado onde essas milícias atuam de maneira mais explícita. 

“Quem são os integrantes dessas milícias? São aqueles bolsonaristas radicais que, ao serem obrigados a sair da frente dos quartéis, sair do meio das BRs, estão procurando um alvo. E eles entendem que o alvo somos nós, pelo que nós representamos: camponeses, comunidades de fundo e fecho de pasto, ribeirinhos, indígenas”, afirmou Lucineia Durães, da direção nacional do MST. 

Entenda a situação fundiária da fazenda ocupada pelo MST: “100% improdutiva”

A área alvo de disputa está registrada sob o nome de Fazenda Jerusalém, tem o tamanho equivalente a 1,8 mil campos de futebol e está a 350 quilômetros a sudoeste de Salvador (BA). Desde domingo (23), os sem-terra rebatizaram o local de acampamento Rosimeire Conceição.

“A Fazenda Jerusalém é uma área 100% improdutiva. E não precisaria nem de averiguação do Incra. A olho nu se percebe que não tem animal nenhum e plantação nenhuma. É uma área abandonada há muito tempo que já foi ocupada duas vezes anteriormente”, disse a pessoa acampada no local. 

“Ocupamos essa área principalmente para reivindicar que as 200 famílias que estão aqui acampadas possam ter a perspectiva de ter uma terra para sua sobrevivência”, prosseguiu.

Um decreto assinado pelo presidente Lula (PT) em 29 de dezembro de 2004 declarou a propriedade como “de interesse social para fins de reforma agrária”. A expressão contida no decreto presidencial significa que o Estado brasileiro reconheceu a área como improdutiva. Pela Constituição de 1988 e legislação subsequentes, o direito de propriedade só pode ser exercido se a terra cumprir sua função social ao atender o bem-estar da coletividade. 

STF validou decreto de reforma agrária, mas processo está suspenso

O então proprietário da Fazenda Jerusalém, Reinaldo Polycarpo Hüghes da Silva, questionou na Justiça o decreto presidencial que destinou a área à reforma agrária. Ele pediu a anulação da vistoria feita pelo Incra sob a alegação de que não estava presente durante a visita dos técnicos. Em 2005, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que negou o pedido por unanimidade e validou o decreto.

Em 2010, um novo decreto foi emitido pelo Incra, desta vez determinando a desapropriação da fazenda. Em 2020, o órgão fundiário colocou a propriedade em uma lista de imóveis com depósitos indenizatórios feitos em juízo. A etapa significa que o dinheiro a ser pago ao proprietário a título de indenização já saiu do Incra e está sob a tutela da Justiça.

O próximo e último passo da desapropriação é a Justiça Federal colocar o imóvel rural sob posse do Incra. Mas, segundo o órgão fundiário, os trâmites estão paralisados. O motivo é a contestação do laudo de avaliação do imóvel feita pelo proprietário na Justiça. Por isso, a ação de desapropriação foi suspensa até a solução judicial. “O processo está em decisão judicial desde 27 de setembro de 2017, no Tribunal Regional Federal (TRF-1)”, informou o Incra. 

“É importante entender que a reforma agrária está na nossa Constituição. Ela diz que as grandes propriedades que não cumprem sua função social, junto com as terras públicas ainda não destinadas, devem ser usadas para fazer reforma agrária, unidades de conservação ou demarcação de terras indígenas”, explicou Yamila Goldfarb, da Abra.

Fonte: Brasil de Fato

* Os artigos aqui reproduzidos não expressam necessariamente a opinião deste Diário

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