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Debate

A concepção de um partido marxista sobre as drogas

As drogas são um problema social grave, mas isso não significa que o Estado deve reprimir. É preciso legalizar as drogas

No último dia 10, o Esquerda Online, sítio do Resistência, corrente interna do PSOL, publicou um artigo que procura estabelecer um debate com as posições da Unidade Popular (UP) sobre as drogas. Para isso, “ressuscitaram” quatro textos da UP, dois de 2020 e dois 2021 sobre o tema.

Se a posição da UP ainda for aquela expressa nas citações destacadas na matéria do Esquerda Online, não há dúvida que o grupo adota uma posição moralista sobre as drogas. Pior ainda, embora haja, do ponto de vista da concepção filosófica do tema, colocações relativamente corretas do grupo, nas conclusões políticas gerais, a posição da UP é profundamente contrarrevolucionária.

Essa posição moral da UP é o que impede o grupo de colocar como reivindicação a legalização das drogas. A proibição é uma lei moral, não existe crime real nem no uso nem na venda de drogas. Esse crime artificial é a maior causa de encarceramento de pessoas no mundo todo. Não defender a legalização das drogas é adotar uma posição repressiva, é apoiar que o Estado burguês reprima milhares e milhares de pessoas.

É até espantoso que, diante dessa realidade assustadora contra os trabalhadores e a juventude, um partido de esquerda não levante a palavra de ordem de legalização das drogas.

Isso não tem nada a ver com a posição filosófica do problema. É importante distinguir bem as duas coisas, e é aí que tanto a UP quanto a Resistência falham, cada um, a seu modo. A primeira adotando uma política reacionária que não combate ou até apoia a repressão, a segunda apelando para um individualismo, para justificar o uso de drogas.

A esquerda pequeno-burguesa costuma analisar as coisas moralmente. Por exemplo, como o uso de drogas está na moda entre a classe média e a burguesia, existem duas posições extremas: aqueles que acreditam que defender a legalização das drogas passa por ter que usar drogas e aqueles que acreditam que para ser contra o uso de drogas é preciso ser contra a legalização das drogas. Ambas são posições morais. A posição de um marxista, ou seja, a posição política correta de um revolucionário é a seguinte: reconhecer que as drogas são nocivas socialmente, que são incompatíveis com a filosofia socialista, de luta, ou seja, de tomada de consciência, mas defender a completa legalização das drogas porque não se pode transformar algo moral em crime. É preciso mudar a sociedade, não tentar impor um ponto de vista às pessoas.

Em resumo, uma pessoa não precisa usar drogas para defender a legalização das drogas.

Dito isso sobre a concepção expressa nas matérias da UP, vejamos alguns pontos levantamos no artigo do Resistência que tenta justificar o uso de drogas, embora não diga isso com todas as letras. O artigo se preocupa mais em criticar as concepções filosóficas da UP, que, embora não sejam perfeitas, não estão erradas de conjunto. Para isso, acaba caindo numa análise individual do problema.

A primeira coisa que deve ser dita é que a análise do problema das drogas precisa ser social. O problema aqui está muito longe de se reduzir ao estudante na universidade, ou a uma pessoa de classe média em seu apartamento fazendo uso de drogas. É preciso olhar o mundo real.

Alguns exemplos históricos são importantes para entender isso. A questão do ópio na China, introduzido pelo imperialismo, quase desmantelou o país como uma doença muito contagiosa. Qualquer um sabe que as drogas foram introduzidas na população negra norte-americana como forma de desmantelar o movimento negro e degradar a própria população. O consumo de drogas pode ser devastador para uma sociedade. Aqui, não é uma questão de fazer mal à saúde, mas é um problema social.

A UP afirma que as drogas são “alienação” e fuga da realidade, o artigo do Resistência, na falta de argumentos, tenta dar uma “carteirada”, utilizando Marx para explicar alienação. Mas essa citação não explica nada, serve apenas para acusar a UP de estar usando o conceito de alienação de maneira vulgar.

Fato é que, independentemente do uso senso comum da palavra alienação pela UP, as drogas são uma fuga da realidade. Sobre isso, o artigo do Resistência não diz nada, ou diz muito pouco, prefere desconversar:

“Em partes é verdade que o uso de drogas pode ser utilizado pelos capitalistas como forma de amortecer o processo de tomada de consciência, através da fuga de uma realidade difícil.”

