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Roberto França

Militante do Partido da Causa Operária. Professor de Geografia da Unila. Redator e colunista do Diário Causa Operária e membro do Blog Internacionalismo.

As guerras de nossos dias

Conflitos armados e Guerras de Quarta Geração

A ideia de paz em abstrato, construída pelo imperialismo, só serve para esconder as guerras diretas e indiretas, permanentes no regime político. Não existe país sem nenhuma guerra

O mundo convive atualmente com 114 guerras, todos elas organizados ou potencializados pelos Estados Unidos. Embora o mundo atualmente assista e comente sobre a principal guerra “pop”, a guerra do regime ucraniano contra a Rússia, as dezenas de conflitos apresentam características geopolíticas de clivagem, ou seja, que pode levar a uma mudança de substância nas relações geoeconômicas e políticas internacionais.

Após o término da Segunda Guerra Mundial foi fundada as Nações Unidas, organização criada a partir da ideia de “paz entre os povos”, o que não passa de uma demagogia, uma utopia que jamais será alcançada sob o capitalismo. Todavia, essa ideia serviu como mantra para esconder os reais objetivos do imperialismo, pois desde 1945, o número de guerras aumentou década após década, o que corrobora com nossa tese de que a paz da ONU é instrumento de guerra indireta, que é a forma soft power da guerra. 

Entre as formas sob as quais se apresentam essas 114 guerras estão o paramilitarismo; guerras por procuração; conflitos assimétricos; interesses difusos e guerras de quarta geração, cada qual demandando explicações específicas que ficarão para uma próxima análise [1]. O que vale na coluna de hoje, é demonstrar que a guerra é a constante no capitalismo em crise. Todas essas guerras podem ser preparatórias para um evento maior, mas a crise em si assevera o mundo como um palco de guerra, estabelecidas e parcelas, em frações do território.

Uma demonstração do avanço dos conflitos sob o imperialismo norte-americano, o mais abjeto e agressivo de todos os tempos, é a sua escalada. No período entreguerras mundiais ocorreram três grandes guerras, a guerra civil russa, a guerra civil espanhola e a guerra civil chinesa e alguns conflitos menores, sem vulto na dinâmica internacional. A guerra sino-japonesa foi incorporada aos eventos relativos à Segunda Guerra Mundial. A guerra civil espanhola foi a que arregimentou mais países entre essas guerras apresentadas, porém, nada como a menor guerra entre as 114 atuais, que mobilizam uma série de países, recursos e estratégias numa escala muito superior. 

Por exemplo, o conflito de Nagorno-Karabakh mobiliza, por extensão, a Rússia, Turquia, Estados Unidos e Europa Ocidental, interessados não somente nos ganhos políticos e econômicos, mas, sobretudo, no caos (EUA e Europa). Nenhum território disputado é necessariamente mobilizado por agentes internos e seus interesses, mas por uma ampla gama de atores estatais e transestatais interessados em algum naco ou parte inteira de cada território do mundo. 

Três guerras abriram o atual modelo de atuação armada do imperialismo, a guerra do Afeganistão, a guerra do Iraque e a guerra contra a Sérvia. Os bombardeios ocorreram de 24 de março a 11 de junho de 1999. Durante esses 78 dias, a OTAN lançou um total de 2.300 mísseis contra 990 alvos e 14.000 bombas sobre o território da Iugoslávia. Só na capital, Belgrado, caíram 212 bombas. Após uso intenso de força bruta, os conflitos que se sucederam utilizariam nova tecnologia, a da Guerra de Quarta Geração, uma forma de guerra onde se faz uso do estabelecimento do conflito multidimensional, avançando para a assimetria institucional, para a esfera da criminalidade e busca pela desorganização da governança, ou seja, o caos.

Guerras de Quarta Geração “utilizam todas as redes disponíveis – políticas, econômicas, sociais e militares – para convencer os decisores políticos inimigos de que os seus objetivos estratégicos são inalcançáveis ou demasiado custosos, quando comparados com os benefícios percebidos” [2]. Esse tipo de guerra do imperialismo visa a destruição do apoio da população aos líderes políticos e a corrosão dos valores nacionais básicos a serviço dos interesses externos. A meta é enfraquecer o território que se almeja conquistar, não necessariamente destruindo esse território militarmente. Se conquista esse objetivo com uso de armas psicológicas, através de uma guerra de baixa-intensidade, de longa duração. Pode-se dizer que o Brasil vive a primeira etapa desse tipo de estratégia, conforme demonstramos em outra ocasião.

As guerras em curso

A região mais afetada pelas novas formas de atuação do imperialismo é o norte da África e Oriente Médio. São mais de 45 conflitos armados nos seguintes territórios: Chipre, Egito, Iraque, Israel, Líbia, Marrocos, Palestina, Síria, Turquia, Iêmen e Saara Ocidental. A maioria é considerado conflito não-internacional, mas envolve atores armados não estatais e intervenções estrangeiras de potências ocidentais, Rússia e países vizinhos. 

A África ocupa o segundo lugar no número de conflitos armados, com mais de 35 conflitos armados não internacionais ocorrendo em Burkina Faso, Camarões, República Centro-Africana (RCA), República Democrática do Congo, Etiópia, Mali, Moçambique, Nigéria, Senegal, Somália, Sudão do Sul e Sudão.

