A esquerda pequeno-burguesa já está se preparando para entrar de cabeça em mais uma armadilha da burguesia imperialista: a da vacina contra o coronavírus. A euforia em torno da vacina, que até hoje não se provou ser segura ou suficientemente eficaz, é diretamente estimulada pelos capitalistas, que procuraram uma saída para o mais absoluto caos que uma nova onda da pandemia poderá causar. Não há, nem nunca houve uma corrida pelo “progresso científico” em torno da vacina contra a COVID-19, mas sim uma guerra pelo lucro. Nesta semana, fomos confrontados com mais uma prova disso: o anúncio da compra privada de uma vacina indiana.
A primeira notícia relacionada a esse evento se deu no dia 3 de janeiro, quando o presidente da ABCVac (Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas), Geraldo Barbosa, em entrevista à golpista Globonews, declarou que uma comitiva formada por representantes de clínicas particulares de vacinação iria para a Índia negociar a compra de 5 milhões de doses da vacina desenvolvida localmente contra o coronavírus, a Covaxin. Neste momento, a vacina se encontra na fase três de seus testes, e já recebeu autorização do governo indiano para o uso emergencial.
Segundo as expectativas de Geraldo Barbosa, a vacina já poderá ser largamente empregada a partir do mês de fevereiro. Segundo ele, a comitiva brasileira estaria firmando uma parceria com o laboratório asiático Bharat Biotech. Até o dia 10 de janeiro, o acordo deverá ser fechado.
A tentativa de comprar vacinas por parte de clínicas particulares é nada menos que uma privatização da vacinação no Brasil. Não se trata, obviamente, de uma questão de concorrência, ou de simplesmente acelerar a vacinação de um setor mais privilegiado da população. Se os golpistas conseguirem levar adiante o plano de privatização, a esmagadora maioria da população ficará completamente marginalizada de qualquer possibilidade de imunização.
Isso porque, ao mesmo tempo em que os capitalistas procuram, eles próprios, vender uma vacina para a pandemia, o governo Bolsonaro está sabotando uma política séria de vacinação. Até o momento, Bolsonaro não anunciou qualquer plano para vacinar o povo, e ainda tem aparecido debochando da situação da pandemia, que já matou 197 mil pessoas. Em uma das oportunidades, Bolsonaro chegou a dizer que quem tomasse a vacina contra o coronavírus poderia se transformar em um jacaré.
E não é só isso. Mais recentemente, Bolsonaro afirmou que não poderia “fazer nada” porque o País estaria quebrado. Se o Brasil estiver mesmo quebrado, a população não tem culpa alguma. Foi a sabotagem da direita ao governo do PT e a política neoliberal levada adiante por Michel Temer e Jair Bolsonaro que empurraram a economia ladeira abaixo. Se a própria direita é incapaz de administrar as finanças do Estado, que entregue aos trabalhadores! Pois são esses os maiores interessados em manter o Estado de pé, para lhe prover de tudo aquilo que a burguesia lhe tira.
E o “fazer nada” de Bolsonaro é, de fato, no que diz respeito à assistência social, aos direitos democráticos e aos direitos políticos é uma verdadeira monstruosidade. Bolsonaro ignorou completamente as condições de vida da população durante a pandemia, sabotando de todas as maneiras possíveis o auxílio emergencial. Ao mesmo tempo, viu-se livre para censurar cada vez mais a esquerda e restringir o direito à manifestação.
Na última quarta-feira (6), Bolsonaro foi ainda mais específico: afirmou que irá suspender a compra de seringas até que os preços “voltem à normalidade”. Levando em consideração que a demanda por seringas, neste momento, é gigantesca em todo o mundo, e levando também em consideração que todos os países enfrentam uma retração de seu Produto Interno Bruto (PIB), é difícil prever quando Bolsonaro encontrará preços “normais”. Trata-se, portanto, de um escárnio contra toda a população.
Mas a indisposição do governo de comprar seringas — quem dirá vacina — é bastante reveladora, e demonstra o casamento perfeito, para a burguesia, entre a inação total do Estado e a atuação das clínicas privadas. Segundo Geraldo Barbosa, “a vacina não vem pronta para uso, vamos depender de insumos que vamos negociar, mas ter o imunizante já é um grande passo”. Ou seja, o compromisso das clínicas é com a compra da vacina, e não com seringas e agulhas. E de onde viriam, então, as seringas e agulhas?
Viriam do próprio Estado, é claro! Como em toda privatização, não basta para burguesia limitar um determinado serviço a um número restrito de pessoas, mas também se faz necessário obrigar o Estado a financiar parte significativa de seu empreendimento. Quando uma estrada é privatizada, a grande parte do investimento é feito pelo Estado, restando às operadoras apenas administrar o lucro dos pedágios. Aqui a situação é semelhante: as clínicas entrarão com o menor recurso possível, chantagearão o Estado e ainda lucrarão horrores em cima do desespero da população. Bolsonaro pode dizer, por ora, que não quer comprar vacina ou insumos. Mas se tiver o pleno apoio da imprensa e estiver sendo pressionado de todos os lados pelos capitalistas, acabará cedendo e fazendo da vacinação um negócio espetacular.
E no que depender da imprensa burguesa, a campanha já começou. Em artigo de opinião do Estado de S.Paulo, intitulado “Vacina de onde vier”, a burguesia já deu a dica: “o mercado privado mundial de vacinas existirá a despeito disso. É melhor tirar proveito inteligente dele do que virar-lhe as costas”.