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Câmara dos Deputados

Filho do golpe de Estado, o “centrão” tornou-se indomável

Bloco parlamentar vive momento inédito diante da fraqueza demonstrada pelo imperialismo

Nos últimos dias, o Partido da Imprensa Golpista (PIG) voltou a dar destaque à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 18/2021, mais conhecida como PEC da Anistia. O projeto, que teve sua admissibilidade aprovada na Comissão de Segurança e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ) em maio deste ano, poderá ser votado a qualquer momento.

O PIG já deixou bem clara a sua posição. Segundo a Folha de S.Paulo, essa seria “a maior anistia da história em benefício próprio”. Um exagero que, além de ridículo, é bastante cínico, uma vez que o jornal defende as criminosas isenções que o Estado brasileiro dá aos grandes capitalistas, que usam as forças produtivas do País e não pagam um único centavo em imposto. Mais escandalosa ainda é a posição da Folha de defender a manutenção da dívida pública brasileira, o maior de todos os assaltos aos cofres públicos.

Não bastasse o cinismo e o exagero, a Folha apresenta ainda uma posição maliciosa, dando a entender que haveria, necessariamente, motivos espúrios por trás de sua aprovação – “em benefício próprio” estaria, neste caso, em oposição ao interesse público. Trocando em miúdos, o PIG está chamando os deputados a favor da PEC da anistia de corruptos. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), bem como organizações sob o seu guarda-chuva, como a Mídia Ninja, apresentam a mesma posição. E não é para menos: durante o auge da Operação Lava Jato, o PSOL estava alinhado integralmente às posições da Folha de S.Paulo.

O mais irônico é que as acusações veladas de corrupção e as distorções feitas pela Folha de S.Paulo acontecem no mesmo momento em que o PIG está em uma intensa campanha contra o “discurso de ódio” e contra as “fake news”.

O que a PEC propõe é bem simples, embora nunca tenha sido citado diretamente pelo PIG. Em seu artigo 2º, a proposta estabelece que “aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional”.

É uma proposta claramente defensiva. O que a PEC estabelece é que a Justiça Eleitoral não tenha o poder de condenar os partidos políticos a partir do que a própria Justiça Eleitoral considera válido ou não na gestão dos recursos dos partidos. Em outras palavras, o conceito por trás da PEC da Anistia, ainda que ele seja expresso de maneira muito tímida, é o de que os partidos políticos não deveriam ter suas finanças tuteladas pela Justiça Eleitoral.

Dito isso, a questão que permanece é: o que seria mais democrático, que os partidos pudessem definir os seus próprios critérios para a distribuição dos seus recursos ou que o Estado, particularmente a Justiça Eleitoral, fiscalize essa distribuição? Colocado nesses termos, a resposta é óbvia. Se os partidos políticos não podem ter um funcionamento próprio – isto é, se não são plenamente livres para decidirem seu programa, escolherem seus dirigentes, aprovarem o seu estatuto e decidirem os rumos de suas finanças, então, tem-se uma ditadura. Afinal, se Estado pode interferir no funcionamento dos partidos, ele irá, inevitavelmente, impedir que os partidos contestem o regime político.

Esse não é apenas um problema teórico. Nos últimos anos, a Justiça Eleitoral nos forneceu uma miríade de exemplos práticos de como a interferência no funcionamento dos partidos é uma arbitrariedade. Em 2022, o PSL, que elegeu maior bancada no PR, teve todos os deputados cassados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná. No mesmo ano, Eurípedes Júnior, presidente do Partido Republicano da Ordem Social (PROS), foi afastado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Mais recentemente, a bancada inteira do PL do Ceará foi cassada pelo tribunal regional.

A famigerada prestação de contas também tem sido um dos maiores dramas dos partidos políticos. Em maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou as contas de três partidos. O caso mais escandaloso é do Partido da Causa Operária (PCO), que sofrerá todas as consequências de ter as contas recusadas porque não conseguiu explicar formalmente o destino de R$4.500,29.

