Uma matéria no portal da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) busca omitir porque Pelé, o Rei do Futebol e maior jogador de todos os tempos, começou na reserva o início do mundial de 1958, na Suécia. O artigo busca desmentir que “Pelé foi reserva da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958, só entrando no terceiro jogo, contra a Rússia, devido à pressão dos jogadores mais experientes, como Nílton Santos e Didi, sobre o técnico Vicente Feola”.
Segundo a matéria, “Pelé era titular absoluto do time do técnico Vicente Feola, mas se contundiu em amistoso contra o Corinthians, no dia 21 de maio de 1958 e foi substituído por Vavá”. Para afirmar isso, se apoiam numa declaração de Pepe, companheiro do Rei no Santos:
“O Pelé sofreu uma entrada violenta do Ari Clemente, teve de sair do jogo e ficou algum tempo sem poder atuar. Tanto que ficou de fora dos amistosos que fizemos depois na Itália, contra Fiorentina e Internazionale. Quem jogou foi o Dida, que, na verdade, era reserva”, conta Pepe.
Segundo a CBF, foi por isso que Pelé não jogou nos amistosos contra a Fiorentina (em 29 de maio de 1958) e a Internazionale (1 de junho de 1958), ambos da Itália, nos dois últimos jogos antes da estreia da Copa do Mundo.
Os argumentos da CBF, no entanto, são uma “meia-verdade”. É, fato, sim, que Pelé se lesionou num jogo amistoso contra o Corinthians e não jogou os amistosos contra os clubes italianos.
No entanto, vejamos as escalações de Feola antes da Copa. Foram cinco jogos: dois contra o Paraguai, pela Taça Oswaldo Cruz, dois amistosos contra a Bulgária e dois amistosos contra a Bolívia. Destes cinco, Pelé só começou titular no segundo jogo contra a Bulgária e no jogo contra o Corinthians — no qual ele se contundiu. Nos dois últimos jogos que precederam os amistosos contra os clubes italianos.
Fato é que, entre 1957 e 1958, antes da Copa, mesmo marcando em quase todos os jogos em que entrava, Pelé não era “titular absoluto”, como alega a CBF.
A história começa no time de Sylvio Pirilo, que precedeu Feola e permitiu a estreia de Pelé na Copa Roca, contra a Argentina, em 1957. No primeiro jogo contra os argentinos, Pelé era reserva, entrou no lugar de Del Vecchio e efetuou o único gol da derrota brasileira por 2 a 1. Por isso, no segundo jogo, em que os brasileiros conquistaram o título, Pelé foi titular, marcando um dos gols na vitória por 2 a 0.
Mesmo assim, Pelé não foi titular nos dois jogos da Taça Oswaldo Cruz e no primeiro amistoso contra a Bulgária, quando o time era comandado por Feola.
Mas, o que aconteceu?
Ocorre que, após as derrotas nas Copas do Mundo de 1950 e 1954, diversas “teorias” buscaram explicar o fracasso dos brasileiros. Os jornais esportivos culpavam as características brasileiras no futebol. A imprensa golpista (pró-imperialista) buscava desmoralizar o nacionalismo burguês do período atacando o futebol nacional. Um relatório “científico”, enviado à CBD por uma comissão de médicos e preparadores físicos, foi além. Durante uma viagem da Seleção Brasileira à Europa em 1956, colocava a culpa na composição do povo brasileiro. O problema seria a miscigenação, e o negro, o principal responsável pelo progresso do futebol nacional, era acusado de ser psicologicamente fraco.
Em sua autobiografia, Nilton Santos, convocado para as Copas de 1950, 1954, 1958 e 1962, explica:
“Nunca a ciência pesquisara tão fundo para descobrir o porquê de o time brasileiro ter bons jogadores, mas não conseguir se superar em campo, não conquistar nenhum título mundial. Será que os nossos atletas eram covardes? Relatórios médicos foram feitos, sigilosamente, para a CBD. Chegaram à conclusão de que o problema brasileiro estava na alma dos jogadores, que eram muito nostálgicos, sentiam muita falta de casa, da comida, principalmente os negros, que eram emocionalmente mais instáveis. Portanto, o time tinha que ser o mais branco possível”.
Entre os convocados para a Copa, estavam craques como Nilton Santos, Didi, Zagallo, Joel, Dida, Mazzola, entre outros.
No entanto, pela influência da campanha contra o futebol brasileiro e o negro, seu principal fator de progresso, jogadores como Pelé, Garrincha, Zito, Vavá e até mesmo o consagrado Djalma Santos foram postos na reserva. Por este motivo, a Seleção Brasileira iniciou com jogadores majoritariamente brancos como titulares, à exceção de Didi, que já era considerado o melhor atleta brasileiro da época, e Dida, que era “mais clarinho” (como afirma Nilton Santos) que o reserva: Pelé.
As afirmações são de Nilton Santos, a “Enciclopédia do Futebol”, e mostram que a CBF visa omitir um passado obscuro da CBD, entidade que a precedeu.
O fato também foi comentado pelo ex-técnico da Seleção Brasileira João Saldanha, em entrevista ao Roda Viva em 1987. Ele não desmentiu a questão do racismo, apenas alegou que — como realmente deve ter sido — o culpado não era o técnico Feola, e sim a pressão da CBD, receosa em perder a Copa do Mundo pela “fraqueza emocional” do negro.
A CBF tem em vista desmentir que Pelé, Garrincha e Zito só entraram no terceiro jogo, contra a União Soviética, “devido à pressão dos jogadores mais experientes, como Nílton Santos e Didi, sobre o técnico Vicente Feola”.
Nilton Santos conta outra história. A Seleção ganhou de 3 x 0 o primeiro jogo contra a Áustria, mas depois empatou por 0 x 0 contra a Inglaterra. O jogo contra os soviéticos, indicados como favoritos para conquistar a Copa do Mundo, era crucial e poderia eliminar o escrete brasileiro.
Por isso, o lateral esquerdo conta que se juntou com Didi para falar com a comissão técnica. “Tínhamos melhores jogadores na reserva que precisavam entrar daqui para frente, se quiséssemos ser campeões mundiais. Citamos três nomes em especial: Garrincha, Zito e Pelé”, afirma. E, de fato, estes foram escalados. A Seleção Brasileira promoveu os “três minutos mais incríveis da história do futebol”, com Pelé e Garrincha realizando um espetáculo e Vavá — reserva de Dida e que entrou no segundo jogo — fazendo gols.
A partir de então, Pelé se consagra e inicia sua jornada que lhe daria três conquistas de Copas do Mundo. Mas foi desta forma que ocorreu, não como a CBF busca relatar, para esconder seus malfeitos.
Aliás, vale lembrar que Garrincha era apontado pelo psicólogo da Seleção, João Carvalhaes, como “mentalmente deficiente”, como relata Nilton Santos e o jornalista Abrão Aspis (Futebol Brasileiro — Do início amador à paixão nacional), e por isso aconselhava que o ponta-direita, um dos maiores jogadores da história, não deveria jogar.
Pois bem, a Seleção Brasileira conquistou seu primeiro título mundial refutando todas essas teorias “científicas”.