Uma das imagens da semana foi a reação de Anthony Blinken, secretário de Estado norte-americano, à declaração de seu presidente, Joe Biden, em coletiva de imprensa após reunir-se com o presidente chinês Xi Jinping. Biden era anfitrião do homólogo chinês que foi a São Francisco, na Califórnia, integrar a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC, na sigla em inglês). Em resposta a uma pergunta capciosa, Biden admitiu que Xi, seu convidado, era um “ditador”. Blinken se contorceu na plateia, não porque discorde, naturalmente, mas pela quebra total de decoro diplomático em mais uma demonstração da senilidade de Biden e do imperialismo, que luta para manter sua autoridade ditatorial sobre o mundo. Se Xi é um ditador, porque estariam os Estados Unidos recebendo-o tão bem e colocando-o para conversar não apenas com seu presidente, mas como seus principais empresários e banqueiros?
A cúpula da APEC contou com a participação de representantes dos 21 países que a compõem, além de figuras importantes do mundo da tecnologia e do mercado financeiro, como Tim Cook da Apple, Elon Musk da X e até mesmo Larry Fink, executivo chefe do famigerado banco de investimentos BlackRock. Nada mais natural. O evento, finalmente, aconteceu no Vale do Silício.
O centro das discussões eram as relações entre Estados Unidos e China. Os empresários e banqueiros estavam provavelmente preocupados com a garantia de que seu capital e seus investimentos no país asiático estavam seguros diante de uma escalada de agressões econômicas pela parte norte-americana. Como já discutimos nesta coluna, as relações entre China e Apple foram essenciais para o desenvolvimento da empresa nas últimas décadas. O mesmo se dá com outros monopólios norte-americanos que buscam não apenas a barata mão-de-obra chinesa, como seu crescente mercado consumidor. Essa busca, porém, estabelece uma contradição uma vez que não é possível fazê-la sem que haja um mínimo de transferência tecnológica.
Nas páginas da imprensa imperialista internacional esse debate se deu sob o disfarce da “regulação da inteligência artificial”. É mais um episódio da campanha de terrorismo contra esse desenvolvimento tecnológico. “Cientistas” e empresários em março deste ano pediram para que se interrompessem os experimentos na área por medo de suas consequências para a humanidade.
Essa posição obscurantista não passa de uma cortina de fumaça. Os modelos de inteligência artificial, principalmente geradores de texto como o ChatGPT, já nasceram numa época de internet regulada. São tão regulados quanto as redes sociais. O modelo é manualmente enviesado para que apenas respostas autorizadas pelo “ministério da Verdade” do imperialismo sejam emitidas.
Ao buscar a opinião chinesa sobre a discussão, no Global Times, logo esclareceu-se o conteúdo da discussão entre os dois chefes de Estado. O ponto central é o acesso aos chips de última geração necessários não apenas para treinar, como para executar esses modelos de aprendizagem de máquina. Xi foi discutir com Biden a possibilidade de aliviar sanções sobre os equipamentos necessários para fabricar esses chips, algo que os Estados Unidos fazem justamente para bloquear o avanço tecnológico chinês que ameaça o monopólio imperialista sobre esse setor importante da economia mundial. A “regulação”, na realidade, não é para proteger a humanidade dos perigos da inteligência artificial, mas para proteger o controle imperialista sobre o mercado de alta tecnologia.
A imprensa imperialista procura criar um clima de medo entre os leigos em parte para justificar o bloqueio cada vez maior que é imposto a países atrasados no acesso à essa tecnologia. Querem manter sua supremacia tecnológica, mas precisam de uma justificativa plausível. Entristece-me que as desculpas sejam tão esfarrapadas, como se o ChatGPT completamente empastelado por ajustes em seus parâmetros fosse uma espécie de Skynet que estaria prestes a declarar guerra contra os seres humanos. Essa propaganda me deixa no mesmo estado de Blinken ao ouvir Biden chamar Xi de ditador. Mas, infelizmente, muitos acreditam.
