O deputado federal Nikolas Ferreira é a última vítima da política de cancelamento que, em seu caso, significa uma tentativa de cassação de mandato. Ferreira, o deputado mais votado da história, poderia ser derrubado de seu cargo por fazer comentários sobre a população trans no Dia Internacional da Mulher Trabalhadora. Os comentários, que poderiam ter sido ditos por setores das chamadas “radfems”, feministas radicais, dado que foram proferidos por um bolsonarista, estão sendo usados para aumentar a sanha anti democrática da cassação de mandatos de parlamentares. E quem leva essa política adiante é a direita tradicional em conjunto com um setor da esquerda pequeno-burguesa.
O discurso de Nikolas começou com uma crítica ao lugar de fala: “Hoje é o Dia Internacional das Mulheres. A esquerda disse que eu não poderia falar porque eu não estava no meu local de fala. Então, solucionei esse problema aqui, ó. Hoje, eu me sinto mulher. Deputada Nicole” Nesse momento ele colocou uma peruca na cabeça e seguiu com seus comentários. Apesar de ser uma atitude tosca e voltada a chamar atenção, em que ele teve sucesso, é uma crítica concreta ao lugar de fala. Muitos setores da esquerda identitária gostariam de impedir todos os homens de falar no Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, uma política absurda. Todos devem ter o direito de opinar sobre qualquer questão, principalmente um parlamentar eleito.
Nikolas Ferreira fez o comentário considerado transfóbico: “As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres. E para vocês terem ideia do perigo de tudo isso é que eles querem colocar uma imposição de uma realidade que não é a realidade”. O interessante é que o comentário do deputado é uma posição muito comum dentre a população brasileira. A polêmica na UnB em relação aos banheiros trans mostrou isso. Não deveria impressionar ninguém tal comentário, mesmo que não se concorde com ele, e o deputado tem todo direito de comentar. Foi com esse discurso que setores da direita tentaram censurar deputados da esquerda que defenderam Cuba e a Coreia do Norte, alegango que seriam regimes homofóbicos.
Boulos foi um dos principais deputados que saiu em defesa da repressão a Nikolas Ferreira: “Não é brincadeira ou opinião política. É crime. E assim tem de ser tratado. É inadmissível que tenha deputado nesta Casa que se comporte como um moleque de quinta série e não esteja à altura do Parlamento Brasileiro. É inadmissível que tenha deputado, nesta Casa, que propague a intolerância e não tenha a capacidade básica de respeitar”. O psolista está completamente errado. É uma brincadeira e uma opinião política e não é crime, pois na Constituição Federal de 1988 está o artigo que gerante o direito a liberdade de expressão. Os deputados foram eleitos pela população, não podem ser derrubados por comissões de ética ou juízes. Nem mesmo o impeachment é democrático, o correto seria passar pelo crivo da população. Nessa situação, onde o deputado apenas fez o seu dever, expor sua opinião, não faz sentido nenhum falar em cassação.
Junto a Boulos, a deputada Tábata Amaral, PSB, financiada pela fundação Lemann, também aderiu à política de cassar o mandato de Nikolas Ferreira por transfobia. Ela disse: “Estamos falando de um homem, no Dia Internacional das Mulheres, que tirou nosso tempo de fala para trazer uma fala preconceituosa, criminosa, absurda e nojenta. A transfobia ultrapassa a liberdade de discurso, garantida pela imunidade parlamentar. Transfobia é crime no Brasil”. Novamente aparece o conceito ditatorial de “fala criminosa”, essa ideia não pode existir em uma democracia. O direito à liberdade de expressão é uma das principais bases de qualquer regime democrático. O fato de Tábata Amaral defender essa política mostra como o identitarismo é reacionário. Ela é uma representante do imperialismo no Brasil, uma neoliberal de carteirinha. E o fato de Boulos fazer frente com ela mostra como ele e o PSOL são direitistas.
O principal é que a política de censura de deputados é o caminho para a censura de toda a população. Se o deputado mais votado do Brasil, do partido do ex presidente,, com a maior bancada do Congresso, pode ser cancelado, ninguém no Brasil está a salvo. É isso que deseja o imperialismo “democrático”, que o identitarismo seja dominante em toda a sociedade. Assim, fica a critério do poder local quem será reprimido, dado que é quase impossível que alguém em algum momento da vida não faça um comentário “LGTQIAfóbico”. Os próprios identitários quando começam a falar acabam gerando brigas entre si que, dependendo da situação política, servem de base para reprimir o setor mais fraco. Há o caso famoso de Djamila Ribeiro usando uma notificação extrajudicial para reprimir uma militante do movimento negro que possuía a pele mais clara, o seu crime seria o “colorismo”.
Além disso, essa sanha identitária apenas aumenta a força da extrema-direita. O deputado Nikolas Ferreira expôs uma opinião bem comum na sociedade brasileira. Ele não falou em assassinar, prender, torturar; ele atacou as mulheres trans alegando defender as mulheres cis. O seu cancelamento apenas fortalece a oposição. O movimento LGBT, se realmente quiser libertar esse setor oprimido da população, precisa responder esses argumentos, mostrar como a população trans não irá gerar uma maior opressão da mulher etc. Se não houver esse debate, o setor mais conservador da população irá se manter do lado de Nikolas Ferreira, que aparece como vítima dos ataques dos identitários.
Essa é também uma das maiores críticas ao identitarismo, a sua ineficiência. A tática da censura, do cancelamento a criminalização não resolve a questão da mulher, do negro, dos índios e dos LGBTs. Os últimos anos mostraram que o identitarismo é tão impopular que ele fortalece a extrema-direita, que, por sua vez, fortalece a opressão desses setores. Um movimento real dos oprimidos não conseguira dar força ao bolsonarismo. É com esse movimento que se deveria combater a política de deputados como Nikolas Ferreira. Ele se aproveita da impopularidade do identitarismo para aumentar a sua, e assim defender a política da direita que destruiu o Brasil por nestes últimos quatro anos, afetando a vida de todas as minorias e principalmente da classe operária.