No dia 17 de fevereiro, na última quinta-feira, a Assembleia Nacional do Equador aprovou a regulamentação que permite às mulheres, crianças e adolescentes o aborto em casos de estupro. A lei foi aprovada com 75 votos à favor, 41 contrários e 14 abstenções e foi o resultado de inúmeros debates que ocorreram após quase um ano em que a Corte Constitucional alterou a lei que só autorizava o aborto em casos de estupro se a mulher fosse portadora de deficiência mental.
Em decisão formada em abril do ano de 2021, a Corte Constitucional do Equador contemplou a despenalização do aborto em casos de estupro e coube ao Parlamento sua regulamentação. Agora, após decisão final dada pela Assembleia, cabe ao presidente Guilherme Lasso sancionar a lei em até 30 dias.
As leis atuais contra o aborto no país somente permitem o aborto nos casos em que a saúde da mulher esteja em risco ou em caso de estupro se a mulher tiver deficiência mental. As mulheres que recorrem ao procedimento, sem estarem cobertas pela lei, podem ser condenadas a até 3 anos de prisão.
Contudo, apesar de ser um pequeno passo importante pela emancipação das mulheres no país, o projeto original proposto no Parlamento sofreu inúmeras alterações e teve que reduzir os prazos para poder contar com os votos de uma Casa legislativa de maioria conservadora. Desde o início dos debates no parlamento, o presidente de direita declarou publicamente que a lei seria vetada se entrasse em contradição com o mandato constitucional, pressionando para que o projeto fosse alterado.
A proponente do projeto, Johana Moreira, do partido Izquierda Democrática (ID), classificou essa votação como um sacrifício, pois o projeto final foi o resultado de quatro revisões dos prazos permitidos para a despenalização do aborto. O projeto original permitia o aborto em até 28 semanas de gestação para mulheres adultas e sem prazo para as crianças/adolescentes (menores de idade). A maioria conservadora não apoiou, não dando o mínimo de votos necessários para aprovação (70 votos) e portanto os prazos foram caindo a 22 e 18 semanas, respectivamente, até chegar ao projeto atual.
A proposta aprovada permite o aborto em gestações decorrentes de estupro em até 12 semanas de gestação para mulheres adultas. Para as meninas menores de idade, adolescentes, indígenas e moradoras de áreas rurais, o prazo é de até 18 semanas.
Segundo a legisladora Johana Moreira, apesar de ser um avanço positivo comparado à legislação anterior, não contemplará as mulheres pobres, moradoras de áreas rurais e indígenas que por sua condição de pobreza e total abandono não se dão conta que estão grávidas até a 20ª semana de gravidez.
A criminalização do aborto: mortes e encarceramento feminino
Se olharmos para o Brasil, o aborto é permitido pela lei em três casos: em caso de risco de vida para a mãe causado pela gravidez, quando a gestação é resultado de um estupro ou se o feto for anencefálico. E mesmo diante desta lei, seu acesso é dificultado social e institucionalmente. No país, os abortos legais somam apenas 1% dos procedimentos realizados no SUS, sendo que os outros 99% estão relacionados à remediação de abortos espontâneos e abortos realizados fora do sistema de saúde, os conhecidos abortos Ilegais.
Contudo, como se pode perceber pelas estatísticas oficiais, a criminalização tanto não impede que os abortos aconteçam como também sujeita as mulheres às condições mais precárias para a sua realização, o que coloca o aborto como uma das principais causas de morte materna no país.
E tanto aqui no Brasil como no resto da América Latina, e mais especificamente no Equador, tema do presente texto, o encarceramento, as mortes e a subjugação das mulheres ultrapassa e muito até mesmo os limites da lei.
Aqui no Brasil, tivemos o caso que ganhou destaque nas mídias da menina de 10 anos que, mesmo podendo realizar o procedimento segundo a lei, sofreu inúmeros ataques e pressões da extrema direita e da comunidade médica.
No Equador, dezenas de mulheres são criminalizadas por abortos espontâneos, muitas vezes sem nem saberem que estavam grávidas. Esse foi o caso de Maria, que sofreu um acidente de trabalho, teve sangramento, foi levada ao hospital sem saber que estaria grávida e, desde lá, denunciada para a polícia. Ela ficou em prisão preventiva por dois meses junto ao seu filho de três anos.
Segundo o Instituto Nacional Ecuatoriano de Censos (INEC), instituição responsável pela produção de informações estatísticas no país, 1 em cada 5 mulheres grávidas sofre aborto espontâneo. O que significa dizer que 1 a cada 5 mulheres grávidas corre o risco de ser encarcerada muitas vezes sem nem saber de sua gravidez.
O aborto como direito fundamental: pela emancipação política da mulher
Independentemente das motivações ou causas do aborto, sua legalização deve ser defendida amplamente. Trata-se de um direito fundamental das mulheres que tem como resultado o avanço em sua emancipação política frente ao Estado Burguês, um direito democrático essencial para promover a luta das mulheres pela revolução.