Sendo verdade “em partes” ou inteiramente, qual seria a avaliação política do Resistência? Ficamos sem saber. Porque logo depois, o artigo se envereda para uma explicação que não tem nada a ver com o debate:

“No entanto, vários estudiosos, sendo ou não marxistas, já comprovaram cientificamente que a disciplina e o combate ao tempo ‘ocioso’ (…) é muito mais eficiente na tarefa de alienar os/as trabalhadores/as do produto de seu próprio trabalho. O clássico de Max Weber, em ‘A ética protestante e o espírito do capitalismo’ afirma que o desenvolvimento do capitalismo foi atrelado à difusão de uma ética centrada na disciplina, na ideia de trabalho enquanto dignificante e uma moral apoiada em um tipo cristianismo que, se você trabalhar duro e seguir as regras morais da família cristã burguesa, a mudança de classe social é possível”

Muito interessante a citação do sociólogo anti-marxista, Max Weber, mas e sobre o problema das drogas serem uma fuga da realidade? O que a Resistência tem a dizer? O uso de Weber, que tem uma análise idealista, portanto anticientífica, do capitalismo, revela a falta de argumentos. Logicamente que a ideologia dos capitalistas é a de que o trabalhador precisa se dedicar para conseguir mudar de classe social, embora essa não seja, como quer Weber, a essência do capitalismo. Mas o debate aqui não é esse, mas o efeito social que as drogas produzem.

Se as drogas fazem fugir da realidade como até mesmo concorda “em partes” o Resistência, qual deveria ser a posição dos marxistas sobre esse ponto especificamente?

Ao invés de tergiversar, sejamos mais simples. Para saber o que Marx pensava sobre as drogas, vamos a uma frase muito conhecida dele, mas que em geral é interpretada unilateralmente. Na “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, ele afirma:

“A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo.”

Marx achava que a religião era uma forma de fuga da realidade, ou nas palavras dele “felicidade ilusória do povo”. Para isso, usou o ópio como metáfora. Marx achava que a religião deveria ser suprimida, não no sentido repressivo, mas crítico: “a crítica da religião é o germe da critica do vale de lágrimas que a religião envolve numa auréola de santidade.” O ópio, ou seja, as drogas, tem uma mesma função análoga à da religião. Uns consomem o ópio outros consomem um tipo espiritual de ópio, que é a religião.

Se como revolucionários queremos que a população seja mais consciente, não faz o menor sentido estimular o uso de drogas.

Sem entrar no mérito do problema, o artigo do Resistência diz:

“Uma questão para reflexão: se o uso de drogas amortece tanto a necessidade da luta por uma outra sociedade, qual a explicação então para a existência dos movimentos antiproibicionistas que possuem perspectivas anticapitalistas?”

O argumento não faz o menor sentido. A luta pela legalização das drogas não tem nada a ver com isso. Há uma necessidade, por parte dos que usam drogas, de lutar por esse direito por um interesse concreto dessas pessoas e não há nada de errado nisso. Uma parte dessas pessoas vai compreender que para lutar por isso, é preciso lutar contra o Estado capitalista. Isso não explica o problema filosófico das drogas.

A partir desse problema, o artigo contesta a política interna da UP sobre o tema:

“Quando estabelecem o critério mínimo de que os militantes precisam parar de usar drogas para que sigam desenvolvendo-se na organização, os companheiros demonstram uma necessidade de controle, disciplina e autovigilância que, para nós, é perigoso ser reivindicado nas fileiras da esquerda revolucionária. A necessidade de controle dos nossos camaradas de partido – veja bem, não estou falando de orientação, que é comum em organizações centralizadas –, do que fazem ou deixam de fazer com os próprios corpos, não pode se assemelhar ao tipo de controle que o capital tenta nos impor.”

Essa colocação apenas revela que a Resistência abandonou qualquer ideia de um partido revolucionário, disciplinado e centralizado. Deveria ser óbvio que o partido deve ter modos de conduta e precisa estabelecer normas para se preservar.

O Esquerda Online apresentam uma velha tese anarquista de que a organização deve refletir a sociedade que defendemos no futuro. Marx explicou que o partido precisa estar de acordo com os objetivos da luta. Deveria ser óbvio que, se a introdução de drogas dentro da organização pode ser um pretexto para a repressão, os militantes não devem se envolver nisso. É uma questão elementar de segurança que a Resistência, que vive dentro da universidade, não tem a menor ideia de como acontece.

A concepção filosófica e a política da Resistência sobre as drogas é anti-marxista, embora apresente corretamente o problema da legalização. Mas mesmo aí, a Resistência parece ter medo de falar abertamente que é preciso legalizar todas as drogas.

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