Há um conflito evidente entre o Poder Judiciário, aqui expresso no conjunto dos tribunais da Justiça Eleitoral, e o Congresso Nacional, expresso fundamentalmente na Câmara dos Deputados. O que aparece como um conflito entre instituições, no entanto, é parte da luta de classes. A Justiça persegue a Câmara não porque esse é seu “dever” institucional, mas porque o Judiciário é controlado pelos setores mais pró-imperialistas, que têm interesse direto nessa perseguição. A Câmara dos Deputados, por sua vez, não é um agrupamento homogêneo, mas uma instituição fundamentalmente dividida em dois grandes blocos: os chamados “alto clero” e “baixo clero”. Isto é, os deputados diretamente ligados ao grande capital, que representam os mesmos interesses dos altos burocratas do Judiciário, e os deputados ligados a setores mais fracos e mais isolados da burguesia. A perseguição do Judiciário se dá contra esse último bloco, que também é conhecido como “centrão”.

O conflito aberto e cada vez mais acirrado entre o Judiciário e o baixo clero é o resultado direto da polarização política no País. Isto é, é a expressão de uma situação anômala. Normalmente, a forma como o imperialismo exerce sua dominação sobre o “centrão” é por meio do próprio Congresso, com a predominância do alto clero sobre o baixo clero. É a crise do alto clero e, consequentemente, o fortalecimento do baixo claro que têm levado a uma intervenção cada vez maior de uma força externa – o Judiciário.

Nessa etapa de crise da dominação imperialista sobre o Congresso, o “centrão” tem se tornado um bloco cada vez mais poderoso e coeso. Isso, por sua vez, só aconteceu porque o próprio imperialismo, no passado, impulsionou o baixo clero para que esse se voltasse contra o governo de Dilma Rousseff.

O baixo clero, pela sua condição subalterna, frequentemente se rebelou, no passado, contra a dominação do alto clero, que sempre foi uma minoria, mas contava com uma força muito desproporcional quando o imperialismo não estava tão enfraquecido. No entanto, o baixo clero nunca conseguiu exercer o poder efetivamente, mesmo quando esteve no controle da Câmara – isto é, quando conseguiu conformar a maioria dos deputados a seus interesses. Nos últimos anos, contudo, com a falência sucessiva dos partidos do alto clero, o “centrão” passou a assumir um poder inédito no País.

Os partidos tradicionais do grande capital são, desde antes do primeiro governo Lula, o PSDB e o Partido da Frente Liberal (PFL). A decadência do último pode ser comprovada já pela constante mudança de nome: de Frente Liberal, passou para Democratas (DEM), uma agremiação já combalida, e de Democratas, passou para União Brasil, agrupando outros setores para conseguir sobreviver. Mesmo com a maior quantidade de recursos do Fundo Eleitoral em 2022, a União Brasil foi incapaz de eleger a maior bancada, ficando atrás do pouco expressivo Partido Liberal (PL), que foi turbinado com a chegada do ex-presidente Jair Bolsonaro ao partido. Parte do União Brasil, inclusive, é mais fiel ao próprio Bolsonaro do que a caciques do partido.

A falência do PSDB, por sua vez, pode ser comprovada em dois dados bastante significativos: o partido não conseguiu emplacar um candidato presidencial em 2022 e vem perdendo uma quantidade inacreditável de cadeiras na Câmara dos Deputados. Em 1999, o partido havia conquistado 99 cadeiras na Câmara; em 2022, esse número caiu para 18.

O ponto de inflexão para que o “centrão” passasse a ter grandes poderes no regime político foi o golpe de 2016. O imperialismo, embalado pela crise de 2008, precisava derrubar o governo do PT. No entanto, justamente por estar em crise, o imperialismo não conseguiria, sozinho, derrubar o governo. Para isso, teve de angariar o apoio do setor com quem vive em conflito: o baixo clero, o único setor no Congresso que conseguiria impor uma derrota ao governo.

