O marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, recebeu recentemente uma homenagem realizada pelo projeto Negro Muro, na fachada da residência em que viveu até o fim de sua vida, em São João de Meriti (RJ). O painel criado faz alusões ao levante popular, que fez tremer o poder central na República Velha.
Além de homenagear esse grande personagem, o objetivo do projeto foi o de pressionar a prefeitura de São João de Meriti quanto à construção do Museu Marinheiro João Cândido, que, por mais de uma década, não havia sequer saído do papel e, ainda agora, está distante de uma possível inauguração, visto que, das três fases da obra, apenas a primeira pode ser considerada concluída.
O desejo de ver o museu construído e funcionando é compartilhado por Adalberto Cândido, único filho vivo de João Cândido, que, aos 82 anos, tem medo de não ver o museu operante. Hoje, ele e a filha moram na mesma casa que era do seu pai.
João Cândido Felisberto nasceu no dia 24 de junho de 1880, numa fazenda localizada em Encruzilhada do Sul (RS). Seus pais eram escravos. Com 10 anos, foi para Porto Alegre, sob a responsabilidade do Almirante Alexandrino de Alencar, que era próximo à família a qual seus pais serviam. Aos 14 anos, ingressou como grumete (um tipo de recruta) na Marinha do Brasil, pelas mãos do mesmo almirante. Cabe destacar que a Marinha era o destino de diversos jovens marginalizados, muitos deles apontados pela Polícia, sendo em sua maioria negros, como o próprio João Cândido.
Aos quinze anos, foi transferido para trabalhar no Rio de Janeiro. Seu espírito de liderança e aprendizado fizeram com que, aos 20 anos, devido às habilidades adquiridas, já fosse instrutor de aprendizes marinheiros. Posteriormente, em 1903, participou da missão de disputa do território do Acre, o qual, até então, pertencia à Bolívia.
Após ficar 11 meses em missão, contraiu tuberculose e teve de retornar ao Rio de Janeiro, onde passou três meses internado no Hospital da Marinha. Após se recuperar, foi enviado em 1909 à Inglaterra, a fim de aprender a operar o encouraçado Minas Gerais, fabricado pelos britânicos e comprado pelo governo brasileiro.
Ao entrar em contato com os marinheiros ingleses, que tinham uma estreita relação com a classe operária, uma das mais politizadas do mundo. João Cândido, quando retornou, tentou conversar pessoalmente com o então presidente Nilo Peçanha sobre o fim dos maus tratos aos marinheiros, mas recebeu uma negativa.
Ainda naquela época, faltas leves cometidas por marinheiros poderiam ser punidas com solitária a pão e água, durante um período que costumava variar entre 3 e 6 dias. Já faltas mais graves, como desrespeito à hierarquia, tinham como punição as chibatadas, na frente de todos os companheiros, ao som dos tambores e que, por vezes, levavam marujos à morte.
No dia 21 de novembro de 1910, o marinheiro Marcelino foi amarrado a um convés, nu da cintura para cima, foi castigado, o que mobilizou seus companheiros contra os abusos aos quais eram submetidos pelo oficialato. No dia seguinte, os 2379 marinheiros, tendo como principal liderança João Cândido, passaram a controlar os quatro navios de guerra então em atividade (Bahia, Deodoro, Minas Gerais e Deodoro), içando bandeiras vermelhas e ameaçando bombardear a então capital federal (o que aterrorizaria amplos setores pequeno burgueses hoje!), caso não fossem atendidos seus pedidos: fim dos castigos – que eram herança da marinha imperial escravocrata, aumento salarial, melhoria da alimentação e anistia a todos os envolvidos. O presidente Hermes da Fonseca aceitou num primeiro momento a anistia, acuado pelo movimento, que, no dia 27 de novembro, encerrou o levante.
Entretanto, logo que os marujos desembarcaram, ocorreu a perseguição. Dos 2379 marinheiros, 1216 foram expulsos da corporação militar. Além disso, mais 600 foram presos e 105 encaminhados para trabalhos forçados em seringais, sendo que, desses, 14 foram assassinados pelo caminho.
Quanto a João Cândido, reconhecido como principal líder do movimento, foi preso e enviado para uma prisão na Ilha das Cobras, onde, dividindo a cela com mais 17 companheiros, viu 16 deles morrerem. Logo após, em abril do ano seguinte, foi enviado para o Hospital Nacional dos Alienados, onde passou dois meses e foi liberado logo que o diretor da instituição atestou sua sanidade mental. Logo que o liberaram, foi preso mais uma vez, tendo sobrevivido a uma tentativa de assassinato.
Em 29 de novembro de 1912, foi absolvido e também, expulso da Marinha, a qual o apagou de todos os seus registros oficiais, a fim de que caísse no esquecimento. Para sobreviver, teve de trabalhar carregando cestos de peixes, visto que, logo que tomava conhecimento de um emprego formal no qual estivesse trabalhando, a Marinha pressionava pela demissão de João Cândido. Ele morreu em 1969, aos 89 anos.
A homenagem dos artistas de rua a João Cândido é um forma de se opor à tentativa da burguesia em ocultar um personagem histórico tão importante e de reconhecer a contribuição inigualável que o líder da Revolta da Chibata teve para o povo negro e a classe operária no país.