Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Língua portuguesa

O sujeito da oração e o sujeito da enunciação

Além do Sujeito da Sintaxe, existe o Sujeito da Enunciação, pois em toda fala há sempre o enunciador responsável por ela.

Dois dedos de prosa

Quando se ouve a palavra Sujeito em contextos gramaticais, tende-se a identificá-lo ao Sujeito da Oração; este Sujeito articula-se com o Predicado, definindo-se os termos essenciais da Oração. Esta é a primeira estrofe do poema “Cemitério alagoano”, de João Cabral de Melo Neto:

Sobre uma duna da praia
o curral de um cemitério,
que o mar todo o dia, todos,
sopra com vento antissético.

Nos versos, o “o mar” é o Sujeito do verbo “soprar”; a este verbo, articula-se o Predicado “sopra todo dia com vento antissético”. No entanto, existe outro Sujeito além desse Sujeito da Sintaxe, pois em toda enunciação existe o Sujeito responsável por ela. Dito de outro modo, em toda fala há sempre seu enunciador, seja essa fala o trecho do poema acima, sejam simples cumprimentos ditos de passagem aos amigos.

Quando o texto é enunciado, fica claro que alguém é o responsável por ele, esse responsável é o Sujeito da Enunciação. Não interessa, no caso, analisar o ser humano por trás do texto; procura-se, isto sim, descrever os modos dessa pessoa humana aparecer gramaticalmente nos textos enunciados por ela. Desse ponto de vista, há basicamente dois modos do Sujeito da Enunciação se expressar: na primeira pessoa ou na terceira pessoa. Isso precisa ser explicado melhor.

Este trecho é o famoso final do romance “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis – com objetivos didáticos, colocaram-se alguns verbos entre aspas –:

“Este último capítulo é todo de negativas. Não “alcancei” a celebridade do emplasto, não “fui” ministro, não “fui” califa, não “conheci” o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não “comprar” o pão com o suor do meu rosto. Mais; não “padeci” a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que “saí” quite com a vida. E imaginará mal; porque ao “chegar” a este outro lado do mistério, “achei”-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: – Não “tive” filhos, não “transmiti” a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”

O trecho está escrito em primeira pessoa; o “eu” quem fala no texto é a personagem Brás Cubas, ele é o enunciador do texto. Quando o “eu” é enunciado, enuncia-se também o “tu” com quem aquele “eu” se comunica; no romance de Machado, esse “tu” é o leitor, com quem Brás Cubas conversa o tempo todo. Nesse tipo de enunciação há aproximação entre o Sujeito Enunciador e a sua fala; note-se, ao longo do texto, a coincidência entre o Sujeito Enunciador e o Sujeito do Predicado das orações cujos verbos estão entre aspas.

As enunciações em primeira pessoa tendem a ser subjetivas, nelas há a impressão de o enunciador comprometer-se explicitamente com sua enunciação. Cartas de amor podem ser mentirosas, porém, porque são escritas em primeira pessoa, elas parecem sinceras; naquelas cartas, o sujeito enunciador de “eu te amo” está marcado no pronome “eu” afirmando amar alguém, indicado na oração pelo pronome “te”.

Se os textos enunciados em primeira pessoa são subjetivos, quais seriam, contrariamente, as maneiras de criar efeitos de objetividade? Cartas, diários, memórias, confissões etc. são textos escritos em primeira pessoa, pois em todos eles há a necessidade de enunciação subjetiva, todavia, o que se passa em teses, artigos científicos, relatórios, monografias etc., todos eles textos supostamente objetivos? Os enunciados das teses são bem diferentes dos enunciados das cartas de amor, mas esse é o tema da próxima coluna.

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