A Copa do Mundo no Catar intensificou a campanha do imperialismo contra o país árabe. Os motivos são claros, a crise dos times europeus e a crescente independência do Catar cada vez mais se alinhando com a China e a Rússia. Contudo, a campanha contra o Catar possui uma particularidade que a diferencia daquela contra a Rússia. por exemplo. Ela herda a ideologia do colonialismo europeu, que controlava o país até a sua independência, em 1971. Campanha sórdida que, sobretudo, se esconde sob o arco íris identitário do imperialismo.
As nações europeias que dominaram o planeta no século XIX e que viriam a se tornar as nações imperialistas com o surgimento dos monopólios capitalistas possuíam uma ideologia muito bem definida para justificar a sua opressão. A ideia era de que os europeus eram evoluídos, cultos e civilizados e que era quase uma obrigação que eles colonizassem os países atrasados, a ideia foi resumida como “o fardo do homem branco”.
Os britânicos, que possuíam o maior império colonial de todos, foram os que melhor desenvolveram essa ideologia. Ao final do século XIX, eles dominavam a Índia, grande parte da África e do Oriente Médio, Canadá, Austrália além de serem a força econômica dominante em quase toda a América Latina e também na China. Foram nos locais em que houve uma ocupação britânica direta que essa ideologia teve o seu maior desenvolvimento, na Índia, na África e no Oriente Médio.
Uma das maiores discussões do século XIX, que era usada de exemplo para a tese do dever do colonialismo, era a da Sati indiana. Esse era um ritual comum em partes da Índia em que a viúva, após a morte do marido, se sacrificava se ateando fogo. O governo britânico da Índia proibiu a prática em 1829. A Inglaterra, assim, justificava a espoliação que realizava na Índia que a transformou de uma das nações mais ricas para uma das mais miseráveis do planeta, pois estava na verdade libertando a mulher indiana da opressão das tradições bárbaras.
Era com esse tipo de ações que se baseava a opressão de centenas de milhões de pessoas em todo o planeta pelas potências europeias. Havia os casos tradicionais também da evangelização, muito presente nas colônias da África. A prática vinha em conjunto com a criação de algumas escolas e, na melhor conjuntura possível, a construção de alguma infraestrutura como linhas férreas, voltadas para criar uma economia de exportação dominada pelas nações europeias. O que confundia o panorama porque, nesse caso, há realmente um fator de progresso.
O interessante é que, durante a maior parte do domínio colonial no Oriente Médio, a homossexualidade era ilegal também nos países europeus. Na Inglaterra, um dos maiores escritores da época, Oscar Wilde, foi preso por ser homossexual e faleceu aos 46 anos devido à situação terrível no cárcere. Nessa época, a campanha civilizada em defesa dos LGBTs do Catar passava longe da Inglaterra. Por outro lado, o controle sobre as riquezas do país era muito concreto, algo que só acabou em 1974 com a criação da estatal Qatar Petroleum.
O termo “Fardo do Homem Branco” é, na verdade, o título de uma poesia do inglês nascido na Índia Rudyard Kipling que tratava sobre a guerra das Filipinas, que foi a repressão dos EUA contra um levante da população local. No poema, ele deixa claro que é o dever do europeu ir a terras com povos “incivilizados”, “agitados e selvagens” e “meio crianças, meio demônios”. Com dito acima, a superioridade dos povos europeus dá carta branca para o seu domínio dos povos oprimidos.
É importante destacar dois fatores. O primeiro é como a ideologia se forma a partir do mundo material. A partir do momento em que as nações europeias passaram a dominar econômica e politicamente a esmagadora maioria dos povos do mundo, se formou uma ideologia para justificar essa opressão. É o mesmo que acontece, por exemplo, com o racismo e o machismo: a opressão econômica da mulher e do negro na sociedade geram essas ideologias, e não o contrário.
O segundo fator é que o identitarismo se encaixa perfeitamente com a ideologia do “fardo do homem branco”. De um modo geral, as nações imperialistas sempre terão uma conquista maior de direitos democráticos e uma situação geral de liberdade que as nações atrasadas. No que tange às mulheres e aos LGBTs, isso sempre poderá ser usado contra os países oprimidos, e visto que o identitarismo é uma ideologia repressora, ele se assemelha muito ao que era feito no século XIX. A lei de proibição da Sati, por exemplo, é semelhante ao que a Europa quer fazer no Catar em relação aos LGBTs.
É preciso, portanto, denunciar o que está por trás dessa campanha ideológica em defesa dos LGBTs do Catar e das mulheres do Irã nesta Copa. O imperialismo não tem interesse nenhum em defender os oprimidos, pelo contrário, ele se apoia na opressão desses setores em todo planeta. Essa campanha de civilização contra barbárie é a mesma do século XIX, uma campanha para esconder que o objetivo dos países imperialistas é subjugar completamente as nações oprimidas para que possam saquear os seus recursos e manter sua ditadura sob o planeta.