fundador do socialismo científico Karl Marx ocupou muitas funções ao longo de sua vida, uma de suas principais atividades, que nos deixou textos importantíssimos, foi o seu período como jornalista, Marx foi editor de dois jornais na década de 1840. Foi nesse período, ainda em sua juventude que ele iniciou seu combate a uma das piores aspectos do regime político autoritário em que vivia, a censura. Não só ele a desafiou, como sofreu a repressão na pele e escreveu diversos textos explicando a importância do direito a liberdade de expressão. Algo que todos os que lutam pelo socialismo deveriam valorizar.
Na Prússia, país que viria a unificar a Alemanha, na cidade de Colônia, em uma das mais industrializadas regiões da Europa, em 1842 foi fundada a Gazeta Renana. Um jovem de 24 anos estudante de filosofia se tornaria o seu mais importante editor. Seus textos denunciavam o regime absolutista que existia na Prússia, o domínio da aristocracia rural, a repressão aos camponeses e em muitos momentos a própria censura. Na época a censura era institucional e o governo da Prússia possuía funcionários que liam todos os artigos dos jornais para definir se poderiam ser publicados ou não.
Marx ainda não havia criado sua teoria do socialismo, ele possuía uma posição democrática inspirada na Revolução Francesa, da qual desenvolveria o socialismo científico. Os direitos democráticos conquistados na revolução portanto eram algo crucial, um princípio que não deveria ser violado, algo que a sociedade da Prússia não havia alcançado, principalmente após a restauração absolutista que veio com a derrota de Napoleão. Sendo assim Marx escreveu diversos artigos sobre o direito a liberdade de imprensa e à liberdade de expressão.
Os artigos em defesa desse direito democrático costumavam ser escritos após tentativas de censura, um artigo sobre a questão do divórcio e outro sobre condições dos camponeses do vale do rio Mosela atiçaram a repressão em dezembro de 1842. Por isso Marx escreveu uma grande defesa da liberdade de imprensa em janeiro de 1843. Um artigo particularmente criou um alvoroço, a “Nota russa sobre a imprensa prussiana”. O próprio Czar Nicolas I se revoltou com as críticas e se comunicou com seu aliado, o Rei Frederico IV da Prússia, a partir deste momento o nível de repressão cresceu tanto que o jornal foi basicamente proibido. Marx abandonou seu cargo de editor-chefe e a Gazeta Renana durou menos de 1 mês sem sua presença.
Foi necessário uma revolução para que Marx pudesse retornar a sua terra para publicar novamente seu jornal, a Primavera dos Povos de 1848 que se espalhou como fogo por quase toda a Europa. Na Prússia a gigantesca mobilização popular começou em março e derrubou o ministério reacionário do rei, foram chamadas eleições para uma assembleia legislativa e começou a se discutir a constituição, a revolução alemã havia começado. Com a derrubada do governo reacionário a censura prévia acabou, Marx voltou o mais rápido que pode para Colonia e lançou a Nova Gazeta Renana no dia 1 de junho.

Os textos do jornal são obras-primas do marxismo, a revolução em diversos países era analisada durante os próprios acontecimentos. A análise da política por meio da luta de classes em sua forma mais bem-acabada foi feita pela primeira vez por Marx e Engels, há textos sobre as revoluções na França, na Itália, na Alemanha, na Áustria, na Hungria, na Tchecoeslovaquia etc. Estes só puderam ser escritos e publicados devido ao fim do regime de censura derrubado pela mobilização popular. Os textos não só analisavam a situação política como servia para a atuação direta dos trabalhadores que seguiam a política da Liga dos Comunistas, organização cujo Marx era um dos principais dirigentes.
Foi na Revolução de 1848 que a divisão entre a classe operária e a burguesia ficou cristalina pela primeira vez. Na França, país mais industrializado da Europa continental a revoluções e desenvolveu em um enorme levante operário em junho, descrito minuciosamente por Engels em artigos da Nova Gazeta Renana. A burguesia que inicialmente era aliada do proletariado se voltou contra ele e se aliou a todas as forças reacionárias para esmagar o levante. Algo semelhante aconteceu em toda a Europa e as revoluções foram derrotadas, na Alemanha esse processo durou até o princípio de 1849.
A revolução foi derrotada em Viena e em Berlim, as principais cidades dos dois impérios de língua alemã, era só uma questão de tempo até a contrarrevolução chegar em Colônia. Os alemães da Renania se organizaram em milícias para resistir aos exércitos invasores, o próprio Engels esteve presente organizando as barricadas, mas os revolucionários foram derrotados. Em março a censura já havia retornado, com a tentativa de prisão de um dos redatores. Em maio o próprio Marx foi exilado da Prússia. A última edição do Nova Gazeta Renana foi publicada toda em tinta vermelha, com um artigo de denúncia de sua censura.

Sendo um militante revolucionário Marx compreendia muito bem a necessidade de se ter a plena liberdade de expressão e de imprensa, isso porque o Estado reprime todos aqueles que desafiam o domínio da classe dominante, essa é a sua principal função. Ele lutou por toda a sua vida em defesa desses direitos, não só ele como todos os marxistas que o sucederam, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, Trótski etc. Sua posição pode ser muito bem resumida pela conclusão de um dos primeiros artigos que escreveu em 1842 sobre a censura na Prússia: “A cura real e radical para a censura seria a sua abolição; a instituição é em si maléfica, e instituições são mais poderosas que as pessoas.” Sigamos o exemplo de Marx.
Artigo publicado, originalmente, em 16 de fevereiro de 2022