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África Central

Gabão: nossa posição sobre as principais polêmicas sobre o golpe

Governo da junta militar já é considerado como "consolidado"

– Por Victor Assis

No dia 30 de agosto, um grupo de homens fardados anunciava o fim do regime de Ali Bongo no Gabão. “Decidimos pôr fim ao regime em vigor. Por isso, as eleições gerais de 26 de agosto de 2023, bem como seus resultados truncados, estão canceladas. As fronteiras estão fechadas até nova ordem. Todas as instituições da República estão dissolvidas”, anunciou o coronel Ulrich Manfoumbi Manfoumbi.

Até o final do dia, as análises sobre o que havia acabado de acontecer no país centro-africano já haviam formado alguns consensos. Que o golpe militar fora bem sucedido, não havia dúvidas: não houve qualquer tipo de reação à tomada do poder por parte dos militares. O presidente e outros membros do primeiro escalão do governo deposto foram presos. Que a população apoiava os militares, também era ponto pacífico – as explicações, no entanto, variavam. O que todos concordavam era que o governo deposto era muito impopular e que as eleições haviam sido muito turbulentas, o que favoreceu os militares na derrubada do regime.

Apesar desses consensos, com o passar do tempo, foram surgindo as mais diversas teorias sobre o caráter do golpe contra Ali Bongo e sobre as intenções da junta militar. Essa confusão, por sua vez, não surgiu do acaso, nem tampouco é apenas obra da escassez de informações disponíveis: os grandes jornais franceses, norte-americanos e britânicos procuraram estimular análises equivocadas sobre a situação do Gabão, com o objetivo de evitar ao máximo o desgaste diante dos países africanos.

De agora em diante, adentraremos nessas teorias, a fim de estabelecer, com clareza, o que está acontecendo no Gabão.

O golpe foi dado pela França?

Parece piada, mas essa foi uma das principais “explicações” que surgiram para o golpe militar no Gabão. A justificativa seria a de que a França estaria preocupada com a situação no continente após o golpe no Níger e, por isso, teria organizado uma espécie de “autogolpe” para reorganizar o regime gabonense e, assim, evitar que entrasse em colapso. “É um golpe de Estado para salvar a Françáfrica”, disse a youtuber Nathalie Yamb no vídeo “Golpe no Gabão: para quem trabalha Brice Oligui Nguema?”. Trata-se de uma teoria sem pé nem cabeça, uma acusação leviana de que os militares estariam a serviço dos franceses. O único argumento favorável a essa teoria seria o de que os militares não tomaram, de imediato, nenhuma medida agressiva contra a França, como a proibição de seu idioma. Esse aspecto aparentemente moderado da junta militar será discutido futuramente neste artigo.

Enquanto não entramos neste mérito, vejamos, agora, tudo o que pesa contra a teoria do “autogolpe”. Em primeiro lugar, tentar prevenir um golpe com outro golpe em um momento em que ocorre uma onda de golpes é uma política, no mínimo, estranha. Em todo o mundo, o Gabão foi rapidamente associado ao Níger, assim como o Níger foi rapidamente associado a Burquina Fasso. O golpe no Gabão apenas colocou mais gasolina na fogueira que se tornou a África, deu um estímulo a mais para os militares que, neste momento, estão cogitando derrubar os seus governantes. A questão é simples: uma vez que o golpe foi dado contra um presidente intimamente ligado à França, e não contra um presidente que estivesse em conflito com a França, a lição que fica é: os presidentes ligados ao governo francês estão fracos, o exército de qualquer país é capaz de derrubá-los.

Para tentar controlar a situação em um país minúsculo, a França teria, portanto, cometido a loucura de estimular a onda de golpes no continente. Ela, que já estava sendo vista como fraca, teria feito questão de se apresentar ainda mais frágil. Seria uma política suicida!

Em segundo lugar, o efeito continental do golpe no Gabão ultrapassou, em muito, a euforia das redes sociais. Dois dias após o golpe, Camarões, Ruanda e Uganda já haviam realizado expurgos em suas forças armadas, indicando claramente que a ação dos militares gabonenses havia contagiado os militares de outros países da região. Alguns dias depois, a Guiné-Bissau anunciou mudanças importantes na guarda presidencial.

Um terceiro dado importante é o fato de que a França rompeu com o acordo de cooperação militar que havia junto ao Estado gabonense. A justificativa não foi nem a “ruptura da democracia”, mas sim o fato de que o governo francês não confiava no CTRI! Dito de outra forma, que o governo não tinha controle sobre a juntar militar que havia tomado o poder. “No que diz respeito à presença militar, são soldados que fazem formação e que sempre estiveram ao lado do exército gabonês. Atualmente, as suas atividades estão suspensas enquanto aguardam o esclarecimento da situação política”, afirmou o ministro Sébastien Lecornu.

O golpe foi dado pelos Estados Unidos?

Outra “teoria” bastante difundida foi a de que os Estados Unidos estariam por trás do golpe. Neste caso, haveria dois argumentos favoráveis a seus defensores: o de que o general Brice Oligui Nguema, líder da junta militar, teria propriedades nos Estados Unidos e o de que os norte-americanos, diante da fragilidade do regime francês, teria agido para abocanhar uma de suas semicolônias.

Quanto ao primeiro, não quer dizer absolutamente nada. Tudo não passa de meia dúzia de especulações que não permite qualquer conclusão. O portal Ghana Web, por exemplo, apresenta a acusação mais comum, que é a de que Nguema teria sido parte de um esquema de corrupção: “ele faz parte da comitiva do presidente há quatro anos. Há dois, ele comprou três propriedades nos Estados Unidos por um milhão de dólares em dinheiro. Quando foi questionado por um painel de investigação, respondeu que se tratava de um assunto privado e recusou-se a responder a quaisquer outras perguntas”. Suponhamos que tudo seja verdade: Nguema, durante o período em que esteve no governo, teria feito algum negócio ilícito nos Estados Unidos. Mas o que levaria à conclusão de que os Estados Unidos teriam “comprado” o general?

