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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Agenda identitária avilta memória do Padre António Vieira

Padre Vieira, que escapou das garras da Santa Inquisição, tem memória vilipendiada por identitários

Graças à diligência do deputado Chico Alencar e da vereadora Mônica Benício, ambos do PSOL/RJ, e à omissão do prefeito Eduardo Paes (PSD/RJ), foi aprovado um projeto de lei municipal que proíbe a prefeitura de instalar e de manter na cidade monumentos que homenageiem escravocratas, eugenistas e violadores de direitos humanos. Em um processo que tramitou a portas fechadas, o padre António Vieira, que, em vida, conseguiu escapar das garras da Santa Inquisição, agora, 326 anos após sua morte, teve seu busto removido dos jardins da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

À parte o lado questionável (e os aspectos ridículos) desse tipo de política, chega a ser espantoso que a universidade católica, afinal uma instituição privada, cujos jardins não são exatamente um logradouro público, se tenha apressado em acatar a tal “lei”, retirando a estátua do padre Vieira, agora tachado de “escravocrata”. Resta saber se suas obras serão banidas das bibliotecas da universidade (que, aliás, tem um cátedra que homenageia o escritor) ou, quem sabe, queimadas em praça pública (ou nos jardins privados da escola). Quem pode responder é Mônica Benício, ex-aluna da instituição, que, ocupada com outros temas (como o movimento “por uma cidade sapatão”), talvez nunca tenha tido tempo de ler nada desse que é um dos maiores escritores da língua portuguesa.

Pode dar-se o caso também de tamanha demonstração de ignorância ser uma provocação. Consta que a obra foi doada pela Câmara Municipal de Lisboa em retribuição a um busto do escritor Machado de Assis oferecido à autarquia lisboeta em 2008. Os departamentos de letras das universidades brasileiras, como temos visto, andam às turras com os pares portugueses, dos quais querem distância, chegando mesmo, uns e outros, a sugerir que a língua falada no Brasil já não é o português. Na prova de linguagens do Enem, o exame nacional do ensino médio, nenhum autor português – a única referência a Portugal era negativa e suscitava a questão da “língua brasileira”.

Segundo o cineasta Estêvão Ciavatta, diretor de um recente documentário sobre o que seria a “língua brasileira”, “o que melhor representa essa riqueza cultural do nosso país é mesmo a nossa língua. Uma língua que mistura quimbundo, inglês, tupi, francês e yorubá —e que deve ter o nome do seu povo!”. Assim, o que se fala no Brasil, convém destacar, na opinião dele, é uma mistura de quimbundo, inglês, tupi, francês e yorubá – o português nem sequer entrou na salada de frutas. A ordem é “descolonizar”, expulsar as referências portuguesas, que, no entanto, são a base da nação que aqui se constituiu. Ou vamos apagar a nossa história?

O mesmo cineasta diz que, “se juntarmos a língua portuguesa formal com a riqueza do falar regional e a enorme diversidade de línguas faladas no Brasil, pensar uma identidade cultural brasileira é uma tarefa quase impossível, pois ficaremos perdidos num mar de possibilidades”. A enorme diversidade a que ele se refere são as línguas indígenas, cerca de 180, praticadas por algo em torno de 330 mil pessoas, com média de mil falantes por língua (algumas com 5 mil falantes, outras com 400 indivíduos), que, numa população de 211 milhões de habitantes, constituem ínfima porcentagem. Uma coisa é preservar essas línguas (e as pessoas que as usam!), outra é querer negar que o Brasil, com seu vasto território, seja um imenso país de língua portuguesa – pelo menos, por enquanto, pois curiosamente o novo RG, o documento nacional de todos os brasileiros (alvo de críticas por manter “sexo” onde os identitários queriam “gênero”), acaba de chegar em novíssima versão bilíngue (português/inglês).

Seria de todo lamentável que grandes autores da literatura de língua portuguesa fossem descartados em nome da agenda identitário-decolonial, sob os mais absurdos pretextos. Camões, aliás, também está na lista negra (ou cinza) da vereadora. Quanto a Vieira, diga o leitor das linhas transcritas abaixo (extraídas do “Sermão XXVII do Rosário”, pregado em 1633 no Maranhão para uma irmandade de pretos) se ele, mesmo sendo um homem do século XVII (Lisboa/1608 – Salvador/1697), lhe parece um empedernido “escravocrata”.

Os senhores poucos, e os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás como imagens vilíssimas da servidão, e espetáculos da extrema miséria. Oh Deus! Quantas graças devemos à fé, que nos destes, porque ela só nos cativa o entendimento, para que à vista destas desigualdades, reconheçamos, contudo, Vossa justiça e providência. Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem, como os nossos? Não respiram com o mesmo ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os aquenta o mesmo Sol? Que estrela é logo aquela que os domina, tão triste, tão inimiga, tão cruel? […]

Não há escravo no Brasil, e mais quando vejo os mais miseráveis, que não seja matéria para mim de uma profunda meditação. Comparo o presente com o futuro, o tempo com a eternidade, o que vejo com o que creio, e não posso entender, que Deus que criou estes homens tanto à sua imagem e semelhança, como os demais, os predestinasse para dois infernos um nesta vida, outro na outra. […]

E reduzido a poucas palavras, será este o meu assunto: que a vossa irmandade da Senhora do Rosário vos promete a todos uma Carta de Alforria: com que não só gozeis a liberdade eterna na segunda transmigração da outra vida, mas também vos livreis nesta do maior cativeiro da primeira. Em lugar das alvíssaras, que vos devera pedir por esta boa nova, vos peço me ajudeis a alcançar a graça, com que vos possa persuadir a verdade dela. Ave Maria, etc. (In: Sermão XXVII do Rosário)

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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