Em artigo intitulado O governo em paradoxo, publicado no portal de notícias Brasil 247 por Aldo Fornazieri, o colunista tira a conclusão de que “não se consegue visualizar qual é a estratégia política do governo, do PT e dos partidos de esquerda no atual quadro de disputas políticas e ideológicas do país”. De fato, essas forças políticas estão completamente desorientadas, assim como Fornazieri.
Fazendo um balanço do primeiro ano do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a tese central do articulista é a de que, apesar da avaliação mediana do governo, conforme relatado por institutos de pesquisa, a economia vai bem.
“Existe uma percepção da opinião pública, em regra conformada por pesquisas, de que quando a economia vai bem os governos são bem avaliados. Mas existem exceções. Este é o caso do primeiro ano do atual mandato de Lula. Neste sentido, o governo termina o ano em estado de paradoxo”.
Os indicadores econômicos que ele usa para comprovar seu ponto, entretanto, não mostram uma situação de melhora, mas sim de, no máximo, uma estabilização econômica. Fala que “crescimento de 3%, juros abaixo do que o mercado projetava para o final do ano, inflação controlada mesmo com crescimento de emprego e renda” mostram que o País está no caminho certo economicamente são leituras otimistas de dados que não servem para representar uma evolução na economia.
O caso dos juros, por exemplo, é o que deixa isso mais claro. Fato é que os juros brasileiros são os maiores do mundo, as reduções feitas pelo Banco Central nos últimos meses não são nada perto da devastação que o imperialismo causa no País por meio da dívida pública. Afinal, ela ainda engole mais de 70% do PIB do Brasil, travando qualquer possibilidade de desenvolvimento econômico. Não há o que comemorar.
Além disso, segundo dados da Serasa Experian, 175 empresas entraram com pedidos de recuperação judicial somente no mês de novembro. Em relação a outubro, o número representa um aumento de 8%; já em relação a novembro de 2022, trata-se de um crescimento de 196,6%.
Ao mesmo tempo, o Brasil terminou novembro com 66,57 milhões de pessoas inadimplentes. Isso representa uma alta de 3,55% frente ao mesmo mês de 2022 e um crescimento de 0,54% em relação a outubro deste ano. Os dados, disponibilizados pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), ainda mostra que, dentre os adultos, 40,65% estavam negativados no mês passado.
Não se trata de nenhuma implicância com o governo, mas sim de uma avaliação factual necessária para entendermos em que pé está o governo: a debilidade na qual se encontra a economia brasileira – resultado, principalmente, do golpe de 2016 – é o que explica a tremenda dificuldade que Lula encontra em governar.
Vejamos o caso de Vladimir Putin, presidente da Rússia. Institutos estatísticos imperialistas – ou seja, com tendências a tentar mostrar uma situação pior que a realidade – afirmaram que, durante a primeira gestão de Putin (1999-2008), o lucro real aumentou em fator 2,5; os salários mais que triplicaram; o desemprego e a pobreza caíram em mais da metade; e o PIB russo apresentou um crescimento de 72%.
Esse indiscutível avanço na economia do país eslavo é o que garantiu a popularidade de Putin. Se Lula empregasse a maioria da população, acabasse com as dívidas do povo, garantisse um aumento verdadeiro no salário mínimo, garantisse alimentação e moradia para todos; ou seja, se Lula resolvesse os problemas imediatos mais importante do povo brasileiro, ele teria, mesmo que com uma oposição política da direita contra ele, um apoio popular muito maior.
Isso é o que Putin conseguiu fazer no começo de seu primeiro mandato e é isso que Lula não está conseguindo ter. É por esse motivo que o presidente brasileiro não consegue aumentar a sua popularidade, algo que aparece por meio da imprensa burguesa, que diz que os índices de aprovação caíram quando comparado ao começo de seu mandato.
Os fatos mostram que o governo Lula enfrenta dificuldade e não será o mundo mágico de Fornazieri que mudará o quadro geral, mas com a compreensão do que realmente está acontecendo. O presidente não consegue implementar a política para o qual foi eleito por estar sendo ativamente sabotado pela burguesia brasileira.
Então, demonstrando seu otimismo digno de uma criança, Fornazieri imagina um mundo em que Haddad teve uma atuação tão exemplar no Ministério da Economia que conseguiu arrefecer os ânimos do Banco Central de Campos Neto para avacalhar a economia brasileira:
“Outros fatores também foram importantes: a convergência entre a política monetária e fiscal geraram confiança e credibilidade no governo. Em grande medida isto se deveu ao ministro Haddad que conseguiu viabilizar a nova política fiscal e anular o estresse na relação do governo com o Banco Central”.
Mais uma vez, a taxa de juros do Brasil é uma das mais altas do mundo. O tamanho da dívida pública é suficiente para mostrar que, se há uma relação sob “estresse”, essa relação é entre o presidente Lula e o Banco Central presidido por um bolsonarista do capital financeiro.
O colunista ainda utiliza a reforma tributária como sendo uma das provas do bom trabalho feito por Haddad enquanto chefe da pasta, afirmando que sua aprovação ajudou a melhorar “a percepção de risco das agências internacionais e de investidores”.
Ora, a reforma tributária só foi aprovada porque ela é de interesse da burguesia. E mais: o texto final mostra que, na reforma, só foi aprovado aquilo que era de interesse da burguesia.