Ora, as tais investigações citadas pelo Ghana Web não tinham como alvo apenas Nguema, mas o próprio Ali Bongo! Os defensores da tese de que Nguema estaria “no bolso” dos Estados Unidos teriam, portanto, que explicar porque Ali Bongo também se beneficiou, se o objetivo era justamente derrubá-lo. Seria Ali Bongo, então, parte do golpe contra si próprio?

É evidente que, mesmo que o caso das propriedades seja real, nada diz sobre o caráter do golpe militar no Gabão. Diz apenas o que todos já sabiam: que Nguema integrava o governo de Ali Bongo.

Já a ideia de que os Estados Unidos estariam interessados em “abocanhar” as semicolônias francesas também não se sustenta. Não por um problema ético: os Estados Unidos, que são acusados de terem explodido o oleoduto do Nordstream, prejudicando gravemente seus aliados europeus, principalmente a Alemanha, poderia, de fato, “roubar” as semicolônias de sua aliada França. O problema, no entanto, é político: os Estados Unidos também não têm interesse em jogar mais gasolina na fogueira.

A onda de golpes na África vem sendo extremamente desfavorável à política externa norte-americana. Países como Níger e Burquina Fasso estão estreitando laços em plena luz do dia com a Rússia, país que está em guerra, por procuração, com os Estados Unidos. Qual seria o interesse dos norte-americanos em fazer, portanto, essa onda crescer? Por que os norte-americanos iriam desejar um golpe que impactasse um país como a Nigéria, que, neste momento, atua como um país central no policiamento dos países vizinhos?

Nguema é um “Bongo”?

As teorias que alegam um golpe promovido pela França ou pelos Estados Unidos, além de serem muito frágeis, têm, em seu aspecto central, o ataque à figura de Brice Oligui Nguema. E é fundamentalmente disso que se trata: ao fim e ao cabo, são uma tentativa de estimular uma intriga daqueles que se empolgaram com o golpe contra o novo líder do Gabão.

A ideia de que ele seria “parte do sistema” por ter supostamente se envolvido em esquemas de corrupção também é pura intriga. Por acaso Vladimir Putin, que foi primeiro-ministro de Boris Iéltsin, não era “parte do sistema”? E hoje é o homem que mais está desfiando os Estados Unidos no âmbito militar. E o Talibã, que foi financiado pelos Estados Unidos, não era “parte do sistema”? E nem por isso deixou de protagonizar uma das mais importantes vitórias contra o imperialismo nos últimos anos.

Os críticos de Nguema dizem que ele seria primo de Ali Bongo, o que, aparentemente, tem fundamento. Também não tem importância: em 2020, três membros da família real da Arábia Saudita foram presos por tentativa de golpe, revelando que existe, sim, contradição entre membros de uma mesma família.

O mais interessante da intriga de que Nguema seria um Bongo é que ela vem da… BBC! O órgão de imprensa controlado pelos sistemas de inteligência da Grã Betânia. Neste caso, fica claro de onde vem o interesse em atacar a imagem do presidente da transição. “’O general Brice Oligui Nguema é um produto direto do clã Bongo’, disse a fonte, que quis manter o anonimato por razões de segurança”, diz matéria da BBC, “A realidade é que o golpe é em grande parte uma continuação do mesmo sistema, só que com um nome diferente”, teria dito outra “fonte”.

As coisas precisam ser vistas concretamente. O novo governo, nos próximos dez dias, agiu como se fosse a continuidade da dinastia Bongo? Não, muito pelo contrário. A junta militar expôs os sistemas de corrupção de todos os principais membros do governo, libertou os presos políticos, restaurou as bolsas estudantis e se comprometeu a financiar o desenvolvimento do país. Uma política que mostra uma disposição de romper com o regime anterior.

Há, ainda, dois sinais muito importantes de rompimento com a ordem anterior. O primeiro é o fato de que o governo de transição decidiu nomear como primeiro-ministro um opositor ferrenho de Ali Bongo. O segundo, ainda mais importante, é que o presidente da transição “aposentou” a presidente do Tribunal Constitucional, que era a espinha dorsal do regime. Era o tribunal que referendava as eleições e as decisões do governo de Ali Bongo. A própria presidente era amante de Omar Bongo, pai do presidente deposto.

Nguema precisa entregar o poder para os civis agora?

Outra intriga que procura jogar um balde de água fria na cabeça daqueles que comemoraram a derrubada do regime Ali Bongo é a de que os militares não deveriam governar, mas sim repassar o controle do Estado para o suposto vencedor das eleições, Albert Ondo Ossa. Ele mesmo teria dito, segundo a BBC, que foi um “golpe palaciano” e exigiu que o mandato fosse lhe repassado. No entanto, após encontro com Brice Oligui Nguema, ele próprio recuou nas críticas.

O fato é que para derrubar de uma vez por todas o regime de Ali Bongo não é possível simplesmente passar a faixa presidencial para uma outra pessoa. O regime está entranhado há 56 anos no país. Um civil como Albert Ondo Ossa não teria condições de desmantelar todo o regime, ainda mais levando em conta que não existem partidos fortes no Gabão.

É preciso passar o país a limpo. Reestruturar os tribunais, as assembleias legislativas e a própria Constituição Federal. Por isso, a decisão de organizar a transição por meio de uma junta militar é compreensível.

Segundo o que o primeiro-ministro indicou, o plano dos militares seria de permanecer apenas dois anos no poder.

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