Essa operação, que em um primeiro momento, pareceu ter sido um grande sucesso – afinal, o governo caiu -, causou uma mudança profunda. Para tornar o golpe viável, a burguesia preparou a chegada de Eduardo Cunha (MDB) à presidência da Câmara dos Deputados, dando enormes poderes para ele. Por enormes poderes, leia-se muito dinheiro para comprar o apoio dos parlamentares do baixo clero. Surgia, assim, um novo “centrão”, que teria cada vez mais condições de “peitar” o imperialismo e, assim, aumentar o seu poder de barganha. O “centrão”, por suas próprias características, totalmente dependente da burguesia, não tem condições, nem mesmo real interesse de romper com o imperialismo. No entanto, com o poder adquirido, vem exigindo um preço cada vez maior nas negociações.

Com o governo Bolsonaro, um governo com muitas contradições com o imperialismo – e, neste sentido, fraco -, o “centrão” se fortaleceu ainda mais, explorando as contradições para exigir ainda mais dinheiro. O dinheiro é, finalmente, o combustível para a composição do “centrão”. Quanto mais dinheiro, maior o seu poder. Quanto mais poder, maior a sua capacidade de conseguir dinheiro dos setores com quem negocia. O famoso “orçamento secreto” e o despejo de dinheiro para comprar o voto de milhões nas eleições de 2022, Bolsonaro permitiu que o “centrão” chegasse ao ponto em que se encontra hoje.

É esse desenvolvimento que explica a campanha histérica da imprensa contra a PEC da Anistia. Isto é, trata-se de uma reação do PIG à tentativa de o “centrão” avançar na sua rebeldia contra a dominação do grande capital sobre o Congresso. Neste sentido, independentemente das intenções individuais de cada deputada, a PEC representa, objetivamente, uma crise da dominação sobre o Congresso. Tanto é assim que a PEC, caso aprovada, acabará por aliviando a situação de partidos ideológicos, como o PCO, o PCB e o PSTU, perseguidos pela burguesia imperialista.

Pela forma desesperada com a qual a burguesia vem tratando o tema, a PEC da Anistia será provavelmente aprovada. Não será, contudo, o último capítulo desse conflito.

No momento, apesar da preocupação com o “centrão”, a burguesia enxerga um aspecto positivo do poder de Arthur Lira: ele está sendo bastante útil para estrangular a política reformista e de tipo nacionalista do governo Lula. Por isso, ao mesmo tempo em que critica Lira, critica Lula, poupando mais o primeiro para não minar por completo sua capacidade de de encurralar o governo. No entanto, é possível e até provável que chegue a hora de uma ofensiva contra Lira, como forma de tentar quebrar o poder adquirido pelo “centrão”.

Nos últimos dias, têm vindo à tona suspeitas investigações da Polícia Federal (PF) sobre supostos esquemas de corrupção envolvendo pessoas próximas a Lira. Em artigo da Folha de S.Paulo de ontem (5), Lira é apontado como tendo usado uma picape que estaria sendo alvo dessas investigações, que passaram a ganhar mais projeção a partir de imagens reveladas pelo programa Fantástico, da Rede Globo. Na última segunda-feira (5), Luciano Ferreira Cavalcante, um dos suspeitos da investigação, foi exonerado do gabinete de liderança do Partido Progressista por Arthur Lira.

Estaria já em marcha um plano da burguesia para diminuir o poder de Lira e do “centrão”? É possível. Por hora, cabe assinalar o desenvolvimento profundamente contraditório do baixo clero no regime político: ao mesmo tempo em que adquiriu poderes suficientes para praticamente neutralizar a atuação do Executivo, também é expressão da incapacidade da burguesia de sustentar o regime por meio dos partidos tradicionais.

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