A matéria de Eduardo Guimarães, “Governo Lula tem muito a mostrar após 100 dias”, publicada no Brasil 247, nesta segunda-feira (10), traz um balanço com o qual só podemos concordar parcialmente. Precisamos reconhecer os esforços de Lula em cumprir suas promessas de campanha, mas isso não é suficiente. Primeiro, porque o Congresso tem mutilado e reduzido ao mínimo programas como o Bolsa Família e; segundo, porque nós vimos a facilidade com a qual os golpistas destruíram as mínimas conquistas dos governos Lula e Dilma.
A falta de participação popular foi a fraqueza dos primeiros governos petistas, o que se repete nesse começo de mandato. Quando Dilma Rousseff propôs a criação de comitês populares, ainda que de caráter meramente consultivo, a gritaria da burguesia foi imediata. Jornalistas como, o agora querido, Reinaldo Azevedo, veio a público dizendo que seria a ‘bolchevisação’ do governo, a formação de sovietes no Estado, que o Brasil seria transformado em uma Venezuela etc. Tudo isso porque a burguesia sabe o que significa o povo com algum poder. Dilma deveria ter insistido, pois isso poderia, talvez, ter salvado o seu mandato.
Sem os trabalhadores nas ruas, o governo vai continuar emparedado. É muito otimismo dizer que “Se considerarmos o tempo útil que Lula teve para trabalhar, foi realizado um milagre em período tão curto. E o governo mal começou”.
Para Guimarães “o que mais impressiona no feito do atual governo do país é que ele perdeu pelo menos metade desses 100 primeiros dias tentando colocar em condições de uso o equipamento do governo, ou seja, sua sede, computadores, enfim, toda estrutura de uma administração”. Antes de comemorar a reforma é necessário identificar o porquê do estrago. E os equipamentos ficaram fora de uso por obra do alto-comando das Forças Armadas, que se utilizou de manifestantes bolsonaristas para invadir a Praça dos Três Poderes e desmoralizar o governo. Não foi uma tentativa frustrada de golpe, conforme acredita o autor do artigo, foi um aviso bem-dado.
É um equívoco afirmar que o Lula conseguiu “convencer os militares a não apoiarem o golpe”, pois nenhum deles foi punido. No entanto, concordamos com Eduardo Guimarães que alerta sobre o “famigerado ‘oposicionismo pela esquerda’, o fogo amigo que tanto atrapalhou Lula neste começo tumultuado de governo”. Existe um setor da esquerda que desde o golpe de 2016, que apoiou, insiste na mesma crítica sectária aos governos petistas. Esse setor alega que o PT seria um partido neoliberal. Alguns alegam que sequer houve golpe.
Quando Lula foi parabenizado por sua eleição, ou fez visita protocolar a Joe Biden, isso bastou para afirmarem que o petista estaria no bolso do imperialismo. Lula, no entanto, foi parabenizado por Putin, está visitando a China para assinar acordos e nenhum de seus críticos veio a público dizer que o presidente estaria no bolso de Xi Jinping.
A grande imprensa
Da metade para o final de seu artigo, Guimarães exalta que o próprio grupo Globo admite que Lula “Em 100 dias, o governo de Lula cumpriu 1/3 das promessas feitas durante a campanha eleitoral. Dos 36 compromissos firmados no período e que podem claramente ser mensurados, 13 foram cumpridos em sua totalidade, de acordo com levantamento feito pelo g1. Outros quatro foram parcialmente atendidos, e 14 ainda não foram cumpridos. Cinco compromissos ainda não podem ser avaliados”.
Ora, a grande imprensa está contra o governo. Não faltam matérias criticando o aumento do salário-mínimo; campanhas a favor da manutenção dos juros extorsivos e protegendo a “independência” do Banco Central. No Brasil, o Judiciário e a imprensa são a linha de frente do golpe, as forças armadas ficam na retaguarda dando apoio.
Dentre as promessas publicadas pelo Globo destacam-se: recriação dos ministérios da Previdência Social, da Cultura, da Pesca e dos Povos Indígenas. Manutenção do benefício social em R$ 600 + R$ 150 por filho; Ampliação de Cotas raciais. Aumento da verba da merenda escolar. Retorno do programa Mais Médicos.
Houve ainda, por pressão dos identitários “um decreto de ampliação do percentual de pessoas negras em cargos do poder público. O decreto determina o preenchimento de vagas para pessoas negras em, no mínimo, 30% nos cargos em comissão e função de confiança”. Todos sabemos que esse tipo de coisa não resolve nada. Os EUA já teve presidente negro. Aqui, tivemos Joaquim Barbosa no STF, além de ministras mulheres que votaram pelas prisões ilegais de Lula ou de José Dirceu.
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se destaca por pretender o encarceramento ou aumento de penas para injúria, ou “discurso de ódio”. Ou seja, em vez de lutar por mais direitos, pleiteia a privação da liberdade.
Balanço
Do que foi feito nestes cem primeiros dias de governo, não se pode negar que haja um grande esforço para se implementar programas sociais, mas o governo está sendo sabotado, pois se esses programas vingarem, Lula aumentará sua popularidade e ficará mais difícil derrubá-lo.
Fica claro que o governo encontra uma fortíssima resistência por parte do Congresso, da grande imprensa e, principalmente, das Forças Armadas. Os militares continuam a ser promovidos, conspirando e impunes.
Está provado que programas sociais são facilmente escanteados por um Congresso golpista como este que temos. Seria necessário que o governo fizesse mudanças mais profundas na política, e isso significa que a classe trabalhadora deve entrar em cena, como, por exemplo, a convocação de um plebiscito revogatório das medidas tomadas pelo governo Temer, ou da ‘independência’ do Banco Central.
Estamos às vésperas da realização da III Conferência Nacional dos Comitês de Luta, no início de junho. Seria importante que não diretamente o governo, mas o PT, o partido do presidente, a CUT e o MST, jogassem peso no evento.
Com a classe trabalhadora participando ativamente da política, não será uma simples canetada que mandará as pessoas para casa. A direita ficaria com menos espaço para manobra e a esquerda se fortaleceria.
É preciso ser realista. Do jeito que as coisas estão, o governo Lula terá muita dificuldade em terminar o mandado e menos ainda de fazer um sucessor. Precisamos de mudanças profundas e isso só será possível com a intervenção direta das massas na política. O sucesso da direita poderá trazer momentos piores que estes que vivemos desde o golpe. O que de nenhuma maneira poderemos permitir.