Um dos erros mais graves na análise da geopolítica contemporânea é confundir o atual confronto entre a OTAN e a Rússia pelo prisma da Guerra Fria.
Naquele contexto, havia uma disputa pela hegemonia entre duas potências imperialistas, EUA e URSS, cada uma portadora de valores e ideários universais. De um lado, os EUA representavam a sociedade industrial de consumo de massa, sintetizada no chamado American Way of Life, e, de outro, a URSS simbolizava a união internacional do proletariado sob a égide de um Partido Comunista de extração marxista-leninista.
Não há nada semelhante hoje em dia. A disputa não é mais entre duas potências imperialistas, mas entre a unipolaridade imperialista estadunidense, nascida ao fim da Guerra Fria, e a multipolaridade capitaneada pela ascensão eurasiática de Rússia, China, Índia e Irã. De um lado, o fim da história descrito por Fukuyama, caracterizado pelo predomínio militar e ideológico estadunidense e das finanças transnacionais sediadas no eixo Wall Street-City. De outro, o início da história para os países do antigo Terceiro Mundo, cujo desenvolvimento econômico e social, proporcionado pela ampliação da zona de influência chinesa, pela primeira vez os eleva da condição de mera reserva de matérias-primas para a de fabricantes do seu próprio substrato material.
Nesse sentido, não cabe atualmente o “Nem Washington nem Moscou”. Moscou não representa hoje uma alternativa equivalente a Washington, mas o seu fortalecimento desafia a unipolaridade estadunidense e acelera a descentralização do poder internacional em vários centros regionais, dos quais o Brasil tem todas as condições de ser um, no âmbito da América do Sul e do Atlântico Sul.
Mas o Brasil somente o será dentro do quadro multipolar delineado pela expansão eurasiática, que, ao enfraquecer a hegemonia estadunidense, afrouxaria os vínculos de subordinação da Doutrina Monroe e libertaria a América Ibérica, da qual o Brasil é o principal país, dos vínculos históricos de alienação frente à América anglo-saxônica. A satelitização do Brasil em relação aos EUA nos condenaria à fragmentação territorial, com a “internacionalização” da Amazônia”, e ao nosso desaparecimento como Nação. O ingresso altivo e ativo do Brasil na ordem multipolar significará, por outro lado, maiores possibilidades de afirmação de um projeto nacional e civilizatório brasileiro no século XXI. Não é uma escolha difícil.
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