O problema não é que foi aprovada uma reforma precária e insuficiente. Apesar de manter o imposto sobre o consumo e sobre o trabalho, os que mais oneram a população pobre do País, ela possui um aspecto positivo que é o de simplificação do sistema tributário na totalidade.
Esse aspecto positivo, entretanto, não é resultado de alguma batalha que Haddad travou contra o Congresso, mas sim do fato de que essa já era uma reforma histórica no País, precisava ser feita há muito tempo.
Ou seja, sua aprovação não serve para mostrar que a suposta força do governo. Pelo contrário, mostra que, mesmo sendo uma reforma de interesse da burguesia, o governo Lula ainda teve que gastar dinheiro liberando emendas parlamentares para fazer com que os diabos do Congresso não despedaçassem completamente a sua proposta inicial.
Então, Fornazieri revela qual é o “paradoxo” que ele cita no título de seu artigo:
“Se as coisas estão muito melhor do que as projeções na economia, então onde está o estado de paradoxo? Na percepção que a sociedade tem do governo. As seis ou sete pesquisas de avalição [sic] do governo neste final do ano apresentam a seguinte síntese: de modo geral existe uma estabilidade de janeiro a dezembro, mas com tendência de queda, tanto na avalição [sic] do governo, quanto do desempenho do presidente Lula. A situação não é desastrosa, mas é preocupante.”
Nisso, temos que concordar com o colunista: caso o governo mantenha seu rumo, sua popularidade deve, de fato, cair. Mas isso é resultado, como foi dito anteriormente, de um problema econômico que não consegue ser solucionado por conta de uma sabotagem política ativa contra Lula. Porém, não é nisso que Aldo acredita, revelando sua completa desorientação política.
“Existem duas áreas nevrálgicas em que o governo não vai bem: a articulação política e a Comunicação. Os principais expoentes da Câmara e do Senado, aqueles que efetivamente decidem, chegam a ignorar a articulação politica […] Quanto à Comunicação, alguns analistas argumentam que ela está dificultada porque o governo não consegue tornar visível um projeto claro e coerente rumo ao futuro”.
Com articulação política, Fornazieri quer dizer o seguinte: se o governo “comprasse melhor” os deputados, ele teria resultados melhores no Congresso. De acordo com dados da Secretaria de Relações Institucionais, entretanto, em 2023, foram destinados R$34,6 bilhões em emendas, enquanto que, em 2022, foram R$16,8 bilhões. Uma alta de 106,14%.
O problema claramente não é esse, mas o fato de existir uma oposição organizada ao governo, que se fortalece porque a correlação de forças é desfavorável ao governo. Nesse sentido, não tem articulação política que resolve. É, inclusive, uma ideia perigosa porque, durante o golpe de 2016, se falava muito que Lula iria resolver o golpe com suas articulações políticas, que ele iria “dar um jeito”. O resultado, Fornazieri já conhece.
Em relação à comunicação, é, de fato, um problema, mas não pelos motivos atribuídos por Fornazieri. O problema da comunicação do governo Lula é que ela não é direcionada para explicar à população quais são os principais problemas que o governo enfrenta e mobilizá-la para resolvê-los combatendo a direita. “Os formatos da comunicação do presidente Lula não emplacaram”, afirma o colunista, mas o problema não é esse.
O problema fundamental é o objetivo do governo do PT. Este deve ser mudar a correlação de forças, algo que está acima de qualquer articulação política e/ou problema relacionado à comunicação.
Mais adiante, o autor diz:
“Existem inimigos inconciliáveis com o atual governo. Inimigos que ficaram desorientados logo após o 8 de janeiro, mas que foram se reconstituindo ao longo dos meses, tanto no Congresso, quanto nas redes sociais e na opinião pública.”
Esse trecho mostra como Fornazieri não entende o problema da correlação de forças, pois quem ficou desorientado com os atos de 8 de janeiro foi o governo e não a extrema direita.
O colunista fala como se essas manifestações fossem o desfecho de um movimento golpista – o que, de fato, configuraria um fracasso -, mas não, foi o início de uma mobilização que, em primeiro lugar, serviu para desmoralizar o governo que havia acabado de tomar posse.
Ainda em relação a esse problema, ele diz:
“O governo, o PT e as esquerdas tiveram uma oportunidade de ouro para derrotar politicamente o bolsonarismo após a tentativa de golpe. O enfrentamento forte não foi feito e o momento foi perdido. O único que parece ter percebido esta necessidade foi Flávio Dino. Sua ida para o STF deixará um vácuo político enorme no governo.”
Está mais perdido que cego em tiroteio! Dino, enquanto ministro da Justiça, foi um dos culpados por deixar o 8 de janeiro acontecer. Mais grave que isso, ele é um dos maiores responsáveis por preparar o golpe – este, diferente das manifestações de 8 de janeiro, de verdade – que pode acontecer contra Lula. Golpe preparado por meio do apoio e do estabelecimento de medidas autoritárias que atacam os direitos democráticos do povo.
Finalmente, o governo não está em meio a um “paradoxo”, está em profunda contradição com a burguesia brasileira e o imperialismo. O problema é que o PT capitula frente a essa contradição, quando, na verdade, deveria estar mobilizando o povo para derrotar a direita e reverter a destruição que o golpe causou no Brasil.