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Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

Rentismo

Corrida de Uber custa o mesmo que táxi. “Inovação” não valeu a pena?

Nem o próprio fundador e CEO da empresa sabia que o preço das corridas era tão alto

Em tempos de baixas taxas de juros nos países imperialistas e de bonança no mercado de ações, plataformas como Uber, Lyft e outras eram tidos como galinhas de ovos de ouro do capitalismo moderno. A realidade fora do mundo mágico da especulação financeira, porém, era outra: o Uber, que destruiu a vida de taxistas entre outros setores econômicos ao redor do mundo, reportou “lucros” pela primeira vez no último trimestre. As aspas são importantes, dos US$ 394 milhões de renda líquida reportados, US$ 386 milhões vinham de ganhos não realizados advindos da valorização de ativos financeiros da empresa. É o retrato falado do imperialismo.

Como uma empresa que nunca havia sido lucrativa conseguiu valorizar-se tanto? Um leigo em investimentos deve imaginar que uma empresa vê o valor de suas ações crescer quanto mais dividendos entrega a seus acionistas. Isso não passa de inocência, ainda que esteja reproduzido em muitos livros de economia. O investimento no Uber não buscava o lucro imediato, mas a formação de um monopólio dos transportes que não possui um veículo sequer dentre os seus ativos e cujos funcionários trabalham de frente para telas de computador em escritórios ou, desde a pandemia, de suas próprias casas.

Recente reportagem do portal Business Insider reuniu uma série de dados importantes sobre o funcionamento do Uber, sobre seu “modelo de crescimento”, apenas para enterrar em seu último parágrafo o dado mais importante (Uber CEO balks after a reporter tells him the cost of his 2.9-mile Uber ride: ‘Oh my God. Wow.’, Business Insider, 01/08/2023). O artigo passou despercebido pela nossa coluna, mas veio a nós um mês após sua publicação graças à indignação de um usuário do Twitter, da qual compartilhamos.

Dando mais profundidade à resposta que esboçamos no segundo parágrafo, o Uber cresceu valendo-se do capital investido na empresa para subsidiar o valor das corridas, o famoso dumping, prática ilegal apenas na cabeça daqueles que aprendem economia nas universidades e não no mundo real. A empresa, após destruir a concorrência, fossem eles taxistas ou outros aplicativos, finalmente parou de subsidiar as corridas, o que fez seu valor chegar ao nível equivalente das corridas de táxi antes do Vale do Silício invadir o mundo dos transportes, segundo reportou discretamente Business Insider.

Antes que esse argumento seja levantado, sim, a inflação generalizada até mesmo nas economias avançadas não ajudou a empresa. Alta nos preços de combustível fez com que o Uber tivesse que repassar mais aos motoristas sob o risco de que a atividade simplesmente se tornasse inviável economicamente. O repasse, porém, não acompanhou o aumento das tarifas para os consumidores. Enquanto a última subiu 50%, a primeira subiu apenas 31% segundo levantamento de entidade trabalhista norte-americana (New Brief Finds Uber & Lyft Took Highest Commissions During the Worst of Pandemic, UCLA Labor Center, 15/02/2023).

O preço da corrida está tão alto que, quando forçado a estimar seu valor em entrevista à revista Wired, o fundador e CEO do Uber, Dara Khosrowshahi, errou por mais de 100%. Chutou a metade do valor que o jornalista havia pago para deslocar-se do centro de Nova Iorque para a região Oeste da cidade, onde o encontrou para a entrevista. Escapou de seu chute grosseiro com a desculpa da inflação, mas como já mencionamos, o motivo real é a maior extração de valor de cada corrida por parte do Uber, o fim dos subsídios.

Agora que a empresa é praticamente um monopólio, pode simplesmente aumentar seu preço. Consumidores habituados à conveniência da plataforma farão o quê? Qual será a alternativa? Outra pergunta que faço a leitores que moram na grande São Paulo: já perceberam como está cada vez mais difícil conseguir uma corrida de Uber? Há cada vez mais motoristas na plataforma, mas cada vez menos que o fazem como atividade integral porque isso se prova cada vez menos viável com o preço dos combustíveis, da manutenção dos carros. Muitos trabalham com carros alugados porque o cuidado com o automóvel é tão caro que é melhor deixá-lo às custas das locadoras. A inflação é muito maior que o aumento do repasse do Uber.

Será que o Uber cogitou oferecer os automóveis e prover um serviço de manutenção em larga escala? Jamais. O propósito das empresas modernas, do capitalismo em seu estágio mais avançado, o imperialismo, é apenas o rentismo. A construção de monopólios que, a exemplo do Uber, podem extorquir seus funcionários – que sequer possuem vínculo empregatício com a empresa no caso dos motoristas – e consumidores para enriquecer um punhado de bilionários. 

Qual foi a grande inovação do Uber? O serviço de mapas foi construído pelo Google; a navegação pelo Waze, já adquirido pelo Google; usuários dos serviços de mapa recheiam suas bases de informação com boa vontade para torná-las mais úteis para si. O Uber apenas construiu uma estrutura em cima dessa fundação. Sua inovação não foi tecnológica, mas social. Descobriram que poderiam alocar o tempo livre de pessoas que não conseguem se sustentar com um único emprego, o tempo dos desempregados que possuíam um carro parado em suas garagens para ganhar rios de dinheiro. Inicialmente a empresa apresentava-se como um mero serviço de caronas, mas a realidade social transformou as caronas num meio de vida para muitas pessoas. Com isso, destruiu o negócio de taxistas ao redor do mundo que, se eram uma espécie de monopólio, local, eram muito menos nocivos que o Uber, agora em sua forma final.

Resta apenas um mistério para encerrarmos essa coluna. O fim dos subsídios era inevitável, mas por que começou agora? Como dissemos no início do texto, em épocas de baixa tarifa básica de juros, havia grande incentivo para banqueiros investirem em setores especulativos, na construção de novos monopólios. E eles o fizeram. Agora, com a alta dos juros, os barões do mercado financeiro buscam estacionar suas riquezas em investimentos seguros, como títulos de dívida do Tesouro norte-americano, e buscam extrair o máximo de valor possível das empresas em que aplicaram no período anterior, antevendo uma recessão econômica. As demissões no setor de tecnologia no ano passado e neste ano estão inseridas neste fenômeno: as empresas buscam apresentar relatórios de rendimento mais enxutos para agradar investidores cada vez mais exigentes. 

Com o Uber não foi diferente. Limparam boa parte de seu quadro de programadores e funcionários de escritório ao mesmo tempo que começaram a pressionar consumidores e motoristas. É a vantagem de ser um monopólio. A quem vamos recorrer, como consumidores? 

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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