A Ásia é palco de 19 conflitos armados não internacionais envolvendo 19 grupos armados no Afeganistão, Índia, Mianmar, Paquistão e Filipinas. Na região existem dois conflitos armados internacionais – entre Índia e Paquistão; e entre Índia e China. De acordo com Chiara Redealli, da Academia de Genebra: 

“Paquistão e Filipinas estão no topo da lista, com seis NIACs para cada país. No Paquistão, as forças governamentais estão lutando contra vários grupos armados que atuam em todo o território, particularmente grupos afiliados ao Talibã nas Áreas Tribais Administradas pelo Governo Federal e combatentes da independência no Baluchistão. Nas Filipinas, a maioria dos NIACs está ocorrendo na região de Mindanao, onde as forças do governo estão lutando contra vários grupos armados, incluindo a Frente de Libertação Nacional Moro, a Frente de Libertação Islâmica Moro, os Combatentes da Liberdade Islâmica Bangsamoro, o Grupo Maute e o Grupo Abu Sayyaf”. [3]

Europa com sete conflitos e América Latina e Caribe com seis conflitos fecha a lista (com mais EUA e Canadá), que na realidade é somente um prelúdio de outros conflitos que estão sendo gestados ou que estão sendo escalados. A Academia de Genebra é um think tank que disponibilizou uma das métricas de conflitos, mas existem outros. Utilizamos aqui o mais preciso, pois a lógica dos think tanks imperialistas é omitir ou distorcer informações, demandando filtragem do analista. Segue o mapa – sem escala – feito pelos suíços.

Esse panorama é extremamente perigoso para o mundo, e se alguma coisa fugir ao controle dos instrumentos das guerras de quarta geração, insurgências e insurreições como a de Níger escalarão para um amplo movimento de revoluções, o que coloca os controladores dessas crises em uma posição delicada, onde há um fio prestes a se romper.

Crise militar do imperialismo

O imperialismo criou o protocolo do caos, como norteador de sua política externa, apostando na corrosão dos regimes políticos como instrumento de dominação, porém os últimos acontecimentos no Sael, expuseram as brechas do regime imperialista, abrindo o horizonte de libertação dos povos em torno de uma revolução internacional. Claro, é evidente que os povos do Sael não estão em uma etapa de organização da classe operária internacional, mas sem dúvida inspiram ações no mundo.

Entretanto, se por um lado há conflitos quentes, de grande intensidade, produzindo contradições e movimentos insurrecionais, a América Latina está em um estágio embrionário (ou anterior). Aqui, a atuação do imperialismo é mais robusta e sofisticada, e o controle total de espectro tem sido bem executado. O nível do embate político remonta a busca pelo “bem-estar social dentro do neoliberalismo”. Na escala regional, dirigentes de esquerda se equilibram entre se esconder do apoio à Cuba e Venezuela, e o ataque a esses países, demonstrativo de um grande controle político e social. Na Colômbia, um governo de esquerda tenta firmar acordo de paz com Exército de Libertação Nacional, grupo que luta contra os dez grupos paramilitares pró-Estados Unidos. 

No plano da guerra direta, muito pouco ocorre na América Latina, muito em virtude da eficácia do controle das forças de segurança da região pelos Estados Unidos, a quem não interessa guerra em um território dominado com relativa facilidade desde o estabelecimento da política do Big Stick, que preconizou a “América para os americanos”, e tem sido bastante eficaz desde então. Conflitos fronteiriços também são pouquíssimos, e as contendas entre as forças são geralmente resolvidas no tribunal internacional. 

O domínio militar direto e ostensivo sobre o Peru e Colômbia, e o domínio da guerra indireta, psicológica contra os demais países, não colocam esses países livres de grandes ondas de violência, como o caso explícito de Equador durante a primeira volta das eleições presidenciais. Diversos países, tem em seus territórios, guerras entre grupos urbanos e luta pela terra. Também há forte tendência de armamento nos países da América Central sem o controle direto do imperialismo. Enfim, a guerra é um fato, um evento que ocorre diariamente no mundo, seja a guerra direta ou indireta, o que demanda da esquerda uma tarefa mais consciente diante desse fenômeno de grande escala. A paz almejada só pode vir com a derrubada do regime, não com políticas paliativas ou mesmo com discursos esquerdistas infantis. 

Referências

[1] De acordo com Luís Nuno da Cunha Sardinha Monteiro “Muitos militares e académicos têm procurado caracterizar essas novas formas de conflitualidade, usando desde expressões tradicionais, como guerras não-convencionais ou guerras irregulares, até novas denominações, como: guerras assimétricas (conceito teorizado, entre outros, por Johan Galtung e Andrew Mack); guerras não-lineares (designação empregue pelos teóricos militares russos); guerra sem limites (ideia lançada pelos coronéis chineses Qiao Liang e Wang Xiangsui, no seu livro Unrestricted Warfare, de 1999); nova guerra (expressão empregue por Mary Kaldor, no seu influente livro New and Old Wars, de 1999); guerras compostas (conceito introduzido por Thomas Huber, no livro Compound Warfare – That Fatal Knot, de 2004); guerra entre o povo (que o General Sir Rupert Smith contrapôs à antiga guerra entre povos, no seu livro The Utility of Force: The Art of War in the Modern World, de 2005); ou guerras híbridas (denominação sugerida por Frank Hoffman e que rapidamente ganhou bastantes seguidores).” In: Revista Militar.

[2] “A Guerra da Quarta Geração Evolui, A Quinta Emerge”, Military Review, setembro-outubro 2007, pp. 16-27.

[3] Com dados gerados por Geneva Academy of International Humanitarian Law and Human Rights

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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