O governo Lula nem completou um mês e já enfrenta uma ameaça golpista. Essa situação era esperada, visto o resultado apertado das eleições e a base bolsonarista, que se desenvolveu nos últimos anos. O golpismo só pode ser enfrentado nas ruas, esse é o bê-a-bá da luta política, mas não é assim que pensam alguns setores da esquerda pequeno-burguesa, que nutrem grande fé nas instituições.
Em coluna publicada no último dia 23 no Brasil 247, Bepe Damasco mostra toda a sua crença institucional. O artigo é intitulado “Operação contra o terror golpista é a maior da história” e revela a completa ingenuidade.
Após enumerar as medidas tomadas pelo Judiciário contra os bolsonaristas, “943 prisões preventivas decretadas e 454 pessoas liberadas, mas usando tornozeleiras, sem acesso às redes sociais e com passaportes confiscados, enquanto seguem sendo investigadas”, dizendo que os envolvidos no ato de 8 de janeiro “passarão uma longa temporada na cadeia”, ele elogia a ação institucional.
“Se levarmos em conta que o trabalho conjunto do Judiciário, com o ministro Alexandre de Moraes à frente, Ministério da Justiça/Polícia Federal e da Secretaria de Segurança do DF sob intervenção, com o apoio do Ministério Público Federal e Tribunal de Contas, está apenas começando, veremos que estamos diante da maior ação coordenada da história do país contra o terrorismo de extrema direita.”
É interessante ler esse trecho sem certa pena do autor. Para ele, todas as instituições golpistas que agiram contra o PT estão agora decididas a combater a extrema-direita, mais do que isso, viraram os paladinos dessa luta, muito mais do que qualquer coisa que já existiu na história. Temos a impressão que o autor do artigo tem problemas sérios de memória e se esqueceu que todos os órgãos enumerados por ele foram os responsáveis pelo golpe de 2016, pela prisão de Lula, pela eleição de Bolsonaro e pela sustentação de Bolsonaro no poder.
De repente, deveríamos acreditar que justamente esses se transformaram nos maiores inimigos da extrema-direita.
Mas a ingenuidade não para por aí. O autor crê que essas instituições vão punir severamente os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, incluindo os agentes dentro das polícias e nas Forças Armadas:
“A prioridade agora é encontrar os financiadores e organizadores do 8 de janeiro, bem como integrantes da Polícia Militar e das Forças Armadas que foram cúmplices ou tiveram participação direta na arruaça delinquente.”
Quem investigará as Forças Armadas? A situação é tão complexa que o Ministro da Defesa, José Múcio, uma espécie de porta-voz dos generais, afirmou, sem nem mesmo corar, que os generais não estão minimamente ligados aos fatos do dia 8 de janeiro.
Qual seria a autoridade de Moraes, do STF, Secretaria de Segurança, Ministério Público e todas as instituições listadas pelo autor do artigo para peitar os generais? Nenhuma! Para ter certeza disso, basta ver os acontecimentos: dos quase mil presos por Moraes todos são cidadãos comuns, bolsonaristas ignorantes, bodes-expiatórios. Os generais e os peixes-grandes apenas disseram “não temos nada a ver com isso” e as heroicas instituições apenas abaixaram a cabeça. Onde está toda essa autoridade das instituições.
O autor, em outra manifestação de crença cega, chega a afirmar que as medidas tomadas por Moraes estão todas “dentro dos marcos da legalidade democrática”. Na realidade, Moraes e sua turma cometeram uma lista gigantesca de ilegalidades e arbitrariedades e por quê? Justamente porque a ditadura baixou sobre os pequenos, contra os generais não tem ilegalidade, nem legalidade, tem força bruta.
É justamente esse o ponto que a esquerda pequeno-burguesa, cheia de ilusões, não consegue entender. Os generais são uma força real, eles detêm as armas e o controle de um exército com milhares de homens. Não basta ter um cargo para se ter autoridade. O autor do artigo se ilude com isso:
“Lula, numa muito bem-vinda demonstração de autoridade, demitiu o comandante do Exército que se insubordinara. O recado está dado: não há outro caminho possível para os militares no regime democrático fora de sua subordinação completa ao poder civil.”
Não há dúvidas nesse caso que Lula está tentando fazer alguma coisa contra a investida golpista dos militares. Mas qualquer manobra institucional é insuficiente, ninguém vai enquadrar os militares com esse tipo de jogada.
A única contrapartida para a ofensiva dos militares é opor contra essa força armada outra força de igual ou superior capacidade. Nesse caso, estamos falando do povo, da maioria do povo. Só uma mobilização da maioria da população seria capaz de deter os militares, não manobras institucionais.
O problema do analista pequeno-burguês é acreditar em tudo o que falam para ele e em tudo o que ele vê na superfície dos acontecimentos.
Os generais estão decidindo se vão dar um golpe ou não e se decidirem que sim, como e quando isso será feito. Não há Alexandre de Moraes no mundo capaz de frear isso. Não há manobra de Lula capaz de convencê-los do contrário, a não ser que ele tivesse autoridade sobre a tropa, coisa que não acontece.
Nosso autor, no entanto, acredita na democracia universal, que os militares irão se enquadrar, bondosamente, no regime democrático. Na realidade, esse regime político nem é democrático e as medidas ditatoriais que Moraes está colocando em prática agora a pretexto de combater a extrema-direita serão usadas para impor um possível golpe.
Os militares não apenas não vão se submeter ao “regime democrático” como eles têm condições de virar esse regime de ponta cabeça.
Todas essas ilusões que a esquerda têm propagado têm o perigo de formar uma cortina de fumaça para ocultar as conspirações golpistas contra o governo.