A matéria “Daniel Alves e o caráter bolsonaristas do estupro”, publicada no Brasil 247, demonstra que parte da esquerda caiu em um verdadeiro abismo antidemocrático. Daniel Alves, assim como aconteceu com Neymar no caso Najila, já é considerado estuprador. Ainda não foi julgado, mas está sendo condenado. O ‘crime’, na verdade, é ter declarado voto em Bolsonaro.
O que preocupa na matéria é que os argumentos utilizados contra o jogador são os piores possíveis. São praticamente idênticos aos que a direita sempre utilizou contra a esquerda. Isso que notabilizou Reinaldo Azevedo, que nos chamava de ‘esquerdopatas’, foi substituído por ‘bolsonaristas’ e serve para estigmatizar qualquer um que tenha votado em Bolsonaro.
De uns tempos para cá, temos visto se repetirem notícias do tipo: ‘bolsonarista mata a esposa’, bolsonarista xingou motoboy de macaco’, ‘bolsonarista agride…”. Homens matando as esposas, xingamentos e agressões são tão antigos quanto a humanidade, no entanto, tudo agora está sendo colocado na conta de Bolsonaro que, concordamos, é um político desprezível, mas isso não nos dá o direito de colar todo o mal à sua figura. Existem políticos, como FHC, que fizeram pior para o Brasil e são tratados como intelectuais.
Pensamento religioso
O mesmo comportamento, que é tão criticado nos evangélicos, o de eleger um ‘inimigo’, um ente maligno, está sendo repetido por parte da esquerda. Bolsonaro virou a encarnação do mal. Seus eleitores, portanto, são todos pecadores.
O curioso é que a matéria cita a Bíblia, o Velho Testamento para criticar e acaba reproduzindo a mesma conduta: “Historicamente, o estupro de mulheres já foi algo normalizado em outras épocas e culturas, pois caracterizava o poder e o domínio patriarcal sobre os seus corpos pertencentes a uma minoria representativa. A própria Bíblia, que muitos bolsonaristas empunharam na porta dos quartéis, clamando a Deus para que os ajudassem a dar um golpe na democracia, legitima o estupro como “despojo” das conquistas bélicas realizadas por alguns profetas a mando do “senhor dos exércitos”. Aliás, atacar minorias é uma doutrina bíblica”.
A Bíblia, que teve o azar de ser empunhada por bolsonaristas, já vem sendo usada há um bom tempo para legitimar todo tipo de atrocidades. Os massacres perpetrados pelos cruzados contra os ‘infiéis’ são um ótimo exemplo. A perseguição de povos contra outros também não é nenhuma novidade. Não dá para afirmar que a Bíblia legitima o estupro, é um absurdo. São vários relatos de civilizações antigas e que qualquer cristão sabe que muitas das o.
Afirmar que “atacar minorias é uma doutrina bíblica” não pode ser aceito como verdade, guerras sempre estiveram presentes nas mais diversas culturas porque essa era e continua sendo uma realidade na sociedade humana. O que são, por exemplo, a Ilíada e o Mahabharata? Uma é base da cultura grega e outra da cultura hindu. A bíblia não escapa dessa lógica.
O texto nos sugere “a leitura dos livros de Números, Samuel e de Josué”, para que melhor entendamos “a origem da intolerância e da violência religiosa praticada no Brasil, sobretudo, por cristãos bolsonaristas”. Que seria “uma amostra do conservadorismo defendido por eles. Daniel Alves é bolsonarista. E antes que [perguntemos] o que uma coisa tem a ver com a outra, [responde] que tem tudo a ver”. E ainda afirma que, “se nem todo bolsonarista é estuprador, todo estuprador é um bolsonarista em potencial”.
Exatamente aquilo que é criticado na Bíblia é repetido na matéria. Daniel Alves é o cananeu bolsonarista que deve ser exterminado, colocado no cadeia.
Processo com capa
Uma das coisas que ouvimos durante o processo kafkiano contra Lula é que processo não deveria ter capa, ou seja, todos deveriam ser tratados do mesmo modo, o que não aconteceu com o petista. No TRF-4, por exemplo, para aumentar sua pena, alegaram que se tratava de um ex-presidente, e que isso agravaria sua suposta conduta.
No artigo é dito que “Daniel Alves ainda não foi julgado e nem condenado judicialmente. Porém, se levarmos em conta a sua longeva carreira internacional como jogador de futebol e a representatividade que adquiriu com ela perante a sociedade, fica difícil imaginar que a sua prisão tenha sido decretada não havendo indícios suficientes de sua culpabilidade. Seu comportamento durante o cometimento do suposto crime, segundo o relato da vítima, denota o caráter agressivo, invasivo, violento, abjeto, virulento, covarde e criminoso do bolsonarismo”.
É um truque lamentável que utilizam contra o jogador: Como ele é famoso, só pode ter sido preso porque a coisa teria sido realmente grave. Vamos então “imaginar”, como propõe o artigo. E se, por exemplo, a juíza esteja tentado usar a prisão de um notável para se autopromover? E se, digamos, a moça que acusa Daniel Alves tivesse feito a denúncia de caso pensado para conseguir uma indenização? A imaginação é suficiente para se condenar?
Apesar de o jogador não ter sido julgado ou condenado, o texto descreve um evento no qual Bolsonaro, “o líder da seita [que] só não estuprou algumas de suas opositoras, porque elas não mereciam”, teria sido também machista com uma entrevistadora, Ellen Page, e aproveita para afirmar que “a lógica do machismo bolsonarista fez com que Daniel Alves agredisse e abusasse sexualmente de uma jovem dentro de uma boate por acha-la atraente”. Ou seja, Daniel Alves pertenceria a uma seita e isso o induz a agir do mesmo modo que seu sacerdote. É uma verdadeira aberração.
Para finalizar, o autor da matéria diz que, a despeito de ainda não haver uma sentença, “a jurisprudência pessoal de milhões de brasileiros que nos últimos quatro anos tentaram sobreviver ao bolsonarismo como política de estado, diz que o caráter bolsonarista está presente em tudo o que é negativo, destrutivo, criminoso e mal na nossa sociedade”.
Este é o ponto ao qual chegamos: existe um verdadeiro clima de caça às bruxas no ar. O ambiente político está totalmente contaminado e a esquerda age de maneira autoritária, não permite que as pessoas tenham um direito amplo de defesa. Estamos na era dos cancelamentos, do linchamento público e da execução sumária.