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Lavajatismo de esquerda

Arcary quer que justiça puna as pessoas por aquilo que desejam

Valério Arcary repete a mesma tese de que os eventos do dia 8 de janeiro foram uma tentativa de golpe, com a novidade de que os golpistas queriam inspirar os militares a aderir.

Golconda - Renné Magritte

Valério Arcary encampou a tese da tentativa de golpe na invasão dos prédios públicos pelos bolsonaristas, no dia 8 de janeiro, em Brasília, e não há quem o demova dessa ideia. Desta vez, em matéria intitulada “Foi ou não uma tentativa de golpe?”, sustenta que os manifestantes deveriam ser punidos não pelo que fizeram, mas por aquilo que gostariam de ter feito.

Vejamos: um sujeito desfere um soco em outro e lhe quebra um dente. Se for descoberto que a intenção seria a de matar, o autor do soco deveria ser preso, segundo Arcary, por tentativa de homicídio, não por lesão corporal. Do mesmo modo, se um sujeito aplica um soco e mata o desafeto, e se descobre que desejava, quando muito, quebrar-lhe um dente, deveria condenado não por homicídio, mas a reparar o dente quebrado.

A ideia de que houve uma tentativa de golpe no dia 8 não se sustenta, por isso, cada vez vão se adicionando remendos. É como nos desenhos animados, quando uma personagem desesperada tenta reparar um dique e a cada buraco tapado esguicha água por uma nova fresta.

Desta vez, Arcary toma o cuidado de numerar seus parágrafos, mas não chega a subdividi-los em versículos.

No parágrafo 1, discute se “o centro da controvérsia mais séria é se o 8 de janeiro foi ou não uma tentativa de golpe de Estado e se existiu ou não cumplicidade de oficiais das Forças Armadas”. Para Arcary, aqueles que discordam da ‘tentativa de golpe’ são liberais, em sua maioria, mas tal ideia encontra eco em círculos de esquerda. Enumera os argumentos em: a) era uma marcha caótica e acéfala; b) seria um delírio crer que uma invasão desarmada derrubaria o governo e c) o objetivo não seria outro que o de modo radical contestar as eleições.

De fato, as pessoas estavam desarmadas e não teriam como derrubar o governo. Esse grupo poderia ser facilmente debelado por um pequeno efetivo de segurança e sequer seria necessária a utilização de armas letais.

No parágrafo 2, sustenta que os contrários à tese do golpe cometem dois erros de método: a) “desconsideram a máxima gravidade dos fatos, aquilo que realmente aconteceu, ou seja, uma semi-insurreição que atacou os três prédios que simbolizam o poder da República” (grifo nosso). E b) “desvaloriza como irrelevante o que os manifestantes, eles mesmos, pensavam sobre o que estavam fazendo. A manifestação foi, inequivocamente, convocada sob a palavra de ordem de luta pelo poder. Não há outra forma de descrevê-la senão como uma tentativa de golpe de Estado. Esta caracterização é central para o processo de investigação e criminalização dos culpados”.

Chama a atenção que Arcary utilize o termo ‘semi-insurreição’. Segundo a definição do Houaiss, sob a rubrica de direito penal, insurreição seria “crime praticado por quem se rebela contra o poder constituído com o objetivo de destitui-lo”. No mesmo Houaiss, verificamos que o sufixo semi (do latim) denota ‘meio, metade’, reveste as noções de ‘quase’, ‘metade’ e ‘um tanto’. Mais ou menos como se os manifestantes quisessem dar meio golpe de Estado e meio que tirar Lula da presidência. O fato de os manifestantes tenham convocado uma manifestação com a palavra de ordem de ‘luta pelo poder’ muda o quê exatamente?

No parágrafo 3, Valério Arcary diz que houve um desfile até os três palácios, muitos vídeos e que os manifestantes estavam convencidos que a invasão da Câmara dos Deputados e, sobretudo, do Supremo Tribunal Federal e do Planalto teria o apoio de dezenas de milhões de eleitores bolsonaristas, e seria a fagulha para uma intervenção militar(grifos nossos). Até o momento, Arcary afirmou que o ato era uma ‘quase insurreição’, e que participantes gostariam que houvesse adesão em massa e que os militares interviessem e tomassem o poder. O crime, parece, foi essas pessoas estarem convencidas de algo.

