“Mas o Brasil de Lula apoiou ditaduras pelo mundo afora”…
Quem já não escutou esta frase provocativa vindo dos elementos mais afoitos da direita nacional? Quem já não teve que dar explicações para quem acusa os governos socialistas de serem anti democráticos, cruéis e genocidas? Todavia, antes de explicar os governos petistas de terem uma política externa que favoreceu os países em desenvolvimento, cabem alguns esclarecimentos importantes sobre os países mais frequentemente acusados.
Em primeiro lugar, entre as nações que “os comunistas do PT” protegeram por acaso uma delas é Israel, que ocupa com armas a Palestina após uma invasão que expulsou 750 mil habitantes da região há 70 anos? Ou talvez entre estes países favorecidos pelo PT está a Arábia Saudita, uma ditadura feroz apoiada pelos americanos em troca de petróleo, que enforca pessoas em praça pública e em pleno século XX pratica penas de morte por decapitação? Sim, porque ambos estes países são idolatrados por Bolsonaro. Tanto Israel quanto a Arábia Saudita foram visitados recentemente pelo mandatário brasileiros e seus filhos. Porém, aqui cabe uma pergunta: em alguma das “ditaduras” que o PT é acusado de apoiar alguma vez um presidente foi impedido de concorrer por um golpe envolvendo um juiz e procuradores corruptos? Pois, vale lembrar, Bolsonaro se tornou presidente apenas porque o ex juiz Sérgio Moro acertou-se com o departamento de justiça americano, produzindo uma sentença condenada pela totalidade do meio jurídico independente. Este mesmo juiz posteriormente abandona a toga e se transforma no Ministro linha dura e punitivista Bolsonaro – a quem ajudou eleger. Isso pode ser considerado uma democracia?
Mas quando vocês se referem à Venezuela é bom lembrar que este país sofre um brutal embargo americano por ser um bastião da autonomia e da soberania das nações da América Latina. Seu presidente – legitimamente eleito – sofreu diversos atentados contra sua vida por forças reacionárias patrocinadas pelo imperialismo. A Venezuela está longe de ser um país socialista, quanto menos comunista, mas ousou declarar-se livre das imposições americanas para a compra do seu petróleo por preço vil. Esse país tem eleições cada dois anos, economia de mercado, imprensa livre, voto controlado e auditado por dezenas de países. Por que poderíamos chamar a Venezuela de “ditadura” mas nunca nos referimos assim à Colômbia, um país tradicionalmente controlado por uma direita brutal e assassina, associada aos Estados Unidos, onde 199 ativistas dos direitos humanos foram assassinados pelas milícias armadas ligadas ao governo, isso apenas no ano de 2020. Não seria justo chamar de ditadura um país onde lutar pelos direitos de seus compatriotas representa uma sentença de morte?
Se você chama Cuba de “ditadura”, sabia que lá os políticos trabalham de graça para o povo? Os parlamentares em Cuba, de qualquer nível (provincial ou nacional), não possuem qualquer pagamento ou salário. Geralmente seguem atuando em suas áreas/profissões, ao mesmo tempo em que atuam em suas funções legislativas. Outro fato curioso é que não existe nenhuma proibição em Cuba para a fundação de outros partidos; não há lei alguma com essa restrição. Não existe exigência de filiação partidária para a participação política. Por que seria ditadura quando existe total liberdade para organização partidária?
Em 2018 a Comissão Nacional Eleitoral de Cuba ratificou os resultados das eleições gerais. Um total de 85,65% dos eleitores exerceram seu direito ao voto e 7.399.891 de eleitores compareceram às urnas, em uma população de 11 milhões e meio de cubanos. É importante ressaltar que o voto em Cuba não é obrigatório como no Brasil, mas opcional. Cada circunscrição (agrupamento de bairros) escolhe seu candidato em assembleias abertas, o qual irá para as eleições onde todos (cidade/província/país) poderão decidir se aprovam, ou não, por meio de voto facultativo e secreto.
Outro detalhe muito interessante do sistema cubano é que algumas categorias (trabalhadores, mulheres, estudantes e pequenos agricultores) têm cotas no Parlamento, estabelecendo uma diversidade notável na política da ilha. Em 2018 as mulheres detinham 53% das cadeiras da assembleia do povo e os negros 40% – compare isso com os míseros 15% de mulheres e 24% de negros no congresso brasileiro. Esses elementos são o Poder Popular, que preserva o contato permanente entre lideranças e a base. Por que você chama Cuba de ditadura, mas não acha o Brasil uma ditadura onde quem manda são os banqueiros, os rentistas, os latifundiários e as redes de TV? (leia mais nesta reportagem de Jornalistas Livres)
E sobre a Coreia do Norte? Pois existem 3 partidos por lá e você pode ser eleito para a Assembleia Popular sem estar ligado a qualquer um deles, assim como em Cuba. Sabia que, assim como em Cuba, não existe nenhuma pessoa sem moradia ou vivendo em malocas na Coreia do Norte? Sabia que o presidente Kim Jong-Un é apenas chefe do executivo, eleito pela Assembleia do Povo, mas o país tem um sistema legislativo e judiciário independentes?
Não esqueçam que Venezuela, Cuba e Coreia do Norte sofrem embargos brutais, um verdadeiro terrorismo econômico por parte do Império americano, apenas pela ousadia de se declararem independentes do poder central do capitalismo. Estes países enfrentam a escassez de produtos porque sabem que muito pior do que isso é a subserviência aos interesses do países imperialistas. Eles são exemplos de autonomia e soberania, povos altivos que perceberam muito antes do que nós, o valor de serem livres.
Enquanto isso, em nossa democracia liberal, existem mais armas nas mãos de bolsonaristas do que em posse das polícias e forças armadas brasileiras. Apenas Bolsonaro ameaça a ordem instituída dizendo que não vai aceitar o resultado das eleições. Uma democracia em que as Forças Armadas atuam constantemente ameaçando o legítimo desejo popular pode ser descrita desta forma? Pode ser considerada um governo do povo?
Não há dúvidas de que estes países tão atacados por nossa mídia liberal burguesa têm problemas estruturais importantes. É fato que existem problemas sérios até mesmo em relação aos direitos humanos, mas é injusto acusá-los de “regimes ditatoriais” como o fazem os jornais do mundo inteiro sem conhecer sua história, suas particularidades, suas dificuldades, os crimes cometidos contra sua soberania por forças estrangeiras e seu empenho em manter independência dos poderes imperialistas que massacram populações inteiras por todo o mundo. E também é incorreto utilizar as democracias liberais como paradigmas de justeza e transparência quando, por certo, estão muito distantes dessa realidade.
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* As opiniões dos colunistas não expressam, necessariamente, as deste Diário.