Nesta terça-feira (07), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) acatou recurso do Ministério Público e determinou que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) responda por injúria racial contra a deputada Duda Salabert (PDT-MG). Caso condenado na ação, Ferreira pode vir a cumprir até três anos de prisão, pena máxima estabelecida pelo crime de injúria racial no momento em que os fatos apurados ocorreram.
Duda Salabert, também eleita para câmara dos deputados, é transexual e apresentou queixa-crime contra o deputado Nikolas Ferreira logo após o parlamentar afirmar, numa entrevista ocorrida em dezembro de 2020, que iria se referir a “ela” como “ele”.
“Ele é homem. É isso o que está na certidão dele, independentemente do que ele acha que é”, afirmou o deputado, quando ambos ainda eram vereadores em Belo Horizonte.
De início, o poder judiciário definiu a competência da 1ª Unidade Jurisdicional Criminal da Comarca de Belo Horizonte para julgar o caso, tendo em vista que os fatos na queixa-crime de Salabert não se enquadram no crime de injúria qualificada. No entanto, o Ministério Público argumentou que a decisão não observou que o crime era uma espécie de “racismo”, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em outubro de 2021. Foi exatamente isso que o Ministério Público alegou, que a decisão do STF deu equivalência da homofobia e transfobia, ao racismo em decisão anterior.
Recapitulando
Em junho de 2019, após quatro meses de debates, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade que pediam o reconhecimento da omissão do Congresso em legislar sobre a população LGBT e a equiparação da discriminação de LGBTs ao conceito jurídico de racismo. Oito ministros decidiram por punir preconceito e discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero. Com isso, ações “homotransfóbicas” passam a ser crime, de acordo com a Lei 7.716/1989 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor), até que o Congresso legisle sobre o tema.
De acordo com a tese vencedora, “condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou identidade de gênero de alguém […] ajustam-se aos preceitos primários de incriminação na Lei 7.716/1989”.
No entanto, apesar das “boas intenções” que levaram à criminalização das condutas “homotransfóbicas”, temos a abertura de um perigoso precedente: um STF que legisla caso o legislativo “ignore demandas prementes da sociedade civil”. Mas quem é o STF para definir o que é prioridade da sociedade civil? Não seria o Legislativo, cujos representantes são eleitos diretamente pelo povo, os responsáveis por essa avaliação? Esse foi o argumento de um dos ministros. De acordo com Lewandowski, somente o Legislativo poderia criar lei sobre o tema, lembrando o artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Lewandowski citou, inclusive, um caso em que a Primeira Turma absolveu, de forma unânime, o deputado Marco Feliciano (PODEMOS-SP) por “crime de homofobia”.
Celso de Mello, porém, interrompeu o julgamento para afirmar que seu voto, que inaugurou a tese vencedora, não cria “tipo penal”, o que seria impossível para o Judiciário. Na verdade, segundo o ministro, o conceito de racismo estabelecido pelo STF em 2003 se aplicaria às “condutas de homotransfobia”.
Por esta mesma razão, segundo Mello, não se trataria de “analogia in malam partem” — jargão jurídico que significa a aplicação de uma norma jurídica em uma conduta que originalmente não é alcançada pela norma, mas que por meio de analogia é aplicada e acaba prejudicando o acusado — o que é proibido no direito penal. “A noção de racismo é ampla”, disse o ministro.
Ou seja, para não admitir o abuso de poder, Mello e os outros ministros não estariam “normatizando por analogia”, o que é inconstitucional. Ele estaria apenas “reconhecendo” mais um significado do conceito jurídico de “racismo”, que seria “amplo”, a fim de incluir a homofobia e a transfobia.
Consequências
Como sabemos, de boas intenções o inferno está cheio. O caso contra Nikolas Ferreira, que pode colocar um deputado eleito atrás das grades, porque este último não utilizou o pronome “correto”, só confirma que a ideologia identitária penetrou as instituições da república e possui caráter intrinsecamente repressivo. Se um deputado, com todos os benefícios de sua posição, está à mercê de tais arbitrariedades, como não estão as massas empobrecidas de nossa nação?
É importante salientar que o mesmo STF, baluarte do identitarismo, também foi um dos responsáveis pelo golpe de 2016, pela prisão do presidente Lula, além de responsáveis por autorizar as privatizações criminosas de nossas empresas públicas por Temer e Bolsonaro.
A abertura legal para que o STF legisle é muito mais importante que a mera criminalização das condutas sociais. É a abertura para a atuação de um “poder moderador” que não possui nenhum tipo de controle popular.