Arcary segue afirmando que “podemos julgar que era uma expectativa demencial”. De fato… “Mas essa era a aposta política que abraçaram”. Apostar é crime? Até outro dia não passava de uma contravenção. Enfim. E nos alerta: “Desconhecê-la, desprezá-la ou ignorá-la não é somente um erro de análise. Trata-se de omnipotência ou desonestidade”. E seria honesto punir pessoas por aquilo que elas desejam fazer, e não por aquilo que fizeram?

A fuga do Capitólio

Embora Valério Arcary, espertamente, tente evitar no começo do texto a comparação com os eventos nos Estados Unidos, afirmando que o debate “não se reduz à discussão comparativa de semelhanças e diferenças entre a invasão dos palácios bolsonarista, e o ataque impulsionado por Trump ao Capitólio de 6 de janeiro de 2019”. Não tem como escapar, pois esse é exatamente o ponto.

Quando houve a invasão do Capitólio, imediatamente a imprensa independente, que quase em sua totalidade apoiou Joe Biden, começou a tratar o evento de tentativa de golpe e terrorismo. Embora nunca tenha conseguido provar que um bando desarmando e um sujeito com um chapéu com chifres fossem capazes de derrubar o governo do país mais poderoso do mundo.

Infelizmente, para Arcary, é impossível escapar da comparação, pois a natureza dos dois eventos é idêntica. É impossível sustentar que os manifestantes nos Estados Unidos pretendiam dar um golpe de Estado, e também é impossível provar que isso seria possível no dia 8 de janeiro em Brasília. Por isso é preciso recorrer a malabarismos, a artifícios à la Sérgio Moro, para condenar tais pessoas por tentativa de golpe.

O texto de Arcary tem dez parágrafos, mas não pretendemos massacrar ninguém analisando um por um. Mas podemos dar uma pequena demonstração do que vem pela frente: “julgam a natureza do evento pelos seus resultados”, “Quem reduz a análise aos efeitos faz teleologia, uma forma de pensamento mágico”, “campo de possibilidades”, “esperavam que os tanques iriam sair às ruas”,

“As pesquisas de opinião disponíveis até agora são, ao mesmo tempo, alentadoras e preocupantes” [essa esquerda não sai de casa sem antes consultar o Data Folha].

Punição

O resumo do texto de Valério Arcary é o seguinte: “O governo Lula deve ser consciente que a repressão deverá ser implacável”. Porém, essa punição será dirigida exclusivamente àqueles que não têm muita importância.

O truque é o mesmo que estão usando na grande imprensa, estão fechando o foco nos sujeitos com a camiseta da Seleção para não terem que tratar daquilo que realmente interessa: o uso que o Comando das Forças Armadas fizeram dessa manifestação para dar um recado muito claro e enfraquecer o governo Lula.

A grande imprensa trata os manifestantes de golpistas e terroristas porque quer esconder os militares. Arcary, e o restante da esquerda que também repete sem cessar ‘golpistas’ e ‘terroristas’ e grita por punição, o faz porque não quer, ou teme, encarar o problema. E o motivo é óbvio: será preciso mobilizar as massas para dar apoio ao governo Lula. Mas a esquerda pequeno-burguesa não se apoia no povo, aposta todas suas fichas nos votos e nos cargos parlamentares.

O ambiente político, como se vê, está impregnado de práticas lavajatistas dentro da própria esquerda, que acha certo tratar tudo com punição, cadeia e censura. A esquerda abandonou a luta política e se empenha em fortalecer o Estado para que este garanta a ‘democracia’. Mas o Estado burguês só pode, no máximo, garantir a democracia burguesa que, por definição, exclui a classe trabalhadora, que sempre será vítima de sua mão de ferro.

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