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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Crise

O atual processo de mudanças econômicas globais: apontamentos

A Europa convive hoje com baixo crescimento, queda dos salários reais, e aumento nos preços dos alimentos e combustíveis, produtos essenciais para o funcionamento das sociedades

A crise mundial do capitalismo pode ser muito bem ilustrada pela atual situação da Europa, que durante décadas manteve, em alguns dos seus países, o chamado Estado do Bem-estar Social. A Europa convive hoje com baixo crescimento, queda dos salários reais, e aumento nos preços dos alimentos e combustíveis, produtos essenciais para o funcionamento das sociedades. O continente europeu depende fatalmente das matérias primas e da energia originárias da zona de guerra, na Ucrânia. A indústria alemã, por exemplo, a mais pujante da Europa, e que figura entre as quatro mais potentes do mundo (junto com China, EUA e Japão), está baseada no suprimento de energia barata e matérias primas vindas da Rússia.

Essa guerra não interessa absolutamente à Europa, ela foi desencadeada por causa da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), ou seja, pelos interesses dos EUA. Para enfraquecer um dos seus principais inimigos, os EUA provocaram mais uma vez uma guerra por procuração, cujo lema deveria ser “vamos lutar até o último ucraniano”.

As sanções impostas pela OTAN à Rússia tiveram o objetivo de excluir o país do sistema capitalista global, de suas relações de comércio, de relações de trocas e meios de pagamentos. Foi um bloqueio visando destroçar, desossar, a economia da Federação Russa. Mas as sanções causaram poucos danos ao país, porque esse já vinha se preparando há algum tempo para isso, e porque já tinha experiências anteriores de sanções. Por exemplo, o país acumulou grande quantidade de reservas internacionais, inclusive em moeda chinesa e imediatamente realocou suas exportações de petróleo para China e outros países com posição independente.

Uma das inúmeras consequências da guerra é uma espécie de corrida armamentista, na qual os países aproveitam para experimentações de novos equipamentos. Em março, por exemplo, a Força Aérea Russa usou, pela 1ª vez, um míssil hipersônico na guerra. Os mísseis supersônicos andam em velocidade cinco vezes superior à velocidade do som. Ao que se sabe, não há, até o momento, sistema de defesa que consiga bloquear esse tipo de míssil. O império norte-americano, e seus aliados, obviamente estão usando também a guerra para conhecer melhor os recursos do inimigo e fazer novos experimentos.

A atitude da Rússia na guerra na Ucrânia, de não abaixar a cabeça e enfrentar o imperialismo, acelerou um processo mundial que já vinha ocorrendo lentamente, de transição de um mundo unipolar, que vivenciamos desde o fim da União soviética, para um mundo multipolar, encabeçado por China, Rússia, Índia, Irã e Turquia. Portanto, a atual ofensiva dos norte-americanos contra Rússia e China, e todos os países do Sul Global, concretizada neste momento pela ardilosa guerra da Ucrânia, na realidade é contra 87%, ou mais, da população mundial, que vivem no Sul.

A crise mundial e a postura imperialista dos EUA e seus satélites na Europa, coloca uma situação que tende a se arrastar pelas próximas décadas. Os EUA sofrem uma crise de hegemonia (econômica, militar, política etc.) e não irão jogar a toalha sem muita briga. A provocação no momento é para cima da Rússia, porém, o grande inimigo a ser batido é a China. A inteligência militar dos países envolvidos (chinesa, russa etc.) tem pleno conhecimento disso.

Possivelmente teremos uma luta de décadas para ver se a economia do mundo será uma economia dolarizada, com o comando dos EUA, ou uma economia multipolar, com várias moedas mundiais e centrada no coração da Eurásia. Os países que estão na liderança desse movimento de significativa mudança geopolítica têm os recursos naturais, normalmente têm forças armadas (inclusive com armas supersônicas) e economias muito robustas. Essa compreensão as lideranças de vários países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento já têm: Rússia, China, Irã, Índia, Paquistão, alguns países da África, e alguns países da América Latina. A percepção desse cenário perpassa, por exemplo, os discursos dos dirigentes da Rússia e China proferidos nos últimos anos.

Um cenário mundial provável, obviamente já estudado pelo Pentágono, pelos russos e pelos chineses, é de uma Terceira Guerra Mundial. Vai haver uma contradição muito grande entre esse mundo reduzido contra 87% da população Global, que vivem no Sul do mundo. Claro, esse pequeno mundo em termos populacionais, tem muito recurso de guerra. O orçamento militar dos Estados Unidos para este ano é de US$ 801 bilhões (R$ 3,9 trilhões). O segundo lugar do ranking, a China, investiu em defesa neste ano US$ 293 bilhões (R$ 1,4 trilhão). A Rússia, mesmo estando em guerra, tem orçamento para este ano de US$ 65,9 bilhões (R$321 bilhões), cerca de 8,13% do orçamento norte-americano.

Nessa disputa encarniçada a última coisa que querem os EUA é uma economia com várias moedas, como desejam os membros do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A decisão do Bloco de substituir o dólar como moeda internacional e adotar suas respectivas moedas como referência, vinda à tona lá por 2010, foi decisiva, inclusive, para os EUA perpetrarem o golpe de 2016 no Brasil, e outros praticados na América Latina. A condição que os EUA dispõem, de sua moeda ser a de aceitação mundial, uma espécie de “padrão dólar” no qual essa moeda é utilizada no mundo inteiro para fazer comércio entre as nações, é um privilégio equivalente, na área econômico-financeira, ao de ser a principal potência militar do planeta. Que fatores que podem impedir, além de uma hegemonia imperial e bélica, de serem utilizados normalmente no comércio internacional o Yuan, ou o Rubro, ou Yen?

Nesse processo de transformações estamos assistindo alguns fenômenos importantes. Por exemplo está havendo um fortalecimento do debate sobre a centralidade da indústria nacional. Como garantir segurança alimentar, energética, e de defesa nacional, (três áreas que estão muito interrelacionadas, pois não existe defesa nacional sem segurança alimentar e energética), sem indústria? Imaginem se a Rússia neste momento, em que teve que reagir à uma provocação da OTAN e está sofrendo um boicote econômico inusitado, não dispusesse de indústria básica? Estaria dependendo totalmente do fornecimento da China e de outros países que não aderiram ao boicote. Se o conflito escala e se torna mundial, é possível que essa fonte de fornecimento se fechasse e a Rússia não disporia de indústria nem mesmo para repor seu equipamento bélico.

O Brasil está inserido nesse jogo, desejando ou não, em função de sua importância global. Em função dos naturais que dispõe (incluindo a Amazônia e petróleo), PIB, território e população, o Brasil é um líder natural desse movimento de construção de uma nova ordem mundial. A forma de inserção nesse mundo depende da estratégia e de um projeto nacional de desenvolvimento.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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