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Greve das montadoras

A classe operária enfrenta o imperialismo nos EUA

Em 15 de Setembro de 2023, os operários das três maiores montadoras dos EUA, a Ford, General Motors e Stellantis (antiga Fiat) paralisaram suas atividades

Para muitos, ela estava inativa, sem nenhum papel no quadro político do século XXI. Alguns chegaram a argumentar que, com o avanço tecnológico, e a redução do número de operários, a classe operária praticamente havia desaparecido no mundo da indústria 4.0. Mas eis, que, de repente, em pleno centro do imperialismo mundial, os metalúrgicos da indústria automotiva, núcleo tradicional da classe operária, entram em greve e colocam a burguesia em pânico diante de sua força e capacidade de organização.

Em 15 de Setembro de 2023, os operários das três maiores montadoras dos EUA, a Ford, General Motors e Stellantis (antiga Fiat) paralisaram suas atividades em várias fábricas destas empresas. O sindicato da categoria United Auto Workers (UAW) abriu as negociações com a exigência de um aumento salarial de 46% em quatro anos, o restabelecimento das pensões tradicionais (que tinham sido eliminadas nas negociações anteriores), a redução da jornada de trabalho e a sindicalização dos trabalhadores das fábricas de produção de baterias. 

O sindicato limitou as greves a três fábricas operadas pela Ford, GM e Stellantis, fabricante dos veículos Jeep, Dodge, Chrysler e Ram, entre outros. A estratégia adotada pelo presidente do sindicato, Shawn Fain, é absolutamente inteligente, pois impõe desorganização e prejuízos aos patrões e evitam as perdas de salários aos seus membros. No passado, o sindicato normalmente fechava empresas inteiras.

O sistema de produção norte-americano está altamente interconectado, o que significa que a estratégia de ataque direcionado do UAW terá efeitos repercussivos nas instalações que não são diretamente alvo de paralisações de trabalho. A decisão de atacar três fábricas de montagem criou o caos na Ford e na GM depois que os patrões transferiram produtos de algumas fábricas de motores, na suposição de que essas fábricas essenciais seriam atingidas – mas não foram. 

Na Ford 600 trabalhadores da fábrica de montagem em Michigan foram avisados para não se apresentarem ao trabalho por causa da escassez de peças causada pela greve. Na General Motors as greves dos United Auto Workers estavam interrompendo a produção em instalações que não estavam em greve, deixando paralisadas centenas de funcionários. A própria GM informou que seria forçada a encerrar a produção em uma fábrica em Kansas City, Kansas, que monta sedãs Chevrolet Malibu e veículos utilitários esportivos Cadillac XT4. A fábrica depende de componentes fabricados em uma fábrica da GM em Wentzville, Missouri, perto de St. Louis, onde os trabalhadores deixaram o trabalho. Cerca de 2.000 pessoas ficarão temporariamente paradas.

A mídia americana divulga notícias sobre os supostos problemas que a greve pode causar à economia americana como forma de pressionar o movimento. Na verdade, a greve é um resultado, talvez temporário, da situação positiva da economia para os trabalhadores. O baixo nível de desemprego e a oferta de vagas maior do que a procura oferece aos trabalhadores vantagem para aumentar suas demandas. A campanha contra emigração feita pelo Governo Biden também contribui, limitando a entrada de imigrantes latinos mais propensos a aceitar baixos salários por um emprego na indústria.

A greve assumiu uma atitude classista evidente, devido às atitudes que as empresas vêm tomando ao longo do tempo. A pandemia radicalizou muito os trabalhadores americanos, , que tiveram de trabalhar durante todo o período da doença e muitos sequer receberam acréscimo por insalubridade. Porque, enquanto eles arriscavam a vida, os empresários tiveram altos lucros e não investiram em melhores condições de trabalho, saúde e segurança. Agora, quando foram negociar acordos coletivos e tratar de temas como salário e direitos, a resposta foi que não havia dinheiro para isso. De acordo com o The Economist, só em 2020, os CEO das 350 maiores empresas americanas ganharam em média 24,2 milhões de dólares, ou 351 vezes o salário de um trabalhador médio. Essa tendência de alta de lucros vem ocorrendo desde 1978, quando os CEOs das principais empresas dos Estados Unidos viram seus salários aumentarem 1.322%, ante os meros 18% de um trabalhador típico, segundo estimativa do Instituto de Política Econômica (EPI).

No primeiro semestre de 2023, Stellantis, Ford e General Motors relataram lucros de US$ 11,6 bilhões, US$ 3,7 bilhões e US$ 5 bilhões, respectivamente. Entre 2013 e 2022, de acordo com uma análise do Instituto de Política Econômica publicada em Setembro, os três grandes fabricantes de automóveis obtiveram lucros totais de cerca de 250 bilhões de dólares, um aumento de 92%, e os seus CEO receberam um aumento salarial de 40%. As montadoras também recompensaram seus acionistas com US$ 66 bilhões em dividendos e recompras de ações. Não é de se admirar que o lema do Sindicato seja: lucros Recordes! Contratos Recordes !

