Num mundo em que a capilarização da economia ainda sofre com entraves das grandes potências mundiais, é importante lembrar o principal projeto não ocidental e multipolar de relações comerciais hoje no mundo: a iniciativa Cinturão e Rota, lançada pela China no início da década passada, mas efetivamente internacionalizada em 2017, quando se reuniram, pela primeira vez, os então 146 países interessados no programa. Isso já representava, na ocasião, mais de três quartos dos países do mundo.
Celebrar a também chamada Nova Rota da Seda é pensar no desafio que segue latente, de construir novas alternativas econômicas ao mundo, capazes de libertar de um modelo exclusivista e centralizado, que é a dita “globalização” ocidental, mais de uma centena de países.
Desde 2017, vários acordos e cooperações foram firmados, resultando em avanços jamais experimentados por nações extremamente vulneráveis, tais como a construção do Porto de Mombasa, no Quênia, uma zona industrial em Addis Abeba, na Etiópia, e uma linha férrea cruzando a Nigéria e conectando-se à fronteira com Níger, abrindo caminho ao mar para esse país, cercado por terra. Na Ásia, o aeroporto de Valena, nas Ilhas Maldivas, é uma obra vital para a economia do país, já que se trata de um território insular.
Na América Latina e o Caribe, tomaram parte na Iniciativa 19 países, a saber: Panamá, Trindade e Tobago, Suriname, Antígua e Barbuda, Dominica, Bolívia, Guiana, Uruguai, Costa Rica, Venezuela, Granada, El Salvador, Chile, República Dominicana, Cuba, Equador, Barbados, Jamaica e Peru. O Chile, inclusive, firmou sua adesão no Fórum de 2019, em visita oficial ao país, onde foi recebido pelo presidente Xi Jinping. O projeto chileno é o mais ousado da América, que inclui o estabelecimento programas de intercâmbio com a Universidad de Ciência e Tecnologia del Sur, para desenvolver tecnologias de informação, carros elétricos, economia digital, tecnologia 5G e energias limpas, firmando uma aliança estratégica para inovação, a exemplo do que ocorreu na cidade de Shenzen, no sul da China.
O princípio da Iniciativa Cinturão e Rota é o que mais atrai os países. Não se trata de estabelecer relações com a China, o que seria o modelo centralizador já vigente nas relações entre o dito “terceiro mundo” e as potências mundiais. Neste caso, a China trabalha pata ser um agregador de interesses, o ponto de encontro entre nações com diferentes necessidades e ofertas, de modo que elas próprias negociem entre si para chegarem aos contratos que lhes são mais favoráveis.
Oferecendo-se como mediadora dessas relações, a China torna-se, claro, uma importante referência para aquisição de bens e serviços, portanto sai ganhando com a Iniciativa. Porém, os países são igualmente beneficiados por esse ambiente de negócios, gozando de mais liberdade e equidade. Desta forma, é alcançado um dos pilares da diplomacia chinesa: a doutrina do “ganhar, ganhar”, isto é, a percepção de que o crescimento econômico e a prosperidades só são perenes quando o avanço é conjunto. Tal situação diminui os níveis de ressentimento e animosidade nas relações entre os povos, o que aumenta o grau de cooperação, colaborando para a construção de relações pautadas em outro princípio basilar da sociedade chinesa: a harmonia.
Com cinco anos completos desse evento que, no futuro, pode vir a ser estudado como um marco na economia mundial, tal como foi a doutrina Truman norte-americana, para reconstrução da Europa ocidental e Japão após a Segunda Guerra Mundial, a Iniciativa Cinturão e Rota mostra-se um farol que ilumina o caminho para a paz mundial e a economia saudável.
Como mostra-se notório, mesmo os conflitos armados hoje existentes no mundo têm fundo nas dificuldades dos países em construírem relações econômicas conjuntas. A substituição da dominação pela cooperação afigura-se mais eficaz na construção dos acordos bilaterais e transnacionais, visto que não almejam conquistar outro país para usufruir da exclusividade trocas comerciais, mas estabelecer ambiente de negócios em que, se todos os atores são iguais, nenhum tem interesse em obter ganhos insidiosos uns sobre os outros.
Para um mundo que passou por uma pandemia, e tem uma economia a reconstruir, esse princípio pode ser a única saída, pois uma cooperação internacional em rede, e não vertorizada até um ponto central, permite que pequenas ajudas se multipliquem e façam a reconstrução a pequenos tijolos, mas livres de amarras, ao contrário de um só rico provedor colocar a casa de pé, mas exigir pelo resto dos dias a subserviência do beneficiado.
Tal ideia não é novidade na diplomacia chinesa. Ao longo de cinco milênios, o povo han, o mais numeroso do país, expandiu-se e congregou 56 povos ao oferecer prosperidade a etnias orientais antes dispersas e isoladas. E, assim, construíram uma nação. Neste caso, um longo e espontâneo processo histórico foi o responsável pela construção de um país próspero e multiétnico, não havendo um planejamento central. Contudo, vale o exemplo como retrato dos princípios milenares de relações internacionais da China, que, aplicados aos princípios atuais, pode construir um cenário global de relações harmônicas e prósperas para 195 países no mundo.