Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Cinema e televisão

“Kolchak e os demônios da noite”, polícia corrupta e idiota

No seriado, os inimigos do protagonista são monstros e o aparato repressor do estado.

Quem aprecia seriados de televisão, um gênero repleto de produções ruins, na maioria defensoras da polícia e de agências governamentais do imperialismo, tais quais as forças armadas estadunidenses, a CIA e o FBI, certamente se lembra do seriado “Kolchak e os demônios da noite”, criação de Jeff Rice, lançado nos Estados Unidos e no Brasil nos de 1970. Quem acompanha o programa Reunião de Pauta, já assistiu ao Momento Contatos Imediatos, cuja vinheta é inspirada no famoso seriado “Arquivo X” – outro seriado propaganda do FBI, portanto, da extrema direita –; sabe-se que Chris Carter, criador da série, inspirou-se explicitamente em dois programas anteriores, “Os invasores”, de 1967, e “Kolchak e os demônios da noite”, de 1974. 

              Há dois temas predominantes em “Arquivo X”, há a história dos extraterrestres, desenvolvidas ao longo das nove temporadas do seriado, e as histórias dos monstros, as quais se resolvem num episódio; aquelas, são inspiradas em “Os invasores” e estas, em “Kolchak”, isso se confirma com a participação, em alguns episódios de “Arquivo X”, de Roy Thinnes, quem faz o papel do arquiteto David Vicent, protagonista de “Os invasores”, e de Darren McGavin, quem vive o jornalista Carl Kolchak. Em “Os invasores”, a personagem David Vicent tenta deter uma invasão de extraterrestres aos Estados Unidos, da qual apenas ele tem conhecimento, tratando-se de típica série reacionária, com os Ets sendo metáforas dos comunistas; “Kolchak e os demônios da noite”, porém, é bem diferente.  

              Contrariamente ao agente Fox Mulder, Kolchak não é outro reacionário do FBI nem é arquiteto patriota caçando Ets-comunistas; Kolchak é um trabalhador, ele é jornalista, em regra, constantemente ameaçado por monstros sobrenaturais, pela polícia, por juízes e demais agências governamentais ocupadas com a repressão, portanto, com a censura. Não cabe aqui traçar a história do seriado, contando, infelizmente, com apenas uma temporada de vinte episódios; vale a pena, contudo, salientar cinco aspectos de “Kolchak e os demônios da noite”: (1) a criatividade dos roteiros; (2) a atuação de Darren McGavin; (3) a trilha sonora; (4) o estatuto da imprensa e do protagonista enquanto trabalhador; (5) o papel lamentável representado pela polícia.  

              Os roteiros, tratando-se de terror, são sensacionais. Não é fácil fazer filmes de terror sem cair no ridículo, os exemplos dessa queda são vários: Béla Lugosi, o famoso protagonista de “Drácula”, foi um dos poucos atores do filme a cuidarem do roteiro com seriedade; mesmo com alguns sustos, “O exorcista”, apesar da participação de Max von Sydow, torna-se ridículo quando Linda Blair vomita suco de abacate nos rostos e nas batinas dos padres. Em Kolchak, todos os monstros do cinema são lembrados ao longo da série; nos vinte episódios, Kolchak enfrenta Jack, o estripador, vampiros, múmias, lobisomens, zumbis, extraterrestres, androides, xamãs, bruxas, fantasmas, lagartos gigantes…, todavia, o que faz o seriado ir além do desfile de criaturas nem sempre bem maquiadas? Talvez, a preocupação antes com o roteiro que com o suposto realismo dos fatos compense as falhas da produção; em outras palavras, de nada valem efeitos especiais convincentes se o roteiro é lastimável. No episódio 11, por exemplo, quando Kolchak enfrenta um rakshasa – monstro da mitologia indiana –, quem apavora o bairro judeu de Chicago, o monstro só aparece, rapidamente, nas cenas de abertura e no final; no episódio 3, os extraterrestres são invisíveis; no episódio 7, o político oportunista se transforma no cachorro demoníaco, sem, porém, revelar-se o processo de transformação. 

              Além disso, Darren McGavin, o ator quem vive Kolchak, concentra a atenção dos espectadores antes em sua atuação que nos monstros, pois trata-se também de um seriado sobre investigação jornalística centrado no protagonista; a trilha sonora, composta por Gil Melle e arranjada por Dominik Hauser para grande orquestra, é um tema belíssimo, com variações incríveis e adequadas aos climas emocionais das tramas. Por fim, das questões estéticas passamos às políticas, nas quais o papel social da personagem ganha correlações com as circunstâncias históricas e ideológicas; nesse tópico, vale a pena examinar de que modo Kolchak ganha a vida e qual o estatuto social de seus inimigos, entre os quais, em meio a tantos monstros, está a polícia. 

              Kolchak é jornalista, mas, diferentemente de Lois Lane, a eterna noiva do Super Homem, longe de ser bem-sucedido na profissão, ele trabalha em jornal mediano, cujas notícias oscilam entre aconselhamento aos leitores e coberturas de eventos desimportantes, entre as quais, Kolchak termina às voltas com os demônios da noite. Ele se veste mal, seu carro é um Ford Mustang 1966, sua autonomia lhe custa constantemente o emprego… em outras palavras, Kolchak é um trabalhador; além disso, em vez de ser amigo da lei e da ordem, nosso repórter enfrenta constantemente a polícia e as autoridades legais, invariavelmente retratadas sendo corruptas ou idiotas.  

              Contrariamente aos agentes Fox Mulder e Dana Scully, os funcionários do FBI protagonistas do “Arquivo X”, e David Vicent, o arquiteto de “Os invasores”, Kolchak vai de encontro ao modo de vida estadunidense. Embora enfrentando monstros e extraterrestres, os agentes do “Arquivos X” trabalham para uma agência de extrema direita, vale lembrar da presença do FBI e da CIA nos golpes de estado dados no mundo inteiro, inclusive no golpe dado no Brasil em 2016, colocando Michel Temer, Sergio Moro e Jair Bolsonaro no poder; em “Os invasores”, os extraterrestres, infiltrados na sociedade, são claramente metáforas dos comunistas, fazendo dele um seriado reacionário. Em Kolchak, a polícia e seus agentes, sempre bem-conceituada e vitoriosa nos seriados estadunidenses, apanha vergonhosamente dos monstros; os detetives são imbecis e tapeados facilmente pelo jornalista; em regra, longe de buscar pela verdade, as autoridades tendem a escondê-la. 

              Atenção, para quem tiver interesse em procurar pelos episódios de “Kolchak e os demônios da noite” na internet, não confundir com os longas metragens “Pânico e morte na cidade” e “A noite do estrangulador”, os filmes que deram origem ao seriado, nem com outro seriado, “Os demônios da noite – o retorno de Kolchak”, de 2005, evidentemente, com outros atores, outras concepções de roteiro e, lamentavelmente, com apologias da polícia e do FBI. 

              Por fim, se a arte pode, entre suas funções, promover a catarse, logo no primeiro episódio do seriado, “Jack, o estripador”, Jack dá várias surras na polícia, espancando todo um batalhão, além de destruir, pelo menos, duas radiopatrulhas. 

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