“Não há liberdade absoluta. Não há direito fundamental a se dizer o que se quiser. Se for, cada um sai pregando o que quiser. A liberdade não admite um liberticídio. A democracia não admite que em seu nome eu pregue a sua destruição. Simples assim. E por favor: não existem discursos — o que existe são atos de fala.”
Quem disse as palavras acima foi o jurista Lenio Streck, membro do grupo Prerrogativas, que tem lugar cativo na imprensa pequeno-burguesa. Pegando carona no “paradoxo de Popper” e na teoria dos atos de fala, advoga que a liberdade de expressão deve ter limites que assegurem a sua existência. Trata-se de um contrassenso: para que serviria a liberdade de expressão senão para dizer o que foge ao consensual? E pior: quem definiria o que pode e o que não pode ser dito? Se admitimos que alguma coisa, qualquer que seja, não pode ser dita, estamos sob um regime autoritário, jamais sob a democracia. Simples assim.
Quanto aos “atos de fala”, de fato, podemos dizer que toda fala contém uma ação ou um desejo de agir sobre o outro, persuadindo, influenciando, seduzindo, comovendo, ordenando, pedindo, aconselhando… Isso não significa que, exceto na Bíblia, dizer faça acontecer. Se assim fosse, o “Fora, Bolsonaro” já teria feito Bolsonaro sair do poder. Admira que “operadores do Direito” se apoiem em raciocínios tão simplistas sem corar de vergonha.
Temos visto que a falta de um pensamento sistemático, baseado em princípios, produz um sem-número de incoerências. É como se as opiniões estivessem em prateleiras de um supermercado, no qual se escolhesse uma ou outra pela embalagem ou pela posição de destaque na gôndola. É isso o que permite que o mesmo Lenio Streck, que, poucos dias antes, rebatia uma reportagem lava-jateira da Folha de São Paulo sobre “a inocência não inocente” de Lula, apareça como defensor dos mesmos métodos da farsa-tarefa que garantiu o golpe de Estado e a prisão de Lula.
A reportagem da Folha, cujo título começa com “Entenda por que”, é obra de um de seus repórteres lava-jateiros, notadamente o que passou meses em Atibaia “investigando” a reforma no sítio frequentado por Lula. Seu objetivo é “explicar” aos leitores do jornal “por que Lula seria inocente, mas não inocentado”. Levando o trocadilho às últimas consequências e abusando do adjetivo “técnico”, atribuído ao caráter da eliminação dos processos de Lula, o jornalista induz o leitor a acreditar que o ex-presidente se safou por “formalidades”, não por ser, de fato, inocente. Entre essas tecnicalidades está, por exemplo, o fato de ter sido acusado por um juiz ladrão fora da jurisdição dos supostos fatos.
Diante de tanta má-fé e do patente desejo de fazer que o leitor duvide da inocência de Lula, Lenio Streck publicou, no mesmo jornal, um texto em que explica que ser inocente não é menos relevante que ser inocentado. Lula é inocente, afinal, porque não pesam sobre ele acusações – as que havia foram eliminadas por vício de origem. Ora, o que o repórter considera pouco importante é justamente a regra que racionaliza o processo, evitando que alguém seja condenado sem provas, como ocorreu na Lava Jato.
O mesmo Lenio Streck, no entanto, ao dar sua opinião sobre a inclusão do PCO no inquérito 4.781, cujo objeto é “a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros […]”, teve atitude muito diferente. Apoiou de cabo a rabo a decisão do STF, cujo efeito é condenar antes de julgar, uma vez que a cassação dos canais do Partido da Causa Operária nas redes sociais é uma punição a um suposto crime não julgado, à maneira do que se viu na Lava Jato.
Ora, se um ministro, por sentir-se ofendido ao receber um apelido jocoso ou por não concordar com uma crítica à atuação da corte a que pertence pode cassar a imprensa de um partido político legal, claro está que pode vir a cassar quaisquer outros veículos de imprensa a seu bel-prazer. Segundo Streck, no entanto, “temos de aprender a fazer distinções”. Vejamos:
Além disso, o jurista aponta que a decisão do ministro não coloca veículos jornalísticos em risco. “Veja: temos de aprender a fazer distinções. E cuidar para nada usar argumentos ad terrorem. A Folha de S. Paulo não faz isso e não tem dinheiro público. Só para citar um exemplo. Se o PCO usa dinheiro público e ao mesmo tempo ameaça ministros e prega o fechamento do STF, tem de ser aplicado a ele o mesmo tratamento dado aos sites bolsonaristas. Pau que bate em Chico bate em Francisco, Paulo, PCO, etc.”, destaca Lenio Streck.
A questão, para o jurista do Prerrô, está vinculada ao dinheiro. O jornal Folha de S. Paulo, de fato, é uma empresa privada a serviço dos banqueiros, que, no momento, está interessada em arruinar a reputação de Lula e evitar que ele seja eleito, como o próprio Streck constatou em sua crítica. Vamos lembrar que o golpe de 2016 foi perpetrado pela burguesia com o empenho da imprensa e do próprio STF (“com Supremo, com tudo”).
O dinheiro público, que é legalmente destinado a todos os partidos políticos, independentemente de suas posições (por óbvio), por sua vez, é do “público”, não das instituições, muito menos dos seus membros. O PCO, caso ele desconheça o fato, não recebe o fundo partidário; recebe apenas o fundo eleitoral, cuja destinação, restrita a períodos de eleição, deve ser comprovada em detalhes. Ademais, o PCO jamais “ameaçou” ministros, a menos que se considere a proposta de extinção dessa corte uma ameaça aos privilégios e ao bolso de seus membros.
Com sua imprensa, distribuída em jornais (impresso e online), em canais no YouTube e em outras redes sociais, o PCO divulga suas ideias – e é pela força delas e por sua coerência que, cada vez mais, angaria seguidores, os quais, neste momento, são igualmente vítimas da censura. Diferentemente do que pensa a direita pom-pom e a esquerda tucana, o povo não é burro nem precisa ser tutelado.
Bolsonaro, que é o bicho-papão oficial do Brasil, nunca perseguiu ninguém por ser ofendido em redes sociais. Sua turma responde como pode ou como sabe. Pouco importa. Que vençam as ideias e seu poder de persuasão. É o jogo democrático. Quem tem medo da democracia, senhores ministros?
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