Em mais um de seus enfadonhos artigos sobre a Copa do Mundo do Catar, o articulista Walter Casagrande, ex-funcionário da Rede Globo e atual empregado da Folha de S.Paulo, decidiu defender o jogador francês Kylian Mbappé de um suposto caso amoroso com uma modelo transgênero.
O texto já começa forçando bastante a barra, dizendo que “o assunto mais falado é o possível relacionamento do craque Mbappé com a modelo trans Ines Rau”. Só se for para quem não gosta de futebol, porque a discussão sobre os casos amororos do jogador francês não são, nem de longe, o assunto mais comentado para quem acompanha a Copa do Mundo. O exagero de Casagrande é proposital: o comentarista procura, já de cara, apresentar o assunto como um grande escândalo, como se todo o mundo fosse “transfóbico” e, portanto, merecesse os seus sermões e propostas de intervenção.
Casagrande segue criticando aqueles que estariam utilizando o suposto caso para depreciar o jogador francês: “o problema está com quem se incomoda com ele. O problema está na mente doentia de quem faz ataques grosseiros, transfóbicos e preconceituosos contra ela”. Até aí, tudo bem: de fato, se Mbappé quer ter um caso com um transgênero, um homem ou uma mulher, diz respeito apenas e ele próprio e com quem estiver se relacionando. No entanto, já chama bastante a atenção o fato de que Casagrande fez questão de defender algo tão secundário — o direito de um jogador da França se relacionar com um transgênero — e ignorar todo tipo de preconceito que os jogadores brasileiros sofrem, tratados como burros, ignorantes, ineficientes, malandros, desonestos etc.
Mas o problema não é só esse. Da defesa supostamente democrática dos direitos de Mbappé, Casagrande parte para uma franca campanha contra o regime que vigora no Catar: “Ines não poderá vir a Doha assistir a final da Copa porque, com conivência da Fifa, o torneio está sendo realizado em um país que criminaliza as pessoas LGBTQIA+”. Pura mentira: o Catar não proíbe o ingresso de pessoas da população LGBT, apenas restringe determinados comportamentos. Milhares de homossexuais assistiram os jogos da Copa do Mundo no país árabe ou estiveram lá a trabalho.
A mentira já acusa a má-intenção. E que má-intenção teria Casagrande na questão? Como ficaria claro no final do texto, seu objetivo é atacar o Catar e sugerir que a Copa do Mundo nem deveria ter acontecido lá: “para finalizar, as Copas do Mundo precisam ser realizadas nos países em que todas as pessoas, independentemente de etnia, cor e gênero, possam assistir e torcer com segurança e sem preconceito”
Se Casagrande estiver sendo honesto, ele deve decretar desde já o boicote à Copa do Mundo de 2026, que acontecerá nos Estados Unidos. Se há tanta preocupação com os oprimidos, que sentido faz então de poupar o próximo país-sede da mais dura crítica, uma vez que os Estados Unidos tem a maior população carcerária do mundo, onde estão milhões de mulheres, LGBTs e imigrantes? Por que não criticar duramente os Estados Unidos, que apoia o governo da Arábia Saudita, talvez o mais reacionário, do ponto de vista dos costumes, de todo o Oriente Médio? Por que fazer a Copa do Mundo em um país que está financiando e enviando armas para que um regime nazista se defenda no Leste Europeu?
A Copa nos Estados Unidos, coração do imperialismo, dará uma grande oportunidade aos grandes críticos da Copa do Catar a provarem toda a sua demagogia social. Não há país mais criminoso no mundo. Que comecem já os identitários de plantão a denunciar os males dos norte-americanos. Tem para todos os gostos: imigrantes, mulheres, negros, LGBTs, meio ambiente, direitos humanos. Escolham um tema e façam sua campanha.