Artigo do jornal O Globo do último dia 30 de janeiro trás a seguinte manchete: “Faroeste à brasileira: prática de tiro vira febre com mais de mil licenças concedidas por dia no país”. O jornal burguês, capacho do imperialismo, não perde tempo em diminuir e ridicularizar o Brasil até em temas como esse. O que eles descrevem como o nosso seria de “mentirinha” comparado ao de Hollywood.
O texto ressalta que o número de registros de armas mais que dobrou de 2020 para 2021. Diz que essas novas armas estão sendo adquiridas por pessoas de poder aquisitivo alto, “verdadeiros apreciadores” de armas que tem fomentado o crescimento de empreendimentos capitalistas voltados para esse público, tais como: clubes de tiro de luxo, treinamento exclusivo para mulheres e hotéis de campo destinados à prática de “tiroterapia” em família.
O jornal afirma que obteve acesso a informações que demonstram que o número de brasileiros com carteiras do tipo CAC (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) já chegou a quase meio milhão. Esse é um dos efeitos dos 14 decretos presidenciais e outras 14 portarias de órgãos do governo Bolsonaro. Por outro lado, o projeto de lei que pode consolidar essas alterações, por enquanto precárias, ainda está em discursão no Congresso.
Os marxistas, militantes de um partido operário, como observam esses fatos?
O custo de um modelo de arma mais acessível no Brasil, o revólver 38, está em torno de R$ 3 mil. Adicionando os custos para legalizar a posse e obter treinamento chegamos a praticamente o dobro desse valor. Valor totalmente inacessível para a classe trabalhadora da cidade e do campo.
Atualmente a burguesia mantem grupos armados (jagunços, pistoleiros, grileiros e garimpeiros) que atuam no campo ameaçando e literalmente matando trabalhadores sem terra e índios. Esses sem dúvida precisariam se armar para defender sua sobrevivência. Nas periferias e favelas das grandes cidades a burguesia, sob o pretexto da guerra contra as drogas e o crime, utiliza as polícias para oprimir e matar a classe trabalhadora.
Boa parte da pequena burguesia que se diz de esquerda acredita nas leis e na polícia para combater “o crime”, é em geral “pacifista” e contra o armamento da população. Já a de direita, parece ser mais realista, pois além de acreditar nas leis e defender a polícia, também prefere se armar.
Não acreditamos que a questão do crime vai ser resolvida com leis burguesas, prisões e polícia. Afinal somos comunistas, marxistas. Mas sabemos em que sociedade vivemos e em qual fase histórica estamos. Sabemos que quanto mais democrática forem as leis dessa sociedade, mais liberdade teremos para atuar em prol da nossa causa.
Defendemos o armamento da população por motivos muito diferentes daqueles defendidos por Bolsonaro e seus gurus, apesar de haver algo aparentemente em comum: o direito democrático ao armamento. Os decretos e portarias recentes não tornaram as armas acessíveis aos trabalhadores, muito pelo contrário, facilitaram o armamento das milícias burguesas.
As palavras de V. Lenin que abaixo reproduzimos, escritas em “O programa militar da revolução proletária” não deixam dúvidas sobre os motivos da defesa do livre armamento da população em geral.
“Uma classe oprimida que não aspire a aprender a manejar as armas, a possuir armas, tal classe oprimida mereceria apenas ser tratada como são tratados os escravos. Pois não podemos esquecer, sem nos transformarmos em pacifistas burgueses ou oportunistas, que vivemos numa sociedade de classes e que dela não há nem pode haver outra saída que não seja a luta de classes. Em qualquer sociedade de classes, seja ela baseada na escravatura, na servidão ou, como agora, no trabalho assalariado, a classe opressora está armada. Não só o atual exército permanente, mas também a atual milícia, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, por exemplo na Suíça, são o armamento da burguesia contra o proletariado. Esta é uma verdade tão elementar que talvez não haja necessidade de nos determos nela em especial. Basta lembrar o emprego de tropas contra os grevistas em todos os países capitalistas.
(…)
Só depois de termos derrubado, vencido e expropriado definitivamente a burguesia no mundo inteiro, e não apenas num só país, é que as guerras se tornarão impossíveis. E, do ponto de vista científico, seria, portanto, completamente incorreto e completamente não-revolucionário se eludíssemos ou dissimulássemos exatamente o que é mais importante: o esmagamento da resistência da burguesia — o mais difícil, o que mais luta exige durante a passagem ao socialismo. Os padres «sociais» e os oportunistas estão sempre prontos a sonhar com o futuro socialismo pacífico, mas aquilo que os distingue dos sociais-democratas revolucionários é exatamente eles não quererem pensar e sonhar com a encarniçada luta de classes e com as guerras de classes para tornar realidade este futuro maravilhoso.”
O atual momento de certa flexibilização do armamento favorece uma pequena burguesia mais abastada e empreendimentos capitalistas de voo curto, mas sobretudo serve de mote para a propaganda contra o armamento, seja da esquerda pacifista, seja da burguesia. Os trabalhadores nada ganham por enquanto.