Os salários dos trabalhadores do setor automobilístico, entretanto, caíram mais de 19% desde a crise financeira de 2008, quando os trabalhadores (na verdade, a direção do UAW na época) abdicaram dos ajustamentos do custo de vida e de outros benefícios para ajudar os grandes fabricantes de automóveis a manterem-se à tona.

Por razões de estratégia eleitoral, o presidente Biden tem adotado uma atitude pró sindicatos que tem incomodado as empresas e a mídia que as defende. Mas a atitude básica do presidente é anti greve. Apesar de ter enviado seu secretário do trabalho e uma poderosa assessora para conversar com ambas as partes, em um discurso afirmou: “ninguém quer greve. Diga isso de novo. Ninguém quer greve”. Os trabalhadores ferroviários votaram pela greve por motivo de licença médica e folga, mas foram impedidos de abandonar o trabalho por uma votação no Senado dos EUA e pela aval do presidente Joe Biden. Nos Estados Unidos, o Parlamento tem o poder de impor acordos trabalhistas e impedir greves de alguns serviços essenciais. Biden argumentou que a greve de trabalhadores das estradas de ferro poderia devastar a economia do país. 

O movimento do UAW recebeu outro apoio importante, do senador Bernie Sanders, hoje um independente de Vermont. “A luta que vocês estão travando aqui não é apenas sobre salários decentes e trabalho, condições e pensões na indústria automobilística. É uma luta para enfrentar a ganância corporativa.”, afirmou.

O Perigo da intervenção da Suprema Corte dos EUA

A Suprema Corte dos EUA hoje é supremamente direitista. Desenterrou um processo antigo de uma paralisação de caminhoneiros que tem como pendência a acusação dos patrões que a greve representou prejuízos para a empresa ao resultar no empedramento de cimento nas betoneiras. Por isso a empresa processou o Sindicato dos Caminhoneiros (Teamsters) na Justiça Estadual, alegando danos aos seu patrimônio.

A legislação federal americana (National Labor Relations Act, de 1935) não permite que os sindicatos sejam responsabilizados por perdas econômicas decorrentes da greve, já que a paralisação da produção de bens ou da prestação de serviços é justamente o instrumento que os trabalhadores podem utilizar para pressionar pela negociação coletiva. 

A Suprema Corte examinará o caso, questionando exatamente este direito dos trabalhadores de não serem processados pelos empregadores por alegada violação ao seu patrimônio. A tese da empresa recorrente é a de que, no caso das exceções por dano deliberado ao patrimônio, a ação teria natureza essencialmente civil e, portanto, poderia ser ajuizada na Justiça Estadual. O problema é que já há jurisprudência negando essa interpretação e, mesmo assim, a Suprema Corte admitiu o recurso. A atual composição extremamente conservadora da Suprema Corte (especialmente em matéria sindical) tem estimulado o patronato a recorrer à corte constitucional para revisão de antigos precedentes favoráveis à classe trabalhadora. Se acolhida a tese patronal, poderá limitar ainda mais a atuação dos sindicatos americanos.

Uma onda grevista invade a “América”

Nos Estados Unidos, os sindicatos são estabelecidos por fábricas ou lojas e a sindicalização é da empresa e não dos trabalhadores individualmente como no Brasil, o que facilita a opressão e a dificulta a criação de organizações sindicais e a negociação de acordos coletivos. Mesmo assim, desde o ano passado, o país vivencia um aumento de quase 50% das greves em relação ao ano retrasado e as lutas não se restringem aos segmentos que têm os mais altos índices de sindicalizações, como enfermeiros e trabalhadores e trabalhadoras da educação.

Desde 2019, há uma nova onda de oposições com uma tendência à esquerda, que têm disputado e vencido as eleições nas organizações trabalhistas, como é o caso da UAW e do segmento de cafeterias como a Starbucks. Em novembro de 2022, a rede viu mais de dois mil trabalhadores e trabalhadoras cruzarem os braços.

Na Teamsters (sindicato dos motoristas) e na UAW, há muitos filiados ao DSA (do inglês Democratic Socialista of America). Desde anos 1930, não havia essa ligação entre dirigentes sindicais mais à esquerda e grupos políticos socialistas. O sindicalismo americano deixa de ser pelego e passa por um processo semelhante ao que ocorreu no Brasil, nos anos 1980, com o Novo Sindicalismo.

Internacionalismo brasileiro

A diretora internacional do AFL-CIO, Catherine Feingold, aponta ainda a influência de movimentos sindicais brasileiros na luta dos estadunidenses. A federação sindical, a maior dos Estados Unidos, mantém parceria com a CUT. Segundo Catherine “precisamos ter relações fortes com os movimentos trabalhistas no Brasil e em toda a América Latina”. Para o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa, as paralisações são um recado também para o processo de sucateamento de direitos trabalhistas que ocorre em todo o mundo, inclusive no Brasil. Lisboa afirma ainda que “essa mobilização representa de um lado a reação dos trabalhadores, principalmente à retirada de direitos, mas também a demonstração de que o movimento sindical pode construir suas estratégias no mundo atual. A organização da classe trabalhadora atravessa o tempo”.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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